Países precisam sequenciar 0,5% dos casos de Covid para detectar variantes; no Brasil, seria cerca de 1.063 amostras por semana


Grupo começou estudo a partir de uma proposta de sequenciar 5% das amostras, algo que se mostrou inviável. Pesquisa com mais de 170 colaboradores avaliou 189 países.

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Para conseguir detectar linhagens emergentes do coronavírus, os países precisam sequenciar ao menos 0,5% dos casos confirmados de Covid-19 e incluir essas informações no banco internacional em menos de 21 dias. Essa é a conclusão de um estudo realizado por cientistas brasileiros, em parceria com mais de 170 colaboradores do mundo, que buscou estabelecer a relação entre quantidade e tempo mínimo de sequenciamento para rastrear o avanço das variantes e preparar o mundo para outras possíveis pandemias. Os resultados foram publicados na revista científica HYPERLINK “https://www.nature.com/articles/s41467-022-33713-y”Nature.

O sequenciamento genético das variantes é uma das principais ferramentas de vigilância epidemiológica para entender o avanço global do vírus e suas consequências. É uma arma que serve de base na tentativa de frear o avanço das infecções. A variante ômicron, por exemplo, foi identificada como preocupante na África do Sul em novembro do ano passado e causou estragos no mundo todo, inclusive no Brasil, com aumento de casos e de internações a partir de dezembro.

Segundo Anderson Fernandes de Brito, virologista do Instituto Todos Pela Saúde e um dos principais autores do estudo, até agora não existia nenhum documento que estipulasse a quantidade mínima necessária de sequenciamentos e o tempo necessário para publicação dessas informações para identificar variantes com potencial para causar novos surtos. O que existia até então era uma proposta feita para que os países sequenciassem ao menos 5% dos casos confirmados de Covid-19, algo praticamente impossível na maioria dos países analisados.

De acordo com o estudo, que levantou os dados de sequenciamentos de 189 países entre março de 2020 e fevereiro de 2022, apenas 13 deles conseguiram sequenciar 5% ou mais das amostras positivas (entre eles Reino Unido, Nova Zelândia, Japão e Dinamarca). Por outro lado, 86 países tiveram menos de 0,5% das amostras sequenciadas o que mostra a grande discrepância e a dificuldade internacional em realizar esse tipo de vigilância epidemiológica.

“A proposta de sequenciar 5% dos casos era praticamente impraticável, mas não tínhamos nenhum número de referência. Além disso, existia um conflito de interesse porque essa sugestão vinha de uma empresa de sequenciadores. Precisávamos estabelecer um limiar que servisse de base e isso nos motivou a pesquisar quanto era o mínimo de amostras que tínhamos que sequenciar e em quanto tempo isso tinha que acontecer para termos uma vigilância epidemiológica adequada”, explicou Brito.

“Esse estudo demonstra um esforço global de vários cientistas para tentar responder por que sequenciar demora tanto”, avaliou.

Sequenciar é essencial, mas demora e custa caro

Fazer o sequenciamento genômico é uma tarefa complexa, demorada e cara: exige um grande investimento em ciência (para compra dos equipamentos), equipes treinadas e especializadas para fazer a coleta, o processamento em laboratório, a análise dos dados e o depósito dessas informações no banco internacional.

Além disso, essas condições são muito variáveis de país a país: há casos em que a coleta é rápida, mas existem poucas pessoas qualificadas para a realização das análises; em outros, o equipamento quebra e demora para ser consertado; há, ainda, situações em que falta a matéria prima para os reagentes ou, por outro lado, em que a importação dos produtos básicos é complexa.

Após cruzar as informações dos 189 países, os cientistas constataram que enquanto 78% dos países de alta renda conseguiram sequenciar pelo menos 0,5% dos casos confirmados nos dois primeiros anos de pandemia, apenas 42% dos países de média e baixa renda fizeram o mesmo. Os resultados mostraram ainda que 25% dos genomas sequenciados em países de alta renda foram depositados no banco internacional em até 21 dias, contra 5% dos genomas dos países em desenvolvimento, o que demonstra as disparidades globais.

Segundo João Renato Rebello Pinho, coordenador médico do Setor de Pesquisa e Desenvolvimento do Laboratório Clínico do Hospital Israelita Albert Einstein, é muito importante que seja feito o sequenciamento genético para o conhecimento de quais são as linhagens virais circulantes em diferentes tempos da infecção.

“Esses resultados permitem avaliar a presença de mutações que possam implicar em menor eficácia vacinal, por exemplo. Há esforços significativos para se buscar alterações nas vacinas aplicadas, como vemos no recente desenvolvimento das vacinas bivalentes incluindo as variantes ômicron)”, afirmou.

Pinho destacou, ainda, que o sequenciamento genético permite o monitoramento da resposta aos tratamentos com anticorpos monoclonais específicos, o que garante uma tomada de atitude mais dirigida contra a dispersão do vírus. “Com o sequenciamento de O,5% das linhagens é possível um bom monitoramento. Isto se aplica não só ao SARS-CoV-2 mas um esquema de sequenciamento organizado de várias infecções virais, como, por exemplo, os casos de sarampo ou de febre amarela recentemente causadores de surtos”.

Sequenciamento no Brasil

Assim, num cenário otimista, os pesquisadores chegaram à conclusão que se um país sequenciar 0,5% dos casos e informar em até 21 dias, haverá um bom monitoramento das variantes.

Isso significa que em cenários de alta incidência da doença (mais de 100 casos por 100 mil habitantes) numa cidade como Manaus, por exemplo, seria preciso sequenciar 11 genomas aleatórios por semana; já a cidade de São Paulo teria que sequenciar 62 genomas por semana. Como um todo, o Brasil teria de analisar pelo menos 1.063 amostras aleatórias semanais para alcançar os 0,5% de casos semanais sequenciados.

“Um país que sequencia rápido tem muito mais chance de detectar linhagens importantes antes que elas atinjam 100 casos. No entanto, são poucos os que conseguem fazer isso tão rápido”, diz o pesquisador.

Entre março de 2020 e fevereiro de 2021, primeiro ano da pandemia, o Brasil sequenciou apenas 0,03% dos casos reportados e demorou em média 131 dias para depositar as informações no banco internacional. A situação melhorou no ano seguinte, mas ainda abaixo do tempo ideal: entre março de 2021 e fevereiro de 2022, foram sequenciadas 0,62% dos casos, que foram reportados em 75 dias, em média. Se avaliarmos os últimos 180 dias (considerando a data final como 22 de novembro), o país sequenciou 0,56% dos casos e demorou 42 dias para informar ao banco ainda seria preciso reduzir esse tempo pela metade para estar numa situação razoável.

Segundo Pinho, há algumas iniciativas patrocinadas por instituições públicas e privadas no Brasil que buscam garantir o sequenciamento de amostras de SARS-CoV-2 no maior número possível de amostras, mas ela ainda estão em quantidade insuficiente.  

“Infelizmente, este trabalho não nos tem garantido a cobertura necessária. É preciso que se busque incentivos maiores à área de pesquisa e ao monitoramento viral pelo sequenciamento de nova geração”, sugeriu.

“Estamos no pico da onda da nova sublinhagem [a BQ.1, subvariante da ômicron], com aumento no número de casos. O Brasil evoluiu na capacidade de sequenciamento, mas ainda precisa melhorar para trazer respostas mais ágeis. Quanto mais rápida for feita a detecção e a informação de uma variante preocupante, maior a chance de auxiliar na tomada de medidas em nível internacional”, finalizou Brito.

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