
David Santos- formado em Recursos Humanos, possui pós-graduação em Psicologia Organizacional e é Bacharel em Pedagogia. É também autor do livro “A menina que já nasceu criança”. Foto: divulgação
por David Santos
Falar sobre “zona de conforto” virou quase uma regra em ambientes corporativos. A expressão, repetida à exaustão em palestras, reuniões e textos motivacionais, costuma carregar um tom pejorativo. Mas será que, de fato, estar em uma zona de conforto é algo negativo?
Recentemente, uma colega compartilhou uma publicação no LinkedIn sobre esse tema. O post reacendeu um incômodo antigo com o uso indiscriminado dessa expressão. Tentei aproveitar um café no trabalho para comentar com ela, mas a conversa tomou outro rumo, que se relaciona indiretamente: férias e como é maravilhoso desconectar das redes sociais, do telefone corporativo (e-mail, mensagens etc.) e viver e aproveitar o momento.
O exemplo do sapato apertado
Imagine-se em uma reunião decisiva. Na véspera, seu sapato quebrou. Você compra outro às pressas, mas percebe — tarde demais — que veio um número menor. A alternativa é enfrentá-lo assim mesmo. No dia seguinte, durante uma apresentação de uma hora em pé, o calçado começa a machucar. Os dedos latejam, o calcanhar arde. Você perde o foco. Toda sua energia se volta ao desconforto físico. O resultado? Seu desempenho, inevitavelmente, cai.
Agora pense: em que momento o conforto deixou de ser aliado da performance? Se buscamos colchões confortáveis, roupas que não incomodem e sapatos que não machuquem, por que o mesmo princípio não vale para a carreira?
O mito da zona de conforto
O conceito de “zona de conforto” ganhou força na década de 1990 com a psicóloga Judith Bardwick. Para ela, trata-se de um estado mental em que a pessoa evita riscos, mudanças ou desafios. No entanto, a origem científica do termo remonta a estudos de 1908, quando os psicólogos Yerkes e Dodson concluíram que existe um nível ideal de excitação (ou estresse) para a produtividade — e que ultrapassá-lo pode ser prejudicial.
A zona de conforto, portanto, não é sinônimo de estagnação, mas sim, de equilíbrio.
Quando crescer não é só subir
Ao longo da minha carreira, persegui o cargo de gerente. Fiz graduação, pós-graduação, me mantive atualizado e estabeleci boas conexões. Mas, ao chegar a cargos de liderança, encontrei desafios éticos que confrontavam meus valores pessoais: decisões que afetavam colegas injustamente, falta de espaço para posicionamentos honestos, pressões silenciosas que exigiam abrir mão da integridade.
Ficar ali significava renunciar à minha saúde emocional. Decidi mudar. Tornei-me consultor. E, há mais de uma década, atuo em uma posição que me desafia, me realiza e me respeita. Cresci. Não para cima, mas para os lados.
E você pode dizer: “Que absurdo! Não tem ambição. Está na ‘zona de conforto!’.” Sim, estou! Mas não da forma pejorativa que o mercado enxerga.
Nessa nova etapa, tive tempo e tranquilidade para fazer uma segunda graduação, escrever livros, ampliar minha visão de mundo. Isso não seria possível em um ambiente onde o estresse era constante e o desconforto emocional, visível.
O que quero dizer com tudo isso, é que estar na zona de conforto – com o uso correto da palavra – é uma realização; é ter bem-estar, sensação de prazer, satisfação e alívio também no trabalho. É trabalhar para viver, e não viver para trabalhar, e ter a oportunidade de crescer não apenas para cima, mas para os lados.
Conforto não é conformismo
Há uma diferença importante entre zona de conforto e zona de conformismo. A primeira tem muito a ver com a subjetividade da pessoa, com seu propósito de vida, com o alinhamento com seus objetivos profissionais e com o que se quer do mundo corporativo, além de um espaço de equilíbrio, em que o profissional se sente valorizado e produtivo. Estar na zona de conforto não significa não querer evoluir. Significa, muitas vezes, crescer com propósito. Como no caso de um profissional que recusa uma promoção para manter o equilíbrio entre trabalho e vida pessoal — e nem por isso deixa de entregar bons resultados.
