Pessoas a partir dos 50 anos que usam smartphones têm menor risco de declínio cognitivo; entenda por quê


Ao contrário da crença popular, as tecnologias digitais podem promover comportamentos que preservam a cognição

À medida que a primeira geração que interagiu com a tecnologia digital atinge uma idade em que surgem os riscos de demência, os cientistas se perguntam: existe uma correlação entre o uso da tecnologia digital e um risco aumentado de demência? Com ​​as expressões “deterioração cerebral” e “fuga de cérebros” circulando nas redes sociais, parece que a maioria das pessoas presumiria que a resposta é sim.

No entanto, um novo estudo publicado na revista científica Nature Human Behavior revela o oposto: as tecnologias digitais estão, na verdade, associadas à redução do declínio cognitivo.

“Você pode ligar o noticiário em praticamente qualquer dia e verá pessoas falando sobre como as tecnologias estão nos prejudicando”, diz Michael K. Scullin, professor associado de psicologia e neurociência na Universidade Baylor. “As pessoas costumam usar os termos ‘fuga de cérebros’ e ‘deterioração cerebral’, e agora a demência digital é uma expressão emergente. Como pesquisadores, queríamos saber se isso era verdade”.

A hipótese da “demência digital” prevê que uma vida inteira de exposição à tecnologia digital piorará as habilidades cognitivas. Ao contrário, os resultados do estudo desafiam essa hipótese, indicando que o envolvimento com a tecnologia digital promove a resiliência cognitiva nesses adultos.

Analisando mais de 136 estudos com dados que abrangeram mais de 400 mil adultos e estudos longitudinais com uma média de seis anos de acompanhamento, neurocientistas da Universidade Baylor e da Escola Médica Dell da Universidade do Texas em Austin, ambas nos Estados Unidos, encontraram evidências convincentes de que o uso da tecnologia digital por pessoas com 50 anos ou mais está associado a melhores resultados no envelhecimento cognitivo, em vez de danos.

O estudo corroborou a hipótese da “reserva tecnológica”, descobrindo que as tecnologias digitais podem promover comportamentos que preservam a cognição. De fato, o estudo revelou que o uso da tecnologia digital está correlacionado a um risco 58% menor de comprometimento cognitivo. Esse padrão de proteção cognitiva persistiu quando os pesquisadores controlaram para status socioeconômico, educação, idade, gênero, capacidade cognitiva basal, apoio social, saúde geral e envolvimento com atividades mentais como a leitura, o que poderia ter explicado os resultados.

Aumento da capacidade de resolução de problemas

Os pesquisadores admitem que essas descobertas pode ser surpreendente para algumas pessoas, visto que o uso da tecnologia é frequentemente associado ao sedentarismo, tanto físico quanto mental. No entanto, para a geração atual de adultos com mais de 50 anos, que foram apresentados aos primeiros avanços tecnológicos — computadores, internet e smartphones — depois da infância, usar a tecnologia é cognitivamente desafiador, pois está em constante mudança.

“Uma das primeiras coisas que adultos de meia-idade e idosos diziam era: ‘Estou tão frustrado com este computador. É difícil de aprender’. Isso, na verdade, é um reflexo do desafio cognitivo, que pode ser benéfico para o cérebro, mesmo que não pareça ótimo no momento”, pontua Scullin.

A tecnologia exige adaptação constante, como entender novas atualizações de software, solucionar problemas de perda de internet ou filtrar anúncios de sites.

“Se você faz isso há anos e está realmente se envolvendo com isso, mesmo que sinta frustração, isso pode ser um sinal de que está exercitando seu cérebro”, ressalta.

Conexão social

A tecnologia também possibilita a comunicação e o engajamento como nunca antes, o que pode ampliar as oportunidades de conectividade. Videochamadas, e-mails e aplicativos de mensagens ajudam a manter as redes sociais, especialmente para pessoas que, de outra forma, não veriam seus familiares regularmente.

“Agora você pode se conectar com famílias de diferentes gerações”, diz Scullin. “Você não só pode falar com elas, como também vê-las. Você pode compartilhar fotos. Você pode trocar e-mails, e tudo isso em um segundo ou menos. Isso significa que há uma oportunidade maior de diminuir a solidão.”

Uma melhor conexão social é um correlato bem documentado do funcionamento cognitivo em idosos, por exemplo, estabelecendo uma ligação entre a redução do isolamento das tecnologias digitais e a redução dos riscos de demência.

Impacto do “andaime digital”

Um diagnóstico de demência é indicado, em parte, quando alterações cognitivas levam à perda de independência nas tarefas diárias. Ferramentas como lembretes digitais, navegação por GPS e serviços bancários online permitem que adultos permaneçam independentes à medida que envelhecem, por meio desse “andaime digital”.

De acordo com o novo estudo, esse “andaime digital facilita melhores resultados funcionais em idosos, enquanto o funcionamento cognitivo geral declina”. As tecnologias podem servir como um sistema de suporte compensatório para manter a independência geral e reduzir o risco de um diagnóstico de demência, mesmo com a presença de algum declínio cognitivo.

“À medida que a prática clínica continua a caminhar em direção a uma abordagem individualizada e de medicina de precisão, será necessário que a área identifique para quem e por quanto tempo esse “andaime digital” é eficaz”, disseram os pesquisadores.

Promovendo o uso saudável da tecnologia

Apesar dos resultados, os pesquisadores reconhecem os efeitos negativos da tecnologia, como a distração ao dirigir ou seu uso em detrimento da interação presencial consistente. Mas enfatizam como a promoção do uso saudável de ferramentas digitais é benéfica para a saúde cognitiva.

“Se você tem um pai ou avô que está apenas se mantendo longe da tecnologia, talvez seja melhor revisitar esse assunto. Será que eles poderiam aprender a usar aplicativos de fotos, mensagens ou calendário em um smartphone ou tablet? Comece de forma simples e seja muito paciente enquanto eles aprendem”, orienta Scullin.

O uso das mídias sociais é outro tópico bastante debatido em termos de efeitos cognitivos. Embora ele diga que é difícil prever os efeitos cognitivos de rolar a tela infinitamente no TikTok, Scullin argumenta que gerar vídeos por meio da cognição criativa pode ser benéfico. Além disso, ele acredita que interagir com comunidades online pode trazer benefícios ao formar conexões sociais.

“Poderíamos passar muito tempo falando sobre todas as maneiras específicas pelas quais o uso da tecnologia pode ser prejudicial. No entanto, o efeito líquido desde a década de 1990 tem sido positivo para a cognição geral em adultos mais velhos”, conclui.

JORNAL O GLOBO

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