Vício em jogos eletrônicos: você sabia que agora ele é considerado uma doença?


Diagnóstico não é simples e precisa ser baseado em sintomas que incluem a falta de controle sobre o impulso de jogar e a tendência em priorizar o jogo em detrimento de outras obrigações

 Por Carolina Kirchner Furquim, da Agência Einstein

A Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu formalmente, no início de 2022, o vício em videogames e jogos eletrônicos como uma doença. Com a nova revisão, o transtorno mental recebeu o nome de “distúrbio de games” (gamingdisorder) e passou a fazer parte da Classificação Estatística Internacional de Doenças (CID-11). É bem verdade que, entre jogadores, pais, responsáveis e comunidade médica, há divergências sobre a real existência do vício em jogos eletrônicos, mas a nova designação da OMS pode beneficiar famílias que sintam necessidade de buscar ajuda.

Segundo a entidade, o diagnóstico não é simples e precisa ser baseado em uma série de sintomas que incluem a falta de controle sobre o impulso de jogar videogame, a tendência em priorizar o jogo em detrimento de outras obrigações e um envolvimento contínuo e intensificado, apesar das consequências negativas, que consome muitas horas do dia.

Estudos desenvolvidos, citados pela OMS, oferecem conclusões diversas sobre o assunto, mas convergem em apontar que a nova doença afeta de 2% a 3% dos usuários de videogames. O reconhecimento da condição foi um processo de anos. Para se ter uma ideia, foi em 2018 que os estados membros da OMS votaram para adicioná-la à lista de classificação de doenças da organização, sendo esse o primeiro passo para padronizar os relatórios e o rastreamento de saúde em todo o mundo. Esse reconhecimento também é importante para motivar novos estudos e trabalhos acadêmicos na área, buscando ampliar os dados e as condutas de manejo desses pacientes.

“O que certamente não podemos falar é que esse vício é como outro qualquer, uma vez que algumas dependências trazem prejuízos à saúde física que o videogame não é capaz de proporcionar”, comenta Naim Akel Filho, psicólogo responsável técnico pela clínica de psicologia da Pontifícia Universidade Católica do Paraná (PUCPR), também professor de neurociências da universidade. O mecanismo cerebral, contudo, é o mesmo. “Esse processo, pensando na estrutura funcional, é como qualquer outro. É danoso, traz sofrimento mental e pode levar a outras comorbidades e problemas”, continua o especialista.

 

Negação da dependência

Normalmente, segundo Akel Filho, as associações são transtornos de ansiedade e depressão, além de dificuldade de interação social. “Há outras repercussões na vida do indivíduo, com consequências especialmente importantes para a saúde mental. Há também efeitos sobre a incapacidade de controle do comportamento, dificilmente percebida pela pessoa”, explica.

Como a negação à condição de dependência é um aspecto presente, as pessoas do entorno é que precisam perceber e fazer a sinalização para o excesso de videogame. “Tipicamente, quando isso acontece, o problema já avançou e se instalou de forma importante. Um sinal a se ficar atento é uma resposta sempre muito forte de negação frente a um comentário de alerta para o uso excessivo. A irritação é o principal sinalizador para quem está de fora e essa agressividade generalizada é traço comum a diferentes tipos de dependência”, alerta o psicólogo.

A falta de controle somada à negação são, portanto, sinais importantes de compulsão por jogos de videogame que, como qualquer outro tipo de dependência, dificilmente vai passar sozinha. “Há casos em que, claro, o processo se reverte naturalmente dado o amadurecimento e novos insights e valores adquiridos, mas não é a regra. Quase sempre há uma enorme dificuldade na reversão do quadro instalado e, por isso, apoio profissional e familiar é fundamental”, orienta.

Segundo ele, ainda, essa importante resolução da OMS vem de encontro com o que pesquisadores em neurociência e em comportamento humano já vinham destacando há muito tempo: que o futuro reservava uma epidemia de transtornos e problemas que têm, na origem, dificuldade de controle inibitório sobre o comportamento.

“Esse movimento da OMS deve ser no sentido, também, de os profissionais de saúde mental estarem atentos ao problema, para que não desqualifiquem a situação. Na prática clínica diária isso tem sido visto frequentemente, felizmente, ainda sem casos muito graves. O que comumente surge são queixas relativas ao excesso de horas destinadas aos jogos, dificuldade de usar as horas ociosas de outras maneiras e a mídia eletrônica como condição para alívio da tensão e prazer momentâneo”, finaliza.

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