Jovem brasileiro integrou estudo que levou à aprovação de tratamento contra a epidermólise bolhosa nos EUA


Conheça a história de Theo Colker, de 14 anos, que tem a doença rara na pele e já participou de uma série pesquisas.
Uma delas levou a uma terapia gênica aprovada recentemente pela FDA, agência reguladora norte-americana.

 

Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

 

Há exatamente dez anos, o pequeno Theo Colker, na época com apenas 4 anos, viu a história de sua vida virar assunto nacional ao quase ser impedido de viajar num voo que sairia de Salvador com destino a Porto Alegre. O motivo? Theo tem epidermólise bolhosa distrófica recessiva (EBD), uma doença rara, genética e não contagiosa, que causa bolhas e ferimentos na pele. Naquele dia, comissários do voo pediram à família um atestado médico para que a criança pudesse seguir viagem sem colocar em risco os outros passageiros. Depois de muito constrangimento, da presença da Polícia Federal e de um médico atestando que a doença não era transmissível, o voo pôde sair.

A epidermólise bolhosa – doença até então desconhecida – passou a ser divulgada por todos os meios de comunicação e a doença de Theo acabou se tornando pública. A partir daí, o menino e a família se transformaram num símbolo da luta em busca de mais informações, mais conhecimento, mais oportunidades e possibilidades de tratamento para quem vive com a doença.

Theo já participou de alguns estudos científicos e outras alternativas não formais em busca de novos tratamentos para EB. O primeiro deles foi em 2013, um estudo ainda em fase experimental, quando Théo recebeu uma infusão de células-tronco mesenquimais (que são responsáveis por formar células adiposas, ósseas e cartilaginosas). A expectativa era que essas células renovassem os tecidos ainda na fase embrionária, mas o experimento não funcionou conforme o esperado.

Mesmo assim, a família não desistiu de continuar tentando. Logo em seguida, souberam de um creme composto por vaselina e óleo de fígado de bacalhau que era desenvolvido por um médico argentino e produzido em Miami, nos Estados Unidos. Eles foram atrás do produto, usaram por um bom tempo com resultados satisfatórios e aliviando os sintomas, até que o creme parou de fazer efeito.

Nesse meio tempo, Clara Colker, 39 anos, mãe de Theo, passou por procedimentos de reprodução assistida para engravidar de Alice (irmã que nasceu 100% compatível com Theo). Em 2017, a família viajou para Minneapolis, nos EUA, para realizar um transplante de medula óssea de Alice para Theo, em mais uma tentativa da ciência de trazer alívio e qualidade de vida para pacientes com EB. A expectativa era fazer com que as células saudáveis infundidas em Theo ajudassem o organismo do menino a produzir corretamente o colágeno tipo 7. Mais uma vez, os resultados não foram os esperados.

Na mesma época, a medicina já começava a pesquisar os possíveis benefícios da terapia gênica para epidermólise bolhosa por meio de uma técnica chamada CRISPR – em que a engenharia genética corrige em laboratório o defeito genético do paciente fazendo um tipo de “corte” na cadeia do DNA do paciente. O DNA “corrigido” é infundido de volta. A mãe de Theo até se interessou pela pesquisa, mas diz que era inviável o investimento financeiro.

 

Pesquisa para terapia gênica

As pesquisas prosseguiram e a família de Theo também continuou na luta em busca de mais alternativas para os pacientes com EBD. A novidade mais recente é a aprovação pelo FDA (agência norte-americana que regulamenta fármacos e alimentos) da primeira terapia gênica do mundo para tratamento da EBD. Trata-se de um medicamento de uso tópico, em forma de gel, que promete reduzir pela metade o tempo de cicatrização de uma ferida e mantê-la fechada por mais tempo – um grande salto na qualidade de vida.

