Especialistas explicam como as lesões contribuem para o agravamento da doença responsável pela morte do ator
O ator, humorista e diretor Paulo Gustavo morreu nesta terça-feira (4) em decorrência de complicações da Covid-19. Ele tinha 42 anos e deixa dois filhos de um ano de idade, Romeu e Gael, e o marido, o médico Thales Bretas, com quem se casou em dezembro de 2015.
O humorista foi intubado no dia 21 de março, devido a dificuldades respiratórias causadas pelo novo coronavírus. Ele havia sido internado em 13 de março em um hospital privado em Copacabana, no Rio de Janeiro.
Após alguns dias de evolução favorável, Paulo Gustavo voltou a piorar no início de abril, necessitando de um tratamento conhecido como Oxigenação por Membrana Extracorpórea (ECMO, na sigla em inglês), que buscava auxiliar a função pulmonar. Mas, no fim de abril, houve nova piora: o ator apresentou um quadro de pneumonia bacteriana.
Na última segunda-feira (3), o ator apresentou complicações graves que incluíam o desenvolvimento de embolia gasosa disseminada, afetando o sistema nervoso central, em decorrência de uma fístula bronquíolo-venosa, de acordo com o boletim médico divulgado.
As fístulas são lesões causadas por fatores como traumas, cirurgias e complicações de doenças inflamatórias que podem ocorrer em diversas partes do corpo. Em pacientes com a Covid-19, as fístulas têm atingido as traqueias, a pleura e os brônquios, provocando outros quadros clínicos, como a embolia gasosa, que pode levar ao agravamento da saúde e à morte.
Segundo um estudo publicado na revista científica Journal of the American Medical Association (JAMA), cerca de metade dos pacientes internados com Covid-19 que precisam utilizar ventilação mecânica prolongada apresentam o desenvolvimento de fístulas.
O estudo teve como recorte a análise das lesões que atingem a traqueia e o esôfago (fístulas traqueoesofágicas). O trabalho destaca que, apesar de graves, essas complicações são raras na ventilação mecânica prolongada utilizada em pacientes com outras doenças respiratórias. No entanto, pacientes com Covid-19 apresentaram aumentos significativos de casos de fístulas.
Especialistas consultados pela CNN explicam os principais tipos de fístula relacionados à Covid-19 e suas possíveis complicações.
Causas e fatores de risco
Na Covid-19, as estruturas do sistema respiratório como traqueia, brônquios e bronquíolos podem ser fragilizadas pela infecção. A formação de uma fístula pode ser ocasionada pela inflamação dos tecidos, causada pela própria infecção, por lesões relacionadas à ventilação mecânica prolongada e pelo manejo do paciente durante o tratamento.
Entre os fatores de risco para o desenvolvimento de fístulas estão idade avançada (acima de 60 anos), comorbidades, como diabetes e câncer, desnutrição, uso de esteroides e más condições de saúde prévias, em geral.
O perigo da embolia gasosa causada por fístulas bronquíolo-venosas
Uma fístula bronquíolo-venosa é uma ruptura entre um bronquíolo (ramificação dos brônquios) e uma veia. A comunicação entre as duas estruturas pode favorecer a entrada de ar no vaso sanguíneo, provocando a embolia gasosa – um dos principais riscos de agravamento da saúde, que pode levar o paciente ao óbito.
O cardiologista e intensivista Rubens Costa Filho, do Hospital Pró-Cardíaco, no Rio de Janeiro, explica que quando o ar se espalha pelo organismo via corrente sanguínea, na forma de microbolhas, a embolia gasosa disseminada pode atingir outros órgãos, como o cérebro e o coração, provocando infarto e acidente vascular cerebral (AVC).
O especialista afirma que não há tratamento específico e que os médicos devem aguardar a resposta do paciente. “O quadro é considerado gravíssimo. Quando chega nesse ponto, foram tentados todos os recursos”, explicou Rubens.
