Novas moléculas associadas à hiperinflamação na COVID-19 são identificadas


Maria Fernanda Ziegler | Agência FAPESP – Casos severos e fatais de COVID-19 têm como característica um quadro de inflamação sistêmica que, além dos pulmões, leva ao colapso diferentes órgãos do paciente. Trata-se de uma reação inflamatória fora de controle, que envolve elevadas taxas de moléculas pró-inflamatórias circulantes no sangue – fato conhecido como tempestade de citocinas. Essa resposta imunológica exacerbada tende a causar danos ainda maiores que o próprio vírus.

Pesquisadores da USP em Ribeirão Preto demonstram que no soro sanguíneo de pacientes graves há alta concentração do neurotransmissor acetilcolina e de mediadores lipídicos derivados do ácido araquidônico. Descoberta pode contribuir para melhora no prognóstico e no tratamento da doença (foto: ImunoCovid/divulgação)

Pesquisadores da Universidade de São Paulo (USP) em Ribeirão Preto e da Universidade Federal de São Carlos (UFSCar) demonstraram, pela primeira vez, que o processo inflamatório pulmonar, a tempestade de citocinas e a gravidade da doença estão associados ao aumento exagerado de mediadores lipídicos (derivados de ácido araquidônico) e de acetilcolina – substância normalmente produzida no sistema nervoso central e que participa da comunicação entre neurônios.

O trabalho foi apoiado pela FAPESP por meio de um projeto que investiga biomarcadores e novos alvos terapêuticos para a COVID-19. Os resultados foram publicados na plataforma medRxiv , em artigo ainda sem revisão por pares.

“Ao encontrar uma alta concentração desses componentes moleculares no soro de pacientes com quadros graves de COVID-19, podemos supor que células pulmonares e leucócitos [do sistema imunológico] liberam, além de citocinas, a acetilcolina, o acido araquidônico e seus derivados. Isso foi uma grande surpresa, pois nunca esses compostos lipídicos tinham sido descritos atuando no pulmão na COVID-19”, diz Lúcia Helena Faccioli , professora da Faculdade de Ciências Farmacêuticas de Ribeirão Preto (FCFRP-USP).

A pesquisa faz parte dos objetivos do consórcio ImunoCovid – coalizão multidisciplinar que envolve dez pesquisadores da USP e um da UFSCar, além de profissionais de saúde da Santa Casa de Misericórdia e do Hospital São Paulo em Ribeirão Preto, que trabalham em colaboração e com o compartilhamento de dados e de amostras.

De acordo com a pesquisadora, o achado abre caminho para novos estudos sobre a participação de mediadores lipídicos nesse tipo de inflamação, bem como possíveis marcadores de gravidade e tratamento da COVID-19.

Além dos dois componentes moleculares, os pesquisadores da USP identificaram o decréscimo na expressão CD14 e CD36, glicoproteínas da membrana de células de defesa (leucócitos). Também descobriram que o uso de corticoides no tratamento da inflamação reduz apenas as taxas de acetilcolina, não interferindo no ácido araquidônico e seus derivados.

“Dessa forma, apesar de ser benéfico para muitos pacientes, o uso de corticoides para tratar a hiperinflamação não induz os mesmos resultados para todos os doentes. Por isso, com base no que vimos em nosso estudo, é de se sugerir que o tratamento com corticoides seja iniciado o quanto antes em indivíduos hospitalizados e com quadros graves e críticos, em combinação com inibidores do metabolismo de ácido araquidônico”, diz Faccioli.

Vale ressaltar que o uso inadequado de corticoides pode trazer riscos relevantes para o organismo. É importante buscar orientação médica no que diz respeito à dose, ao período de início e à duração do tratamento. Usar esse tipo de medicamento sem prescrição médica na fase viral da doença, que vem antes da fase inflamatória, pode agravar a infecção.

Quebra-cabeça

A descoberta adiciona peças importantes ao quebra-cabeça que envolve diferentes moléculas em cascata até que ocorra a tempestade de citocina. Estudo realizado por outro grupo da USP, também em Ribeirão Preto, já havia demonstrado a participação de um mecanismo imunológico conhecido como inflamassoma nesse processo (leia mais em: agencia.fapesp.br/34680/).

Para determinar se a infecção pelo vírus SARS-CoV-2 alterava o metabolismo dos mediadores lipídicos, o grupo de Faccioli realizou análises por meio de uma técnica conhecida como espectrometria de massa de alta resolução. Os pesquisadores estudaram o lipidoma (conjunto de moléculas de origem lipídica) no plasma sanguíneo de pacientes com COVID-19 e de voluntários saudáveis. No total, 8.791 metabólitos do tipo estavam presentes em pelo menos 50% de todas as amostras.

Em seguida, os cientistas acompanharam a produção de mediadores no soro sanguíneo de 190 pacientes com COVID-19 (de 16 a 97 anos), sendo 43 assintomáticos, 44 moderados, 54 graves e 49 críticos. Dessa forma, foi possível estratificar os doentes em quatro fases ou graus diferentes da infecção: leves, moderados, graves e críticos. Soma-se aos dados a análise de 39 participantes saudáveis e 13 hospitalizados sem COVID-19 (não infectados), que formaram o grupo controle.

Os resultados do estudo foram confirmados com a análise de dados de expressão gênica de biópsias pulmonares de pacientes infectados pelo SARS-CoV-2 depositados em repositórios públicos e publicados em artigos científicos. Embora mais estudos sejam necessários, os resultados abrem novas perspectivas para o tratamento da COVID-19.

O artigo Cholinergic and lipid mediators crosstalk in Covid-19 and the impact of glucocorticoid therapy pode ser lido em www.medrxiv.org/content/10.1101/2021.01.07.20248970v1.

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