Em estágios iniciais da COVID-19, febre pode ser grande aliada contra a doença, afirma estudo


Agência FAPESP – Em artigo publicado no Journal of the Royal Society of Medicine, o professor Alexandre Steiner, do Departamento de Imunologia do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), propõe que os médicos repensem a administração de antitérmicos nos estágios iniciais da COVID-19.

De acordo com o pesquisador, a febre tem um importante papel não só no combate de infecções como no desenvolvimento da memória imunológica, que é criada após o primeiro contato com um agente infeccioso.

 

Professor do Instituto de Ciências Biomédicas da USP publica artigo sobre os possíveis benefícios da febre para pacientes em estágio inicial de infecção pelo coronavírus. Além de ser importante no combate a patógenos, a febre auxilia no desenvolvimento de memória imunológica (foto: Gundula Vogel/Pixabay)

O conhecimento sobre os benefícios da febre não é novo. “Muitas pesquisas indicam que o aumento da temperatura ajuda o sistema imune a combater patógenos. Diversas funções imunológicas se tornam mais eficazes e a atividade antiviral é uma delas”, diz Steiner. O cientista cita como exemplo um dos primeiros estudos feitos sobre o tema, na década de 1970, no qual pesquisadores infectaram dois grupos de lagartos com uma bactéria e os dividiram em dois ambientes com temperaturas diferentes. No ambiente mais quente, mais animais sobreviveram.

Alguns estudos com pacientes também mostram que o uso de antitérmicos no início de uma infecção pode ajudar a prolongá-la e aumentar o risco de complicações. “Dois ensaios clínicos randomizados, duplo-cegos e controlados por placebo em voluntários infectados com rinovírus, mostraram que o uso de aspirina, paracetamol ou ibuprofeno está associado ao aumento ou prolongamento da eliminação viral. Em um desses ensaios, aspirina e paracetamol demonstraram suprimir a resposta de anticorpos neutralizantes e, paradoxalmente, piorar os sintomas nasais”, afirma o professor no artigo.

A memória imunológica ou imunidade adquirida é outro processo que pode ser influenciado positivamente pela febre. Para criar essa memória, as células dendríticas do sistema imune apresentam os antígenos, o que está atacando o organismo, aos linfócitos, células que “guardam” a resposta imune. Segundo Steiner, com a temperatura mais alta, essa apresentação acontece de forma muito mais eficaz. Assim, o uso indiscriminado de antitérmicos no início da infecção poderia afetar o desenvolvimento de uma imunidade de rebanho contra o SARS-CoV-2. “A imunidade de rebanho depende do desenvolvimento de imunidade adquirida específica contra o vírus. Então, não se trata apenas de uma questão de tratamento individual, mas de saúde pública.”

O pesquisador ressalta que, embora a febre tenha um custo metabólico, os seus benefícios excedem os custos na fase inicial de uma infecção, pois o organismo ainda não está debilitado pelo combate ao patógeno. “Com base em todas essas evidências, a proposta é não interferir na febre nos primeiros dias de infecção e dar uma chance maior para o organismo combater a doença por conta própria, reduzindo assim as chances de desenvolver um quadro grave”, acrescenta.

Steiner tem o apoio da FAPESP em estudo sobre as causas e consequências da hipotermia na sepse.

 

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