Estudo identifica sentimentos em comum em bilhetes de idosos que cometeram suicídio


Os temas mais citados foram sentimentos de culpa e de serem um fardo para a família, sofrimento intenso por alguma doença mental, solidão ou isolamento

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Todos os dias, ao menos 38 pessoas tiram a própria vida no Brasil e esta estatística é cada vez maior entre a população mais velha, segundo dados do Ministério da Saúde. Em 10 anos (entre 2009 e 2019), o número de idosos entre 60 e 69 anos que se suicidaram cresceu 65% (saltou de 769 para 1.273 casos). Nos idosos com idades entre 70 e 79 anos o aumento foi de 80,8% e, entre os octogenários, o crescimento foi de 55%.

Esses dados acendem um alerta sobre a importância de saber identificar, abordar e encaminhar a pessoa com pensamentos suicidas para um tratamento adequado. O suicídio é um problema de saúde pública no mundo todo, mas ainda é tratado de forma silenciosa. Falar sobre o assunto muitas vezes é considerado um tabu.

Com o objetivo de tentar identificar as razões que levam uma pessoa mais velha a tirar a própria vida, um grupo de pesquisadores canadenses analisou bilhetes deixados por idosos que se suicidaram (com 65 anos ou mais) para avaliar as experiências subjetivas dessas pessoas nos momentos próximos à sua morte. Os autores identificaram temas em comum que podem servir como base para intervenções direcionadas para prevenção.

As cartas mostram os pensamentos e as emoções das pessoas em risco. Entre os assuntos citados nos bilhetes, estão o sentimento de culpa ou de serem um fardo para a família, desesperança, sofrimento intenso por alguma doença mental, solidão ou isolamento, além da saúde debilitada e da dificuldade de realizar tarefas que antes eram comuns. Termos relacionados à dor, problemas com o sono, pedidos de desculpas e incapacidade de continuar também foram recorrentes. Os resultados do estudo foram publicados no “The American Journal of  Geriatric Psychiatry”.

Segundo Leonardo Prestes, neurologista e psiquiatra especialista em psicogeriatria do Hospital Israelita Albert Einstein de Goiânia, os resultados têm uma enorme importância científica porque apontam palavras-chaves comuns deixadas nos bilhetes que servirão de alerta para familiares e profissionais da saúde que lidam com esse público. De acordo com Prestes, estima-se que 1 em cada 4 idosos têm algum quadro de síndrome depressiva.

“Um idoso que recorrentemente fala sobre esses temas precisa de ajuda, mesmo que não queira. Uma pessoa que deixa uma carta é alguém que está planejando o suicídio e quer explicar para a família quais foram as suas razões. É como se fosse uma espécie de testamento. O jovem que se suicida, em geral, não deixa bilhetes porque age mais por impulsividade”, afirma Prestes.

Sinais diferentes em jovens e idosos

Como a maioria dos casos de suicídio está associada a algum tipo de transtorno de saúde mental, é preciso saber identificar os sinais para o encaminhamento para tratamento adequado. Segundo Prestes, os sinais da depressão no idoso são diferentes dos sinais em um jovem.

“No idoso os sintomas da depressão são muito mais físicos do que de tristeza. Em geral, são mais queixas de cansaço do que de angústia e desânimo. O erro é que a crença é a de que um idoso cansado é ‘normal’, mas não é”, explica Prestes.

Por isso, ressalta o médico, é tão importante que a família saiba identificar esses sinais, para procurar ajuda especializada antes que um quadro depressivo importante se instale. “Os idosos precisam ressignificar o envelhecimento e isso é muito difícil. A busca pelo psiquiatra dificilmente é espontânea porque o próprio idoso tem dificuldade de aceitar que pode ter um problema de saúde mental”, alertou o psiquiatra.

No mundo todo, segundo a OMS, há quase um bilhão de pessoas (incluindo 14% dos adolescentes do mundo) vivendo com algum transtorno mental. O suicídio foi responsável por mais de uma em cada 100 mortes e 58% dos suicídios ocorreram antes dos 50 anos de idade. Esta é a quarta principal causa de morte entre os jovens entre 15 e 29 anos, ficando atrás apenas de acidentes de trânsito, tuberculose e violência interpessoal.

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