Em crianças, doença costuma ser causada pelo vírus A e ter uma recuperação rápida, mas surto de casos de origem desconhecida na Europa têm preocupado cientistas
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Há poucas semanas, no dia 15 de abril, a Organização Mundial da Saúde (OMS) emitiu um alertasobre um surto de casos de hepatite aguda infantil de causa desconhecida. Os primeiros dez casos foram identificados pelo Reino Unido em crianças com menos de dez anos, sem doenças pré-existentes, e foram comunicados à entidade no começo de abril. Até agora cerca de 200 casos já foram registrados em outros países europeus, nos Estados Unidos e na Ásia e, desde então, cientistas do mundo todo tentam descobrir o que está causando a doença. Mas o que é exatamente a hepatite infantil?
“A hepatite é nome dado a um processo inflamatório do fígado, que geralmente acontece em decorrência de quadros infecciosos”, explica o infectologista pediátrico Alfredo Elias Gilio, coordenador da Clínica de Imunizações do Hospital Israelita Albert Einstein e professor doutor da Faculdade de Medicina da USP. As principais causas da hepatite são os vírus (A, B, C, D, E), mas a doença também pode ser desencadeada pelo uso excessivo de alguns medicamentos, por alguma doença autoimune, uso de álcool e drogas.
Nas crianças, a hepatite normalmente se manifesta com dor abdominal, diarreia, vômito, enjoo e perda de apetite. Na maioria dos casos evolui para a icterícia – que é aquela cor amarelada na pele e no branco dos olhos. Outros sinais da hepatite são a urina escura e as fezes esbranquiçadas. “Há casos em que a criança não vai ter a icterícia, mas, em geral, é essa cor amarelada nos olhos que chama a atenção dos pais. É nesse momento que eles costumam procurar um médico”, alerta Gilio.
Como é o diagnóstico?
Em geral, diante desses sintomas e depois de uma anamnese detalhada do quadro e do histórico clínico da criança, o médico pede alguns exames das enzimas hepáticas no sangue para confirmar o diagnóstico – quando há inflamação no fígado, aumenta a quantidade dessas enzimas na corrente sanguínea.
Confirmado o diagnóstico, é preciso saber a causa/origem da hepatite. “Nas crianças, na maioria absoluta das vezes, a causa mais comum é a hepatite A. Em geral não requer internação, não costuma ser grave, e a maioria dos casos evolui bem. Não há um remédio específico para o tratamento, a gente cuida dos sintomas e o próprio organismo se recupera sozinho”, explica Gilio.
A transmissão da hepatite A ocorre por contágio fecal-oral, pela ingestão de alimentos e/ou água contaminados e em locais que possuem condições precárias de saneamento. Uma forma menos comum de transmissão é pelo ato sexual. O professor Giglio ressalta que como existe vacina para hepatite A e B no Calendário Nacional de Vacinação, o número de casos de hepatite viral em crianças é cada vez menor no Brasil.
Casos de origem desconhecida
O que chamou a atenção das autoridades nos casos do Reino Unido foi a origem desconhecida do surto nas crianças – todas menores de 16 anos, a maioria abaixo de 10 anos, todas saudáveis. Os vírus dos tipos A, B, C, D e E, que são as causas mais comuns da doença, foram descartados. Após a realização de uma série de exames, os cientistas perceberam que a maioria dos casos tinha a presença do adenovírus 41F.
De acordo com Gilio, existem mais de 50 subtipos de adenovírus e, no geral, eles causam quadros leves de problemas respiratórios e não gastrointestinais. Mas ainda não é possível afirmar que esse subtipo seja o causador dos quadros agudos de hepatite infantil, já que ele não foi encontrado em todas as amostras.
“A causa desse surto ainda é uma suposição, uma observação. Precisamos de dados mais robustos para responder às perguntas: será que esses casos têm alguma relação com a infecção prévia da criança por Covid-19? Será que a Covid-19 altera a resposta imunológica das crianças? Será que é realmente o adenovírus que está causando a hepatite? Será que o genoma desse adenovírus mudou e ele se tornou mais agressivo? São inúmeras perguntas que ainda não sabemos responder”, afirmou Gilio. “Uma coisa que a gente já sabe é que os casos não têm nenhuma relação com a vacina contra o coronavírus, principalmente porque aconteceram em crianças numa faixa etária que não foi vacinada [abaixo de 5 anos]. Isso precisa ser reforçado”, continuou o professor.
Ainda não há respostas sobre a origem do surto mas, segundo Gilio, não há motivo para pânico dos pais. A orientação é procurar um médico caso a criança apresente algum dos sintomas relacionados à doença. “Não é preciso desespero, ainda não temos conhecimento de nenhum caso no Brasil”, finalizou.