Setembro Amarelo: Em meio a pandemia, a campanha de prevenção ao suicídio se tornou ainda mais importante


Estamos no ‘Setembro Amarelo’ e nunca na história este tema foi tão relevante como no momento de pandemia que vivemos. A campanha iniciada em 2015 no Brasil escolheu o mês de setembro para que possamos nos conscientizar e ajudar contribuindo com a prevenção, assim é possível evitar que a depressão leve ao suicídio.

 

“É fundamental conversamos sobre prevenção ao suicídio, mas isso deve ser feito de forma cuidadosa e responsável. Informação, de fontes seguras e feitas de forma responsável, diminui estigma, aumenta o autocuidado e melhora a qualidade de vida”, comenta a psiquiatra Ranna  A. P. Brito, médica psiquiatra e preceptora da Residência em Psiquiatria do Hospital Universitário Onofre Lopes.

Nessa entrevista, Dra. Ranna traz dicas sobre causas, sinais de alerta e prevenção do suicídio, destacando também os reflexos da pandemia nas estatísticas.

Dra. Ranna Brito, psiquiatra (foto: cedida)

Quais são as principais causas de suicídio?

O suicídio se apresenta hoje como um grave problema de saúde pública. Mais de 800 mil pessoas, segundo dados da OMS, tiram a própria vida todo ano; e o número de tentativas chega a ser 30 a 40 vezes maior que o número de mortes por suicídio. 

O suicídio nunca tem apenas uma causa. Ele surge de uma junção de vários fatores: saúde física, saúde mental, problemas no trabalho ou na família, situação financeira, etc. Esses pensamentos podem atingir qualquer um. Reconhecer os sinais de alerta pode ser o primeiro passo para buscar ajuda e prevenir comportamentos suicidas.

 É possível determinar o perfil de quem tem tendência a cometer suicídio? Toda pessoa que comete suicídio tem, necessariamente, um transtorno mental ?

Um dos falsos mitos sobre suicídio é que a pessoa que tem intenção de se matar não avisa. Entretanto, sabemos que isso não é verdade e que devemos considerar seriamente todos os sinais que podem indicar que a pessoa está pensando em suicídio. Conversar abertamente com a pessoa sobre os pensamentos suicidas não  influenciará suas intenções. Ao falar sobre o assunto, você poderá descobrir como ajudá-la a suportar os sentimentos, muitas vezes angustiantes, que ela está experimentando e incentivá-la a procurar apoio profissional.

Existe uma forte associação entre tentativa de suicídio e doenças psiquiátricas, embora o suicídio possa ocorrer na ausência de doença mental. Mais de 90% dos indivíduos que tentam suicídio e 95% daqueles que o cometem têm um diagnóstico psiquiátrico e poderiam ter sido tratados. A presença de uma doença mental grave aumenta o risco de suicídio em até 15 vezes, em comparação com a população que não tem diagnóstico psiquiátrico, mas é importante destacar que mesmo quadros mais leves aumentam o risco. 

Os quadros psiquiátricos que levam ao suicídio têm tratamento bem estabelecido, que pode levar à melhora de sintomas. O diagnóstico precoce, o tratamento adequado e as medidas de proteção podem prevenir comportamentos suicidas. 

Dados da OMS mostram que os casos de suicídio são mais comuns entre idosos e tem crescido muito em jovens. O que acontece nessas idades que levam as pessoas a tirarem a própria vida?

Os extremos de idade são um fator de risco para tentativas e suicídio. 

No Brasil, assim como nos demais países, as maiores taxas de suicídio estão entre os idosos acima de 70 anos. A população idosa tem menos tentativas, comparados à população geral, porém tem mais suicídios consumados. Cerca de 91% dos idosos que cometem suicídio têm uma doença psiquiátrica (principalmente depressão), e 88%, uma doença física. A presença de doenças físicas, doenças psiquiátricas e dores crônicas prejudica a qualidade de vida dessa população. Muitos passam a depender de cuidadores para tarefas do dia a dia; um apoio que, muitas vezes, não tem. Muitos se sentem um peso. 

