Entre os médicos, não há dúvidas de que eventos muito estressantes — como eleições presidenciais polarizadas — representam um fator de risco a mais para o coração e podem aumentar os casos de infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
Pesquisas publicadas nos últimos anos mostram como o estresse impacta diretamente o sistema cardiovascular — e como votações recentes aumentaram a frequência de queixas no peito e buscas pelo pronto-socorro.
A boa notícia é que dá para prevenir muitos desses casos: cardiologistas ouvidos pela BBC News Brasil contam que gerenciar o estresse, dormir bem, fazer atividade física, evitar exageros e ficar atento aos sinais de algo mais sério são alguns fatores que podem evitar um estrago maior.
Só em 2020, 357 mil brasileiros morreram em decorrência de doenças circulatórias. Essa é a maior causa de óbitos no país.
Aperto no coração
Um trabalho feito por médicos da Kaiser Permanente, um serviço privado de saúde que atua na Califórnia, nos Estados Unidos, em parceria com especialistas das universidades Columbia e Harvard, revelou que eleições presidenciais estão relacionadas a um aumento nas internações por infarto, AVC e insuficiência cardíaca.
O estudo, que levou em conta as informações de saúde de 6,3 milhões de pessoas, analisou o que aconteceu nos cinco dias depois das eleições presidenciais americanas de 2020, em que o democrata Joe Biden saiu vencedor da disputa contra o republicano Donald Trump, que buscava a reeleição.
Na comparação com um período antes das eleições, os pesquisadores observaram um aumento de 17% na taxa de hospitalizações por doenças cardiovasculares agudas logo após o pleito.
A investigação americana, publicada no final de abril de 2022 no Journal of the American Medical Association (Jama), um dos periódicos mais respeitados da área, é uma repetição de outra investigação feita pelo mesmo grupo nas eleições de 2016.
À época, os cientistas encontraram um risco ainda mais alto: a taxa de hospitalizações por doenças cardiovasculares na Califórnia nos dois dias após a eleição daquele ano foi 62% maior em comparação com os registros das semanas anteriores.
Embora esse artigo tenha limitações importantes, como o fato de ter observado um fenômeno que já havia acontecido no passado e incluir apenas um perfil de pessoas que têm plano de saúde, ele traz ensinamentos relevantes e engrossa o conhecimento de outras pesquisas anteriores, avaliam os médicos.
O principal ensinamento é que eventos muito estressantes, como uma grande definição política nacional ou até um jogo decisivo de Copa do Mundo, podem fazer mal ao coração e aos vasos sanguíneos — e existem estratégias validadas cientificamente para reduzir o risco de sofrer com um evento grave desses.
Como o estresse bate no peito
O médico Agnaldo Piscopo, diretor do Centro de Treinamento em Emergências Cardiovasculares da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp), explica que a decisão de quem será o novo presidente de um país faz com que todo mundo pense no futuro e o que pode mudar, para melhor ou para pior, do ponto de vista da economia, da segurança pública, da saúde, da educação.
“E toda essa expectativa causa mudanças no nosso organismo. Um dos efeitos imediatos disso é a liberação dos hormônios adrenalina e cortisol”, ilustra.
Essas substâncias, por sua vez, promovem uma série de modificações no nosso sistema cardiovascular, responsável por bombear o sangue para todas as células. Os batimentos cardíacos aceleram, a pressão arterial sobe, o sangue fica mais viscoso…
Agora, imagine o que todas essas mudanças significam para a saúde de uma pessoa que já tem colesterol alto, hipertensão, diabetes ou obesidade. Nesse contexto, o estresse significa um fator de risco adicional para o surgimento de uma complicação mais séria — como o entupimento de uma artéria do coração (o infarto) ou o rompimento de uma veia no cérebro (o AVC hemorrágico).
E essa é apenas uma das explicações que ajudam a entender a relação entre estresse e os chamados eventos cardiovasculares. Em alguns casos, o nervosismo exacerbado, por si só, já é suficiente para desencadear uma grave crise.
“Em tantos anos de trabalho nos serviços de emergência, já vi muita gente infartar após um evento crítico, como uma separação conjugal, a notícia da morte de alguém querido, um assalto ou uma partilha de herança”, lembra Piscopo.
“Em alguns desses casos, não existia nenhum outro fator para explicar o ataque cardíaco. A própria exposição emocional foi tão grande que o paciente teve um espasmo da coronária [a artéria que irriga o músculo cardíaco] e o coração não aguentou”, complementa.
Nas últimas duas décadas, dois grandes estudos internacionais conhecidos pelas siglas InterHeart e InterStroke confirmaram o papel do estado emocional nesses eventos críticos que abalam o sistema cardiovascular.
“Se conseguíssemos de alguma maneira acabar com o estresse, evitaríamos 33% dos casos de infarto e 17% dos episódios de AVC que acontecem em todo o mundo”, calcula o cardiologista Álvaro Avezum, diretor do Centro Internacional de Pesquisa do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo.