Entenda como a Psicologia Positiva, que aposta em uma visão mais apreciativa da capacidade humana – e de uma tendência comportamental surgida na Holanda -, ajuda a perceber as pequenas alegrias. E combater a tristeza
Estabelecido em 2012 pela Organização das Nações Unidas, o Dia Internacional da Felicidade é comemorado em todo o mundo neste dia 20 de março. Nove anos depois, e em meio à pandemia da Covid-19 , a celebração deste sábado será a mais triste da história, em especial no Brasil, que viu o número de novos casos e óbitos causados pelo coronavírus atingir novos recordes nos últimos dias , transformando o país no novo epicentro da doença no planeta.
O Brasil ficou em 36° lugar no último Relatório Mundial da Felicidade (World Happiness Report), que é divulgado anualmente pela ONU e leva em conta pontos como PIB, liberdades individuais dos cidadãos, qualidade da assistência social oferecida e até níveis de corrupção em cada uma das nações.
Diante de tal cenário, que tende a seguir negativo por tempo indeterminado, surgem as questões: como celebrar um dia que deveria ser de alegria em um momento de tantas tristezas? Como encontrar momentos de felicidade tendo que enfrentar uma rotina de notícias negativas e temor pelo que está por vir?
As respostas pode estar em um processo de autoconhecimento e de pequenas ações diárias.
“Não há receita universal”
“Estamos em um momento delicado de pandemia e precisamos reconhecer isso. Reconhecer as sensações que essa situação causa, seja frustração, medo, insegurança, é o primeiro passo. Felicidade não significa ignorar as frustrações e, sim, analisar quais ações podemos ter que nos permitam solucionar a questão. No estudo da Psicologia Positiva, a busca da felicidade está relacionada a entender os aspectos positivos do ser humano e trabalhar neles para tornar a vida mais gratificante e promover a saúde e bem estar”, afirma Flora Victoria, mestre em Psicologia Positiva Aplicada, pela Universidade da Pensilvânia (EUA), em conversa com o iG.
Para entender melhor, é preciso conhecer o conceito da Psicologia Positiva , que explica que a felicidade não é a ausência de problema, mas sim um estado de espírito que independe de situação e lugar. A busca por ela está relacionada com o grau de entendimento que temos dos aspectos positivos do ser humano e de como trabalhamos estes pontos para tornar a vida mais gratificante.
Segundo Flora, é importante reconhecer o problema – no caso, a pandemia e os aspectos negativos que ela carrega – para poder lidar com ele de uma forma equilibrada: “não significa que precisamos ser sempre apáticos às frustrações e, sim, analisar quais ações podemos ter que nos permitam solucionar a questão. É importante praticar a gratidão, mesmo pelas coisas mais simples. Uma boa ideia é fazer um diário de gratidão por tudo o que temos em nossa vida. Isso nos ajuda a identificar coisas simples que fazem nosso dia melhor”.
“É possível tirar aprendizados nos tempos atuais, ser resiliente e encontrar as lições que precisam ser tiradas desta situação”, complementa a especialista. “Essa é uma forma de se reconhecer feliz em meio à tanta tristeza . Pensar em sua própria felicidade não é ser egoísta. Atitudes realmente egoístas são aquelas que se sobrepõem ao bem comum e fazem mal ao próximo”.
Mas como mensurar algo tão subjetivo como a felicidade? A Psicologia Positiva dá dicas
- Emoção positiva : a forma como lidamos com as nossas emoções é fundamental para uma maior sensação de felicidade. Para isso, precisamos direcionar o modo como nos sentimos sobre o passado, o futuro e como vivenciamos o presente. Trocar as emoções ruins por positivas é uma boa. Por exemplo, em vez de sentir rancor por algo que aconteceu no passado, procurar encontrar o aprendizado.
- Engajamento : Você produz mais quando usa seus pontos fortes ou os pontos fracos? Sempre nos saímos melhor quando usamos nossas forças pessoais, e nos sentimos valorizados e satisfeitos, o que, em consequência, nos dá mais felicidade. Trabalhar e focar em atividades que permitam aplicar e exercer os pontos fortes é a chave.
- Relações positivas : há evidências de que, grosso modo, somos a média das cinco pessoas que convivem conosco. Isso quer dizer que o contato social mais próximo influencia diretamente o bem estar diário. Importante, portanto, atentar para este convívio e refletir se ele reflete os próprios valores.
