A catalã Maria Branyas viveu até os 117 anos e pediu que fosse estudada pela ciência; agora, pesquisadores revelam o que encontraram em seu código genético
Por Bruno Pereira, da Agência Einstein

Maria Branyas, a esquerda, com Manel Esteller, que participou dos estudos sobre o DNA da supercentenária. Credito: Divulgação/Josep Carreras Leukaemia Research Institute
A catalã Maria Branyas, que morreu em 2024 aos 117 anos, foi a pessoa mais idosa do mundo já registrada. Um de seus últimos pedidos à equipe médica que a acompanhava foi para que a estudassem. E assim o fizeram. A chamada “superlongevidade” dela despertou o interesse de pesquisadores para entender se em seu DNA havia detalhes biológicos que pudessem ajudar a desvendar os mecanismos do envelhecimento humano.
Os achados foram publicados na revista Cell Reports Medicine em setembro. “Em nosso estudo, descobrimos que a supercentenária apresentava uma idade biológica geral que era até 20 anos mais jovem do que sua idade cronológica”, conta à Agência Einstein Eloy Santos, do Instituto de Pesquisa contra a Leucemia Josep Carreras e líder do estudo que analisou o DNA de Branyas.
Outro ponto que chamou atenção dos pesquisadores foi a microbiota intestinal da senhora, que era rica em bifidobactérias. Segundo Eloy Santos, esses microrganismos mantêm baixos níveis de inflamação e previnem o crescimento de populações bacterianas nocivas no intestino. Os autores suspeitam que esse benefício pode estar ligado ao hábito de Maria Branyas de comer iogurte, alimento fermentado conhecido por beneficiar o intestino.
Durante sua vida, a catalã foi dona de casa, enfermeira e costureira. Ela nasceu em 1907 e viveu sozinha até os 94 anos, quando passou a ter dificuldade para caminhar e foi para uma casa de repouso. Até os 112 anos, ela ainda tocava piano com perfeição. Maria Branyas teve três filhos, sendo que duas filhas estão vivas, uma com 92 e outra com 94 anos. A longevidade da família era mais um indício para os pesquisadores de que a idosa havia tirado a sorte grande na loteria da genética — e parte disso pode ser sido visto em seu DNA.
Ao analisar as células em laboratório, a equipe viu que no genoma de Maria havia tanto sinais de envelhecimento extremo (como o mau estado dos telômeros, espécie de capa protetora dos cromossomos) quanto indícios de saúde de uma pessoa muito mais jovem (como um sistema imune ativo e eficiente).
Para Eloy Santos, o DNA de Maria combinou variantes genéticas benéficas únicas da população europeia, dando a ela proteção contra doenças associadas ao envelhecimento, como as neurodegenerativas, cardiovasculares, metabólicas ou autoimunes.
Como se mede a idade biológica?
A idade biológica é estimada em nível molecular, comparando o desgaste esperado das células de acordo com tabelas de referências. Quando a idade biológica é menor que a cronológica, é sinal de que o corpo teve um envelhecimento reduzido. A geriatra Daniela Lima de Souza Galati, do Einstein Hospital Israelita, explica que o envelhecimento mais lento pode ser resultado de dois fatores: o DNA do indivíduo e o estilo de vida que ele leva.
“Não existe um único gene que nos leve a envelhecer ou que desacelere o processo, há um conjunto de processos do DNA que são impactados e, como resultado, uma pessoa pode ter maior ou menor propensão a uma vida mais longeva. Mas os genes sozinhos não fazem o trabalho. A gente depende da epigenética, que é o quanto esse gene vai se expressar a depender do nosso estilo de vida”, explica Galati.
Vários fatores influenciam a ativação de genes do envelhecimento, desde a baixa qualidade da dieta até o tabagismo. Por outro lado, manter um estilo de vida saudável não só evita o aparecimento de riscos como também pode facilitar a expressão de genes bons. “Como geriatra, meu principal conselho é para que as pessoas busquem viver e envelhecer bem. É claro que ninguém terá uma alimentação controlada todo o tempo ou vai viver sem estresse, mas buscar o equilíbrio, focando em ter mais anos úteis de vida no futuro, é fundamental”, orienta a médica.
Limites e possibilidades da descoberta
A geriatria tem trabalhado cada vez mais com a ideia de um tempo de vida saudável (healthspan) como referência, em vez do tempo de vida total (lifespan). A ideia é conscientizar as pessoas, desde jovens, a praticarem atividades físicas e reduzir a exposição do corpo a toxinas, como as do álcool, para poder aproveitar a vida com mais tempo e saúde. “Não foi o caso da paciente, mas se ela tivesse vivido 117 anos sendo que, desses, mais de 20 fossem acamada e com demências, não estaríamos tão entusiasmados em entender seu envelhecimento como estamos agora”, observa a médica do Einstein.
Vale ressaltar, porém, que o estudo de caso de Maria Branyas não vale para a população em geral — até porque se baseia na saúde de uma pessoa só. Ainda assim, para Eloy Santos, os achados levantam hipóteses sobre novos biomarcadores do envelhecimento, mas que devem ser validados em populações maiores. “Temos a esperança de um dia poderemos usar o que aprendemos neste estudo para prever a proteção de uma pessoa contra uma doença ou sua predisposição à longevidade prolongada, mas isso vai depender de um estudo prolongado de cada genoma identificado”, comenta.