Também na população jovem, o suicídio é um problema de grande significância. Estima-se que seja a segunda principal causa de morte entre os jovens. Durante a puberdade (que se inicia entre os 12 e 14 anos), por ser uma etapa de transição, a criança passa por uma série de mudanças internas e externas, que provocam um impacto emocional e, muitas vezes, mudança de comportamento. Algumas características da puberdade, como impulsividade e alterações emocionais, apresentam grande relação com o suicídio nessa faixa etária. A impulsividade é marcada por uma ação de pouca ou nenhuma reflexão e é uma característica que se acentua na adolescência. Por isso, é motivo de preocupação e está intimamente relacionada ao risco de suicídio.

É possível evitar que alguém próximo de nós se mate? Como os familiares podem ajudar?

É possível prevenir o suicídio. Muitos que cometem não querem morrer, querem diminuir a dor psíquica intensa que estão sentindo. Algumas recomendações que podem ajudar familiares e amigos a evitar que a pessoa inclinada a cometer suicídio venha a realizá-lo:

-Encontre um momento apropriado e um lugar calmo para falar sobre suicídio com a pessoa. Deixe-a saber que você está lá para ouvir, ouça-a com empatia e ofereça apoio; 

-Incentive a pessoa a procurar ajuda de profissionais. Ofereça-se para acompanhá-la;

-Se você acha que essa pessoa está em risco imediato, não a deixe sozinha. Procure ajuda de profissionais e entre em contato com alguém de confiança, indicado pela pessoa, para dividir esses cuidados; forme uma rede de apoio para ajudar nesse cuidado;

-Assegure-se que a pessoa não tenha acesso a meios para provocar a própria morte;

-Fique em contato para acompanhar como a pessoa está passando e o que está fazendo.

A campanha setembro amarelo tem focado na conversa como forma de evitar o suicídio. O que conversar?

É fundamental conversamos sobre prevenção ao suicídio, mas isso deve ser feito de forma cuidadosa e responsável. Informação, de fontes seguras e feitas de forma responsável, diminui estigma, aumenta o autocuidado e melhora a qualidade de vida. Pessoas que têm como função a comunicação e a divulgação de informações, como os jornalistas, precisam ter senso de responsabilidade e consciência em relação às possíveis consequências da divulgação de notícias. No caso específico do suicídio, deve-se ter um cuidado extra para evitar que essa ação seja estimulada de forma involuntária, pela simples divulgação dos fatos (como divulgação de meios usados), como no caso de suicídio por imitação. Quem nos escuta pode estar fragilizado e vê na divulgação mal feita sobre o tema uma saída para sua dor. Falar em prevenção ao suicídio é falar em vida, em formas de se cuidar: estimular atividade física regular, qualidade do sono, boa alimentação, momentos de descanso e lazer, ou seja, autocuidado; além de informar sobre sinais de alerta para prevenir e aumentar o acesso ao tratamento médico.

Quais os reflexos que essa pandemia trouxe para as  estatísticas de suicídios ?  

A pandemia do novo Coronavírus trouxe mudanças súbitas na rotina mundial. Observou-se que os danos causados iam além do quadro infeccioso ameaçador à vida. Ocorria em conjunto a um “ataque” à saúde mental, envolvendo medo de contaminação, distanciamento social, impactos financeiros, estigmas, entre outros. Todo esse contexto é um agravador e desencadeador de quadro psiquiátrico ou piora de quadro psiquiátrico já existente. Com isso, como foi comentado até agora, presença de transtorno mental não adequadamente tratado é um dos principais fatores de risco para uma tentativa de suicídio. Por isso, a importância de estimularmos ainda mais a necessidade do nosso autocuidado e conversarmos sobre saúde mental e prevenção ao suicídio. Diminuir estigmas com educação aumenta a possibilidade de quem está adoecido procurar ajuda e assim podemos prevenir mortes causadas por suicídio. Recado final: se toda essa mudança atual está dificultando seu dia a dia, você não está conseguindo realizar suas atividades, procure ajuda. Não é que você esteja fraco, você pode está adoecido mentalmente e isso tem tratamento.

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