A segunda é o lugar do “tá ruim, mas tá bom”, em que se aceita o incômodo como parte inevitável do jogo corporativo. Porém, com um agravante: o sapato está apertado, machucando, o ambiente está desconfortável o nível de estresse insuportável, mas não se faz nada para mudar e, consequentemente o desempenho cai, conforme postulada na lei de Yerkes-Dodson.
Lideranças precisam considerar esse olhar mais amplo. Criar um ambiente emocional e psicologicamente sadio requer investimentos e, na hora do aperto, o primeiro orçamento a ser desintegrado é o de recursos humanos. Estudo da Gallup publicado em 2024, estima que o baixo engajamento dos funcionários resulte em um prejuízo de 8,9 trilhões de dólares para a economia global, o equivalente a 9% do PIB mundial (Revista Exame, 2024). Mas parece que é preferível massacrar os seres humanos com impacto na economia a reduzir a margem de lucro e investir em um ambiente sadio.
Sobre este tema, espero que a nova regra da NR-1 que passa a vigorar em maio deste ano, tenha efeitos realmente benéficos. Ela estabelece que as empresas incluam parâmetros psicossociais em seus relatórios de gerenciamento de riscos, realizando ações concretas para a prevenção do adoecimento mental e gerenciamento da sobrecarga de trabalho para criar um ambiente de trabalho saudável e livre de assédio.
Conformismo como visão do mundo e de si mesmo
Pessoas que acreditam não serem boas o suficiente, que possuem um grau excessivo de cobrança sobre si, acabam por não sonhar, não ousar, não se expor, não se desafiar, pois foram condicionadas a pensar apenas em sua sobrevivência.
Trazendo um olhar teórico para esta situação, cito o modelo dos “Sete Níveis de Consciência” de Richard Barrett, que indica que pessoas que estão alicerçadas nos três primeiros níveis de consciência (sobrevivência, relacionamento e autoestima) ou zona do interesse próprio, não possuem uma sensação de satisfação duradoura em conseguir atender a essas necessidades, mas sentem-se ansiosas o tempo todo pelo risco de que elas – em algum momento – não sejam atendidas.
Movidas pelo medo, ficam estagnadas e, dificilmente, ações das empresas ou da liderança conseguirão tirar a pessoa desta situação. Então, como apoiá-las? Se ainda assim, essas pessoas têm entrega, mantenha-as na equipe, pois precisamos de pessoas que fazem o dia a dia acontecer. Mas oriente-a a procurar ajuda terapêutica, pois, apenas o psicólogo será capaz de minimizar os impactos deste estado mental. Agora, se a situação é contrária, ou seja, além de improdutiva, a pessoa contamina o ambiente, nenhuma ação irá fazê-la mudar – a decisão já está tomada.
Para concluirmos, voltamos ao segundo parágrafo deste texto. Não precisamos estar na zona de conforto apenas uma vez ao ano quando tiramos férias e desligamos o celular, esquecemos as redes sociais e vivemos o momento – isto é, quando olhamos para nós mesmos. Precisamos lembrar que também no conforto ou ócio é possível ser criativo e inovar.
Manter-se sempre produtivo, a exemplo dos atletas ou de quem se exercita visando ganhar massa muscular, não é eficaz. É necessária uma pausa nos exercícios para que o músculo cresça (hipertrofia), pois a ausência de descanso pode causar fadiga, lesões, mau humor e piora no desempenho.
Então, diante de um mundo competitivo, precisamos reaprender a escolher nossas batalhas. Encontre a sua zona de conforto e aproveite!
por David Santos- formado em Recursos Humanos, possui pós-graduação em Psicologia Organizacional e é Bacharel em Pedagogia. É também autor do livro “A menina que já nasceu criança”.