Exceção é o uso para procedimentos reparadores com indicação médica, como a pigmentação da aréola mamária após cirurgias oncológicas

Nova diretriz do CFM veta o uso de anestesia em procedimentos de tatuagem no Brasil, com exceção de casos reparadores sob orientação médica. (foto: freepik)
O Conselho Federal de Medicina (CFM) proibiu o uso de anestesia para a realização de tatuagens no Brasil. A resolução que determina o veto foi publicada no Diário Oficial da União (DOU) nesta segunda-feira e já está em vigor.
De acordo com a norma, médicos estão proibidos de realizar sedação, anestesia geral ou bloqueios anestésicos periféricos para procedimentos de tatuagem, independentemente da extensão ou da localização no corpo. A exceção é o uso para procedimentos reparadores com indicação médica, como a pigmentação da aréola mamária após cirurgias oncológicas.
Em nota, o presidente do Conselho, José Hiran Gallo, diz que a medida “reafirma o compromisso da autarquia com a ética médica, a segurança do paciente e o respeito aos limites legais da atuação profissional”.
O relator da resolução, conselheiro federal Diogo Sampaio, cita que o uso de agentes anestésicos para evitar a dor durante tatuagens extensas ou em áreas sensíveis tem crescido. Porém, afirma que a prática, especialmente em casos envolvendo sedação profunda, “configura um cenário preocupante, pois não existe evidência clara de segurança dos pacientes e à saúde pública”.
“A execução de qualquer ato anestésico envolve riscos intrínsecos ao paciente. Por isso, a avaliação criteriosa da relação risco-benefício é um pilar fundamental da prática médica segura. A aplicação de anestesia para viabilizar a execução de tatuagens, quando não têm finalidade terapêutica médica, colide frontalmente com este preceito”, afirma em nota.
O CFM lembra ainda que as regras no Brasil estabelecem condições mínimas para a prática da anestesia, como a realização em estabelecimentos assistenciais de saúde e infraestrutura adequada para atendimento imediato em caso de intercorrências, o que não é a realidade dos estúdios de tatuagem.
A nova resolução estabelece que, nos casos excepcionais em que a tatuagem possui caráter reparador, a participação do anestesiologista deve seguir critérios rigorosos. O procedimento deve ocorrer em ambiente de saúde com infraestrutura adequada, incluindo avaliação pré-anestésica, monitoramento contínuo, equipamentos de suporte à vida e equipe treinada para intercorrências.
Riscos das tatuagens
Segundo o CFM, há riscos ainda devido à possibilidade de realizar tatuagens extensas que não seriam toleradas sem o suporte dos anestésicos, o que “eleva demasiadamente o risco de absorção sistêmica dos pigmentos, metais pesados (cádmio, níquel, chumbo e cromo) e outros componentes das tintas”, diz Sampaio.
De acordo com o conselheiro, essas substâncias têm efeitos tóxicos cumulativos que podem ser prejudiciais e ainda não estão completamente elucidados, como retenção da tinta nos linfonodos, toxicidade crônica, reações inflamatórias persistentes, granulomas, alergias retardadas e possível risco carcinogênico.
No ano passado, pesquisadores da Universidade Lund, na Suécia, publicaram no periódico eClinicalMedicine um primeiro estudo sobre tatuagens e linfomas (câncer no sistema linfático) em que analisaram cerca de 1,4 mil casos da doença diagnosticados entre 2007 e 2017 e os compararam com 4,2 mil indivíduos saudáveis.
“Descobrimos que o risco de desenvolver linfoma era 21% maior entre as pessoas tatuadas. Os resultados agora precisam ser verificados e investigados em outros estudos”, disse Christel Nielsen, pesquisadora da universidade que liderou o estudo, em comunicado.
Outro estudo publicado início de março, conduzido por pesquisadores da Universidade do Sul da Dinamarca (SDU) e da Universidade de Helsinki, na Finlândia, analisou informações de cerca de três mil irmãos gêmeos dinamarqueses e indicou também uma maior chance dos diagnósticos oncológicos entre os que tinham tatuagem. Para o linfoma, o risco chegou a ser três vezes maior.
Os trabalhos são observacionais: analisaram os dois desfechos (tatuagem e câncer) de forma retrospectiva e buscaram uma relação entre eles. Embora possam traçar associações importantes, estudos do tipo não conseguem estabelecer que é necessariamente uma questão de causa e consequência. Porém indicam uma possibilidade que deverá ser elucidada com novos estudos.
— Os trabalhos trazem novos questionamentos. Procuramos muito hoje quais são os fatores de risco para o câncer, que é a doença do momento. Mas são evidências que representam um início para começarmos essa discussão, que precisa ser aprofundada em outros trabalhos maiores. Para qualquer recomendação ao público geral, precisamos esperar por estudos mais aprofundados — explicou Arthur Braga, médico hematologista do A.C.Camargo Câncer Center, em São Paulo