Receber anestesia na gravidez não interfere no desenvolvimento da criança


Pesquisadores compararam mais de 500 crianças cujas mães foram expostas ou não a algum procedimento com anestesia durante o pré-natal

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Um estudo realizado por pesquisadores belgas e publicado na revista científica Anaesthesia não encontrou nenhuma ligação entre a exposição de uma mulher no pré-natal à anestesia e os resultados do desenvolvimento neurológico da criança. Trata-se do trabalho mais extenso até hoje a estudar o assunto, com mais de 500 crianças avaliadas. A suspeita era de que se uma mulher recebesse anestesia geral durante a gestação isso poderia interferir no desenvolvimento da criança a longo prazo.

Para chegar aos resultados, os pesquisadores analisaram o neurodesenvolvimento de 129 crianças entre 2 e 18 anos, nascidas entre 2001 e 2018, cujas mães receberam anestesia durante o período de pré-natal. Elas foram comparadas com outras 453 crianças que não foram expostas a nenhum procedimento cirúrgico enquanto estavam no útero materno. Aquelas que foram expostas à anestesia obstétrica (parto cesárea) ou cirurgias fetais intra-útero foram excluídas do levantamento.

Embora seja rara a necessidade de anestesia durante a gravidez, os pesquisadores apontam que cerca de 1% das mulheres precisam se submeter ao procedimento em decorrência de uma cirurgia não obstétrica (problemas não relacionados à gestação), como uma operação de emergência para tratar uma apendicite ou para retirada de um tumor.

Para fazer a comparação do desenvolvimento das crianças, os cientistas aplicaram uma série de ferramentas padronizadas que incluíam questionários para os pais e avaliações da função executiva das crianças, problemas psicossociais, variações de comportamento, diagnóstico de quaisquer problemas psiquiátricos (como autismo, transtorno bipolar, esquizofrenia, ansiedade, dislexia) e distúrbios de aprendizagem.

Foram feitos ajustes para variáveis demográficas e sociais. Segundo a pesquisa, 90% das crianças expostas à anestesia no pré-natal o receberam uma única vez, sendo a cirurgia abdominal das mães a mais frequente. Não foram encontradas diferenças de desenvolvimento e nenhum prejuízo significativo entre os grupos expostos e não expostos à anestesia.

Os pesquisadores destacaram a importância desse trabalho ao apontar que um estudo anterior realizado em ratos indicava que a anestesia geral durante a gravidez poderia induzir à lesão neuronal no feto e prejudicar o aprendizado e a memória. No entanto, não havia evidências suficientes para trazer esse cenário para a prática clinica.

Os autores disseram, ainda, que a FDA publicou um alerta em 2016 dizendo que o uso repetido ou prolongado de anestesia geral em grávidas durante o terceiro trimestre poderia prejudicar o desenvolvimento neurológico das crianças. Eles ressaltam, no entanto, que apesar dos resultados desse novo estudo, as recomendações para evitar a anestesia e de adiar o procedimento sempre que possível permanecem as mesmas.

Cirurgia sempre tem riscos

Segundo o pediatra Linus Pauling Fascina, gerente-médico do Departamento Materno Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, normalmente as grávidas que se submetem a alguma anestesia durante o pré-natal precisam tratar problemas urgentes e que não podem ser adiados, como casos que envolvam risco de vida para a mãe.

“Sempre que possível tentamos adiar a cirurgia para não submeter essa mulher e o bebê aos riscos do anestésico e de todo o procedimento cirúrgico em si”, diz.

Fascina ressalta que os riscos não se resumem apenas à anestesia e elencou uma série de fatores que precisam ser avaliados: o primeiro deles, explica, é que, toda vez que uma pessoa se submete a um procedimento cirúrgico ela “rompe” a proteção natural dos órgãos.

“A partir do momento em que é feita uma incisão com um bisturi, que entramos mais profundamente dentro de uma cavidade, isso pode desencadear um processo inflamatório que o organismo da gestante interpreta como um sinal para iniciar um trabalho de parto precoce”, afirmou.

Outro fator apontado por Linus é que por mais que haja assepsia, limpeza e higienização do ambiente cirúrgico, sempre há o risco de a mulher sofrer uma infecção hospitalar, que também pode atingir o feto. Além disso, o processo de infecção pode desencadear um fenômeno trombótico, que acontece quando trombos se desprendem e obstruem a placenta, prejudicando a nutrição do bebê. Há ainda o risco de ocorrer um distúrbio de coagulação, com maior sangramento. “Todos esses fatores de risco podem levar o corpo da gestante a iniciar um trabalho de parto precoce”, destacou.

Segundo Fascina, os anestésicos estão cada vez mais seguros e modernos e os resultados desse estudo são importantes para reforçar a segurança das mães e dos profissionais, caso a gestante precise ser submetida a uma anestesia.

“Por esses muitos outros fatores de risco, o recomendado ainda é adiar a cirurgia em mulheres grávidas sempre que possível. Mas, caso não consigam, [do ponto de vista anestésico] as mulheres podem fazer a cirurgia com segurança porque isso não vai impactar no desenvolvimento do bebê”, finalizou o médico.

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