Aposentada do Ceará recebeu as chamadas células CAR-T, que são
transformadas geneticamente em laboratório para combater o tumor
Por Thais Szego, da Agência Einstein
Em setembro de 2017, a servidora pública aposentada Ana Cleire Marques Diógenes, de 61 anos, começou a sentir mal-estar e apresentar problemas de digestão. Ela sempre se sentia “empachada” e tudo o que comia pesava demais no estômago, mas não pensava que poderia ser algo mais sério. Cerca de um mês depois, enquanto estava trabalhando, ela sentiu uma dor forte na região lombar e teve febre.
“Fui ao pronto-socorro e fiquei tomando antibiótico, mas não melhorei. Então, fiz exames de imagem e foi quando tudo começou a se esclarecer. No ultrassom abdominal, os médicos viram um aumento no tamanho dos linfonodos na região, o que me levou a procurar especialistas. Foi então que veio o diagnóstico: linfoma não Hodgkin de grandes células B”, contou à Agência Einstein.
Para tratá-lo, ela fez sessões de quimioterapia e imunoterapia em Fortaleza, no Ceará, onde mora. “Foram seis meses bem difíceis, tive que me afastar completamente do trabalho e da vida social e enfrentei muitos efeitos colaterais que causaram muito mal-estar e imunidade baixa”. No entanto, esse período desafiador trouxe uma boa notícia: a doença havia desaparecido, e ela já podia voltar a ter uma vida normal.
Porém, em outubro de 2021, ela soube que havia tido a primeira recidiva, ou seja, o câncer havia retornado. Então, foi necessário fazer um transplante de medula autólogo, que utiliza as próprias células-tronco do paciente. Depois de um tempo debilitada, ela voltou a ter uma vida completamente normal e, como já estava aposentada, pôde ficar mais perto da família e acompanhar todos os detalhes do nascimento de sua primeira neta, Catarina.
Infelizmente, no final de 2022, ocorreu a segunda recidiva. Na época, sua médica a encaminhou para São Paulo para que participasse de um estudo realizado no Hospital Israelita Albert Einstein com as células CAR-T, chamado CARTHIAE. Essas células são formadas por linfócitos T, que são uma das principais células do sistema imunológico do paciente, e são geneticamente modificadas em laboratório para que sejam desenvolvidas especialmente para combater o tipo de tumor que a pessoa apresenta. “O procedimento foi indicado para o caso dessa paciente porque deve ser utilizado em pacientes refratários, ou seja, que não responderam bem a outros tratamentos, e ela já havia tido duas recidivas, o que inviabiliza qualquer outro tipo de processo”, explica Nelson Hamerschlak, coordenador do Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Einstein, que gerencia um dos poucos centros de tratamento credenciados no país para realizar essa terapia.
Projeto brasileiro
Apesar de ser uma grande esperança para os pacientes que não reagiram bem a outras formas de combate à doença, a imunoterapia com o uso das células CAR-T ainda não está disponível para todos que precisam devido ao seu alto custo. Isso ocorre porque é necessário coletar sangue da pessoa, uma vez que é nele que se encontram os linfócitos T, e manipulá-los para que sejam “ensinados” a combater a doença, um processo que, até recentemente, era realizado apenas em laboratórios no exterior.
Após a modificação, as células são enviadas de volta ao Brasil para que possam ser infusionadas no paciente e começar a atacar as células doentes, transformando o próprio organismo da pessoa em uma espécie de tratamento. No entanto, além do alto custo, que pode ultrapassar a quantia de R$ 2 milhões durante todo o processo, a terapia era bastante demorada, levando de 45 a 60 dias, o que poderia colocar a saúde do indivíduo em risco.
Por essas razões, o Einstein deu início a um projeto no qual pela primeira vez tudo é feito na própria instituição. “A paciente Ana Cleire foi a primeira voluntária a receber as células CAR-T e apresentou alguns efeitos colaterais esperados, como a chamada síndrome de liberação de citocinas (que pode causar aumento na inflamação do organismo) e colite (uma inflamação no intestino grosso), que foram devidamente tratadas”, explica Hamerschlak.
Além de causar menos desconforto, esse processo terapêutico ofereceu um ótimo resultado. “Atualmente, ela está em remissão completa do câncer, ou seja, não é possível detectar células cancerígenas no seu organismo”, diz o médico.
Hamerschlaktambém explica que a paciente precisará ser acompanhada pelos especialistas por um longo período, o que é mais do que esperado nesse tipo de doença. Ana Cleire, por sua vez, diz que tem motivos para comemorar. “Estou tomando algumas medicações prescritas pela equipe do Einstein, mas me sinto muito bem, voltando às atividades cotidianas”.