Os pacientes no Brasil chegam a pagar até mil dólares para importar o dispositivo essencial para conter crises graves de alergia. Especialistas defendem acesso gratuito no sistema público
A caneta de adrenalina autoinjetável é usada em diversos países como tratamento de emergência para anafilaxia, uma reação alérgica grave e potencialmente fatal. No entanto, no Brasil, o dispositivo ainda não está disponível para venda em farmácias, nem fornecido pelo SUS. Pacientes como Letícia, que convive com alergia alimentar severa desde bebê, precisam importar o produto — com alto custo — para garantir sua sobrevivência.
Um dispositivo que salva vidas em minutos
Letícia, de 21 anos, é alérgica ao trigo e já enfrentou diversas crises graves de anafilaxia. Para ela, a caneta de adrenalina é um item indispensável na bolsa.
“Eu já precisei usar a minha. Foi o que me manteve viva até chegar ao hospital. É muito caro, mas é minha segurança diária.”
O custo, segundo ela, ultrapassa mil dólares por par de canetas, considerando importação e taxas.
Por que a caneta é tão importante?
A caneta de adrenalina contém uma dose do medicamento que pode reverter os sintomas da anafilaxia nos primeiros minutos da crise. A Dra. Simone Diniz, médica alergista e presidente da ASBAI-RN, explica:
“A adrenalina é o único medicamento capaz de interromper o quadro de anafilaxia. Nenhum outro, como antialérgicos ou corticoides, age com a mesma eficácia e velocidade.”
A autoinjetora é projetada para uso rápido, inclusive por leigos, em ambientes como escolas, restaurantes ou até dentro de casa, enquanto a ajuda médica é acionada.
Indisponível no Brasil: uma barreira perigosa
Apesar da eficácia, o Brasil ainda não aprovou o registro comercial da caneta de adrenalina. A Anvisa analisa há anos a documentação necessária para liberação do produto, mas até hoje não há uma solução definitiva. A consequência é que pacientes precisam importar por conta própria ou recorrer à Justiça para ter acesso.
“Já faz mais de 10 anos que lutamos pelo registro da caneta no país. Isso é um direito básico de quem convive com risco de morte súbita”, afirma Dra. Eliane Macedo, médica alergista e diretora da ASBAI-RN.
Segundo as médicas, o acesso desigual ao tratamento aprofunda as disparidades entre pacientes que podem arcar com os custos e aqueles que dependem exclusivamente da rede pública.
Um debate de saúde pública e urgência
Além da liberação comercial, a luta é para que a caneta seja incluída na lista de medicamentos do SUS e fornecida aos pacientes mediante prescrição médica.
“Estamos falando de um tratamento de emergência para uma condição que pode matar em minutos. Não é razoável que isso continue inacessível para a maioria da população”, reforça Dra. Simone Diniz.
Enquanto isso, famílias se viram como podem
Letícia, como tantos outros pacientes, vive sob o risco diário. Ela organiza sua rotina com extrema cautela: evita ambientes com trigo, leva sua própria comida para festas e carrega a caneta de adrenalina para todos os lugares.
“Eu tenho sorte de ter conseguido importar. Mas penso nas crianças, nas famílias que não conseguem. É desesperador saber que a vida depende de um remédio que você talvez não consiga ter.”
Acesso ao tratamento é questão de vida
A anafilaxia é imprevisível. Pode acontecer na escola, no trabalho, em um restaurante ou em casa. O que pode mudar o desfecho é o acesso rápido à adrenalina injetável.
Enquanto o dispositivo não chega ao SUS, pacientes e profissionais de saúde seguem pressionando por mudanças.
“É preciso acelerar esse processo. A caneta de adrenalina precisa ser registrada, acessível e distribuída com urgência. Vidas dependem disso”, conclui Dra. Eliane Macedo.