O medicamento vai ser produzido pela KrystalBiotech, uma biofarmacêutica norte-americana que realizou um amplo estudo clínico nos Estados Unidos para garantir a segurança e a eficácia do produto. E Theo estava lá e se tornou um dos voluntários da pesquisa. Como residia em Nova Iorque na época que o estudo estava sendo conduzido, o jovem pôde se inscrever e participar. Durante oito semanas, a família se mudou de mala e cuia para Palo Alto, na Califórnia, para que ele pudesse participar da fase 2 da pesquisa clínica – fase em que é avaliada a segurança e a eficácia do medicamento.

“Era finalzinho de 2019, pouco antes do início da pandemia. Eu tinha acabado de dar à luz ao meu terceiro filho, Rafael. Ele estava com apenas um mês de vida. Assim que eu soube que havia esse estudo em andamento e que havia a possibilidade de o Theo participar, não pensei duas vezes. Fomos eu, meu marido, Theo, Alice e Rafael morar em um quarto de hotel na Califórnia. Como eu era mãe de um recém-nascido, lavava as roupas do bebê na pia do banheiro e estendia pelos móveis do quarto”, lembra Clara Colker.

Para participar da pesquisa, a mãe teve que escolher uma ferida mais problemática para ser tratada em comparação com outra ferida em uma área próxima. Ela relata que optou por selecionar as lesões abertas na barriga de Theo como alvo do estudo: uma delas recebia diariamente o gel da Krystal, enquanto a outra recebia um placebo (um gel qualquer, para fins de comparação). Algumas gotas do gel eram aplicadas sobre a superfície da ferida com uma espécie de seringa e o ferimento era coberto com um tipo de filme plástico – era esse curativo que pressionava o gel e permitia que ele se espalhasse.

Theo precisava ir ao hospital diariamente trocar os curativos, monitorar e fotografar as lesões para que a equipe pudesse avaliar a evolução da cicatrização. A pesquisa previa fazer a biópsia da pele para verificar se havia realmente depósito de colágeno na região tratada, mas a mãe conta que preferiu não fazer as biópsias e observar o resultado apenas clinicamente.

“A pele dele respondeu muito bem ao tratamento. Com o passar das semanas a gente via claramente a transformação daquele pedaço de pele que estava sendo tratado com o gel, em comparação com o ferimento que era tratado como placebo. É revolucionário”, disse Colker.

Ela ressalta, no entanto, que a proposta do medicamento não é curar a doença e, por isso, pode ser que aconteçam algumas frustrações com os resultados (os efeitos do gel não são permanentes e, à medida em que a pele se renova, novas feridas podem surgir porque o novo tecido não terá o colágeno). A própria ferida que Theo tratou com o gel voltou a abrir tempos depois.

“As pessoas com EB não têm nenhuma alternativa de tratamento, o que existe são cuidados com as feridas. As pessoas com EB morrem exatamente por causa dessas feridas que não cicatrizam e acabam causando infecções graves. A principal abordagem deste medicamento é ajudar a tratar e cicatrizar feridas crônicas. Imagine uma ferida que há 5, 7, anos não cicatriza e que agora você consegue fechar”, disse.

Theo não conseguiu participar da terceira fase da pesquisa porque estava no Brasil e a pandemia atrapalhou os planos de voltar a morar nos EUA. Ainda assim, a família continuou em contato com o laboratório e agora aguarda o início da venda do produto nos EUA para poder entrar com um pedido para que o plano de saúde ou o governo brasileiro forneçam o tratamento para o filho.

“Tudo o que uma mãe quer é que o seu filho fique bem. Famílias de crianças com doenças raras trabalham com os médicos em busca do melhor. Esse gel não é a cura para a EB, mas não é necessariamente a cura que a gente quer. O que a gente busca é dignidade e qualidade de vida para nossos filhos”, afirmou. “Só de existir um tratamento que é indolor, que não causa incômodo, que não traz nenhum efeito colateral, é revolucionário. É um grande passo”, finalizou a mãe de Theo.

 

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