- Resiliência : a resiliência é a capacidade de se recuperar e superar adversidades. Mas como é possível em acontecimentos ruins? Exercitá-la todos os dias é um bom começo, mesmo que nem sempre o objetivo seja alcançado. O importante aqui é persistir na mudança de paradigma.
- Otimismo : ao contrário do que muitos pensam, o otimismo é uma característica não é um traço inerente e pode ser aprendido. Ser otimista não é ver o mundo com um filtro colorido e sim extrair das adversidades aprendizados que possam ser levados para a vida como ensinamento.
Uma “ajudinha” dos holandeses
Além da Psicologia Positiva , existem outras tendências comportamentais que também auxiliam na busca pela felicidade, seja ela qual for. Assim como já fizeram o hygge, surgido na Dinamarca como um estilo de vida que valoriza os prazeres simples como estar confortável e alegre em casa, e o lagom, conceito sueco que preza pela busca do equilíbrio e da moderação para uma vida suficiente, em que não se tem nem a mais do que necessário e nem menos, surge agora o holandês niksen .
Apesar de não ter uma tradução literal para o português, o niksen é facilmente explicável: consiste em desacelerar a vida e ” fazer nada” . Em um momento no qual enfrentamos uma pandemia, e que carrega consigo a piora de outras doenças como a ansiedade e a depressão por conta do novo estilo de vida imposto pelo distanciamento social, essa prática de reservar um momento, seja no horário de trabalho ou em algum tempo livre, para simplesmente parar e não fazer literalmente nada pode ser extremamente benéfica para a saúde do corpo e da mente.
“A real motivação é que não existe uma motivação. Sinto que atualmente vivemos como se tivéssemos que ter algum tipo de filosofia por trás de tudo o que fazemos. Não comemos mais uma comida porque é gostosa, mas sim por seu valor nutricional. Não nos movimentamos porque é legal, mas sim porque esse exercício nos fará perder peso e irá esculpir nossos músculos. Então, acho que deveríamos voltar a fazer coisas porque elas são agradáveis ou apenas porque queremos fazê-las. Ou apenas porque sim, sem qualquer motivo ou explicação. E essa é a essência do niksen”, afirma a escritora polonesa Olga Mecking, autora do livro ‘ Niksen : Abraçando a arte holandesa de não fazer nada’.
Em entrevista exclusiva ao iG, Mecking explicou que existem duas possibilidades para a inclusão do niksen na rotina : de forma planejada, como é feito com outros tipos de tarefas e compromissos ao longo do dia, e a não planejada, que consiste em utilizar os momentos vagos, como durante a espera por algo ou alguém em determinado lugar, para implementar esse “não fazer nada”.
“Podemos ‘fazer nada’ enquanto estamos nos movimentando. Minha preocupação é mais com o fato de que supostamente devemos sempre estar fazendo alguma coisa , seja para conseguir dinheiro, dentro de nossas casas ou em nós mesmos. Em situações assim, o niksen pode ser muito difícil. Porém, ele também é importante porque nos mostra que não precisamos realmente estar fazendo alguma coisa a cada segundo de nossas vidas. Talvez seja ok não fazer nada”, afirma.
Assim como a felicidade , que acontece de maneiras diferentes para pessoas diferentes, o niksen também se aplica de forma mais fácil para uns, enquanto outros acabam tendo mais dificuldade em apenas parar por alguns instantes. Olga cita as diferenças de personalidade entre cada indivíduo e como isso é importante para o real entendimento dessa tendência comportamental.
“O niksen pode ser confundido com ociosidade ou preguiça por conta da conotação negativa dessas palavras. Porém, se o fato de ser ocioso ou preguiçoso ajuda no entendimento, então não há problema nessa análise. Acho que isso pode se transformar em algo perigoso, mas também acredito que caminhamos para o extremo oposto, com a constante preocupação com tarefas, e isso não é saudável. O ideal é começar aos poucos, com pequenos passos, ou tentar o que eu chamo de ‘abordagem niksen’. Se você faz algo porque é divertido ou te faz feliz, isso também é niksen , mesmo que você esteja fazendo alguma coisa”, finaliza.