Fístula broncopleural
Outro tipo de fístula que acomete pacientes com a Covid-19, a fístula broncopleural se dá pela comunicação anormal entre os brônquios (estruturas que ligam traqueia aos pulmões) e a pleura (membrana que reveste o órgão).
As causas também incluem a ruptura das vias aéreas por traumas ou cirurgias, a lesão das estruturas durante a ventilação mecânica (como a passagem do cateter e a própria pressão da ventilação), além de complicações da própria doença.
“As fístulas broncopleurais geralmente se desenvolvem por algum mecanismo que ocasiona a ruptura da pleura visceral, uma película que recobre o pulmão. O ar passa pela via aérea e vai diretamente para o espaço pleural provocando uma patologia chamada pneumotórax”, explicou Sérgio Pereira, coordenador do Departamento de Cirurgia Torácica da Sociedade Brasileira de Pneumologia e Tisiologia (SBPT).
Segundo o especialista, a passagem inadequada do ar pode levar a uma baixa oxigenação do organismo, prejudicando o funcionamento dos outros órgãos.
Esse tipo de fístula é identificado por meio de sinais e sintomas apresentados pelo paciente, como dificuldade para respirar, tosse com sangue ou muco e febre, além de exames de imagem, como radiografia de tórax e broncoscopia.
O tratamento depende da avaliação da equipe médica, que pode proceder com a observação do paciente, acompanhada de medicamentos para controle dos sintomas, ou pela realização da drenagem de fluidos que possam acumular na cavidade.
Trombose e embolia pulmonar na Covid-19
Além da embolia gasosa, ocasionada pela presença de ar nos vasos sanguíneos, outro tipo de agravamento tem atingido pacientes com a Covid-19. A embolia pulmonar acontece quando o entupimento de um vaso sanguíneo é provocado principalmente por um coágulo.
Os sintomas incluem dor no peito, falta de ar, tosse repentina, suor e tontura. A condição pode levar à necrose dos tecidos da região afetada, devido à interrupção da circulação sanguínea. Segundo o cardiologista Rubens Costa Filho, a existência de vários coágulos e a longa duração do quadro clínico podem provocar infarto pulmonar.
As lesões somadas à dificuldade de respirar provocam a diminuição da quantidade de oxigênio no sangue, que pode afetar o funcionamento dos órgãos em todo o corpo e levar à morte.
Os principais fatores de risco para o desenvolvimento da trombose estão relacionados à imobilização prolongada, uso de anticoncepcionais, cirurgias, hospitalizações e fraturas, além de fatores hereditários.
O tratamento é realizado com o uso de medicamentos que evitam o aumento dos coágulos, sob acompanhamento médico.
Artigo propõe classificação da Covid-19 como febre viral trombótica
Um grupo de pesquisadores brasileiros defende, em um artigo publicado na revista científica Memórias, do Instituto Oswaldo Cruz, que a Covid-19 seja classificada como febre viral trombótica. Hoje, a doença se encaixa na classificação de Síndrome Respiratória Aguda Grave (SRAG).
O trabalho conta com a autoria de especialistas em terapia intensiva, cardiologia, hematologia, virologia, patologia, imunologia e biologia molecular, que atuam em instituições como o Hospital Pró-Cardíaco, Instituto Oswaldo Cruz (IOC/Fiocruz), Faculdade de Medicina de Petrópolis (Unifase), Instituto Nacional do Câncer (Inca), Instituto Carlos Chagas (Fiocruz Paraná) e United Health Group.
Como argumento, os autores consideram as evidências de hipercoagulação em decorrência da doença apresentadas em diversos estudos. Segundo os autores, a proposta de nova classificação da Covid-19 como febre viral trombótica mostra o avanço no conhecimento sobre a doença e pode contribuir para o manejo clínico dos casos e as pesquisas científicas.
CNN BRASIL