Dorme mal? Falta de sono afeta o risco de demência em pessoas com mais de 40 anos


Para adultos mais velhos, dormir muito ou pouco tem sido associado a problemas cognitivos

Dormir pouco a partir dos 40 anos está associado a um risco aumentado de Alzheimer. Mas, paradoxalmente, dormir demais também. Embora os cientistas estejam confiantes de que existe uma conexão entre sono e demência, a natureza dessa conexão é complicada.

Pode ser que o sono ruim desencadeie mudanças no cérebro que causam demência. Ou o sono das pessoas pode ser interrompido por causa de um problema de saúde subjacente que também afeta a saúde do cérebro. E mudanças nos padrões de sono podem ser um sinal precoce da própria demência.

Veja como os especialistas pensam sobre essas várias conexões e como avaliar seu risco com base em seus próprios hábitos de sono.

Dormir pouco

O sono age como um banho noturno para o cérebro, lavando os resíduos celulares que se acumulam durante o dia. Durante esse processo, o fluido que envolve as células cerebrais libera o lixo molecular e o transfere para a corrente sanguínea, onde é filtrado pelo fígado e rins e expelido do corpo.

Esse lixo inclui a proteína amiloide, que é associada a um papel fundamental na doença de Alzheimer. O cérebro de todos produz amiloide durante o dia, mas podem surgir problemas quando a proteína se acumula em aglomerados pegajosos, chamados placas. Quanto mais tempo alguém fica acordado, mais amiloide se acumula e menos tempo o cérebro tem para removê-lo.

Os cientistas não sabem se dormir pouco regularmente — normalmente considerado seis horas ou menos por noite — é o suficiente para desencadear o acúmulo de amiloide por si só. Mas pesquisas descobriram que entre adultos de 65 a 85 anos que já têm placas no cérebro, quanto menos dormiam, mais amiloide estava presente e pior era sua cognição.

— A falta de sono é suficiente para causar demência? Provavelmente não por si só. Mas parece ser definitivamente um fator de risco para aumentar o risco de demência, e talvez também a velocidade do declínio — explica Sudha Seshadri, diretora fundadora do Glenn Biggs Institute for Alzheimer’s and Neurodegenerative Diseases da Universidade do Texas em Santo Antônio, nos EUA.

Pessoas com doença de Alzheimer podem começar a desenvolver sintomas na faixa dos 60 ou 70 anos, mas o amiloide pode começar a se acumular até duas décadas antes. É por isso que é importante priorizar o sono, visando sete a nove horas por noite, começando na faixa dos 40 ou 50 anos, se não antes, de acordo Joe Winer, um bolsista de pós-doutorado em neurologia e ciências neurológicas no Centro de Ciências do Sono e Circadianas da Universidade de Stanford.

— Não temos uma boa resposta para a pergunta “Seu sono na casa dos 20 impacta seu risco na terceira idade?”. Mas os sinais apontam para o fato de que provavelmente na meia-idade, conforme você se aproxima dos 60 e 70 anos, seu sono será importante — aponta Winer.

Alguns distúrbios do sono, mais notavelmente a apneia do sono, também estão associados a um risco aumentado de demência. Isso pode ser porque a apneia do sono interrompe o sono das pessoas, ou porque tende a ocorrer em pessoas com sobrepeso ou diabetes, que também estão ligadas à demência.

Mas mesmo quando você remove o efeito desses outros problemas, a apneia do sono parece conferir seu próprio risco independente de demência, de acordo com Diego Carvalho, professor assistente de neurologia no Centro de Medicina do Sono da Clínica Mayo. Isso pode ser porque a apneia do sono limita a quantidade de oxigênio que chega ao cérebro, o que pode aumentar a inflamação cerebral e danificar os vasos sanguíneos e as células.

Dormir muito

No outro extremo do espectro, dormir demais também parece estar ligado a um risco maior de demência, embora talvez de forma mais indireta. Se uma pessoa fica regularmente na cama por mais de nove horas por noite ou tira vários cochilos durante o dia, pode ser um sinal de que ela está dormindo muito mal, o que pode aumentar o risco de doença de Alzheimer devido aos motivos listados acima.

Alternativamente, a necessidade de sono excessivo pode estar relacionada a uma deficiência mental ou física. Condições de saúde mental, como depressão, e condições de saúde física, como diabetes ou problemas cardiovasculares, estão associadas a um risco maior de demência, assim como inatividade física, solidão e isolamento.

— Neste ponto, não há um papel causal claro do sono longo em relação à demência. Pode ser mais um sintoma de um problema subjacente do que a causa do problema — analisa Carvalho.

Um sintoma precoce?

Algumas das primeiras áreas do cérebro afetadas pelo Alzheimer são aquelas que ajudam a regular o sono e os ritmos circadianos. Como resultado, pessoas que desenvolvem a condição podem ter problemas de sono antes mesmo de mostrarem sinais de perda de memória ou outros sintomas.

Junto com a amiloide, a outra proteína principal que se acredita causar a doença de Alzheimer é chamada tau. Assim como a amiloide, a tau também se acumula no cérebro, danificando células cerebrais.

— Um dos primeiros lugares em que o acúmulo de tau aparece são essas áreas do tronco cerebral importantes para regular o sono e a vigília. Então achamos que a tau aparecendo nessas áreas muito cedo vai atrapalhar os ciclos de sono-vigília das pessoas — sugere Winer.

Problemas de sono também podem ser um sinal precoce de outros tipos comuns de demência. Na demência por corpos de Lewy e na demência da doença de Parkinson, por exemplo, o sono de movimento rápido dos olhos às vezes é interrompido, fazendo com que as pessoas representem seus sonhos — algo que seu parceiro de cama pode notar, segundo Seshadri.

— Normalmente, quando você tem esse sono de movimento rápido dos olhos, é o momento em que o tônus ​​muscular do corpo cai quase a zero, e então os músculos não se movem. No transtorno de comportamento REM , essa supressão do tônus ​​muscular é perdida, e então os músculos realmente se movem do jeito que você está nos seus sonhos — explica a neurologista.

Especialistas dizem que é normal que adultos mais velhos durmam um pouco mais ou um pouco menos após a aposentadoria, ou acordem e vão para a cama um pouco mais cedo ou mais tarde do que costumavam. Mas se houve uma mudança drástica, considere consultar seu médico ou um especialista em sono.

— Se alguém está acordando às 2 ou 3 da manhã, ou dormindo por três horas durante o dia, isso é motivo de preocupação. Se alguém está acordando uma hora mais cedo do que costumava e tirando talvez um cochilo de 30 a 60 minutos durante o dia, é muito mais provável que seja apenas envelhecimento normal — conclui Seshadri.

JORNAL O GLOBO

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