No total, 23 mulheres foram submetidas à derivação gástrica em Y de Roux; esfingolipídios, lipídios presentes na membrana das células, podem ser essenciais para melhora do nível de gordura no sangue das pacientes
Pesquisadores do Hospital das Clínicas (HC) da Faculdade de Medicina da USP (FMUSP) demonstraram que o metabolismo do colesterol apresenta respostas diferentes à cirurgia bariátrica e metabólica do tipo derivação gástrica em Y de Roux. E identificaram que um tipo de gordura que compõe as membranas das células, os esfingolipídios, podem ser peças-chave para entender melhor as mudanças que acontecem no organismo após a cirurgia.
No total, 23 mulheres foram submetidas à derivação gástrica em Y de Roux, também conhecida como bypass ou cirurgia de capella. A técnica consiste em, primeiro, dividir o estômago e conectar a uma parte do intestino que também foi separada e, em seguida, conectar a parte do intestino ainda ligada ao segundo segmento do estômago, na outra parte do intestino, gerando um formato semelhante à letra Y.
A cirurgia, além de gerar perda de peso, tem resultados positivos no controle de doenças como a diabete, podendo levar até mesmo à remissão. No entanto, para o metabolismo dos lipídios – como são conhecidos os processos envolvidos na produção e decomposição das gorduras no organismo –, as alterações ainda são heterogêneas e pouco conhecidas.
“O divisor de águas foi justamente a gente ter observado que as pacientes apresentam respostas diferentes ao procedimento”, explica Gabriela Lemos, pesquisadora do Laboratório de Nutrição e Cirurgia Metabólica do Aparelho Digestivo – LIM/35, e autora do estudo. As pacientes foram acompanhadas desde o pré-operatório até três meses depois do procedimento; elas foram divididas em dois grupos com base na melhora do perfil lipídico, através de um modelo não supervisionado de separação de grupos.
Já sobre os esfingolipídios, os pesquisadores observaram que a cirurgia provoca alterações significativas, mas elas não são homogêneas em todas as pacientes. “Observamos também que a melhora no metabolismo do colesterol se correlaciona com alterações específicas em algumas espécies de esfingolipídios”, conta Dan Waitzberg, professor associado do Departamento de Gastroenterologia da FMUSP e orientador do trabalho. A ideia de estudar as alterações que ocorrem nos esfingolipídios com o metabolismo do colesterol após a cirurgia surgiu a partir de evidências na literatura que apontam para uma participação deles na regulação do colesterol e de achados anteriores entre pacientes submetidos à cirurgia bariátrica.
Cirurgia bariátrica e o metabolismo do colesterol
O diferencial do estudo é que, ao observarem as respostas metabólicas, os pesquisadores perceberam que a separação das pacientes com diferentes respostas poderia ser fundamental para entender os mecanismos que envolvem a melhora do quadro. De acordo com Waitzberg, até o momento, as pesquisas mostravam que “os pacientes [submetidos à derivação gástrica de Y de Roux] tendem a apresentar redução do colesterol total, mas observam-se alterações distintas nos subtipos do colesterol [LDL, HDL e VLDL]”.
Com a divisão em agrupamentos, os pesquisadores puderam identificar que, nas pacientes que apresentaram melhora significativa do perfil lipídico, a redução na expressão de alguns esfingolipídios pode fornecer uma base científica para compreender os mecanismos que fazem com que a cirurgia promova uma melhora no perfil do colesterol. E também para o desenvolvimento de novas terapias, mais específicas.
Alterações independentes da perda de peso
A pesquisa demonstrou que a heterogeneidade dos resultados no perfil lipídico das pacientes é independente de fatores como perda de peso, melhoria do metabolismo de glicose e remissão da diabete.
“[O estudo] acende a luz para mecanismos distintos na regulação do colesterol, e que não estão relacionados à perda de peso. Hoje, se o paciente tem dislipidemia [aumento no nível de gordura no sangue], a primeira recomendação é a mudança na alimentação, prática de atividade física, perda de peso. Mas a gente viu que tem pacientes que, mesmo com a mudança na alimentação e perda de peso, não vão melhorar”, afirma Gabriela.
Além de considerar a perda de peso e o metabolismo da glicose, os pesquisadores investigaram se as diferenças seriam afetadas por medicamentos, e também não encontraram associações à melhora no metabolismo do colesterol.
Entretanto, Gabriela Lemos destaca que “o número de pacientes é pequeno” e, por ser um fator limitante do estudo, pode ter gerado a falta de associação; por isso são necessárias mais investigações incluindo outras populações antes de generalizar os resultados. “Além disso, outros fatores não explorados, como a composição da microbiota intestinal e a expressão gênica nos grupos, também podem ter influenciado”, completa Waitzberg.
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