Coração acelerado, nervosismo ao ponto de morder os lábios e suor nas mãos: provavelmente você já sentiu algum desses sintomas diante de alguma situação desafiadora. Afinal, o Brasil é o país mais ansioso do mundo, de acordo com a OMS. Contudo, antes que seja preciso buscar ajuda médica, a ansiedade também se manifesta de formas sutis no dia a dia e por meio de um ponto em comum: a boca.
A característica principal da ansiedade é a preocupação, seguida ou não pela sensação de medo. Instintivamente, de acordo com Bárbara Santos, psicóloga e membra da APBA (Associação de Psicanálise da Bahia), procuramos prazer, e de forma inconsciente, algumas pessoas recorrem à boca. “Esse alivio não é a longo prazo, mas sempre é imediato. Justamente por não ser total, ele continua se repetindo”, explica a profissional.
Por que a boca?
Para Sigmund Freud, o “pai da psicanálise”, buscar conforto por meio da boca representaria que houve alguma questão não resolvida ou conflito emocional na chamada “fase oral” do desenvolvimento da pessoa. Essa fase ocorre desde o nascimento até os 2 anos de idade, quando o bebê investiga o mundo com a boca, associada à alimentação e ao apego.
Na vida adulta, a relação da ansiedade com a boca é nomeada como “fixação oral”. Traduzida em comportamentos ligados à ativação do sistema de recompensa do cérebro, ela envolve a liberação do neurotransmissor dopamina, de acordo com Guido Boabaid May, psiquiatra e membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo.
A dopamina desempenha um papel fundamental na sensação de prazer e motivação, e a pessoa pode buscá-la comendo, bebendo, fumando ou roendo as unhas em excesso —este último, chamado de onicofagia, está frequentemente relacionado a altos níveis de ansiedade.
Guido Boabaid May, psiquiatra e membro do corpo clínico do Hospital Albert Einstein, em São Paulo
Roer as unhas
Roer as unhas em situações desafiadoras pode se tornar uma maneira de enfrentamento automático, já que é acessível e fornece um estímulo tátil e sensorial que traz distração. “A pressão exercida nos dedos e na boca serve como uma forma de redirecionar a atenção e proporcionar a sensação de conforto”, pontua o psiquiatra.
Entretanto, mesmo que ainda seja um jeito de também lidar com o tédio para muitas pessoas, o costume vai além: há quem arranque com os dentes peles ao redor das unhas, causando ferimentos.
Segundo Li Li Min, neurologista e chefe do Departamento de Neurologia da Unicamp, esse seria um jeito de deslocar o desconforto psíquico causado pela ansiedade para outra região do corpo.
Estudos recentes até traçam um paralelo desse comportamento com a automutilação, o ‘cutting’, visto em alguns adolescentes diante de problemas emocionais. Muitos deles roeram as unhas na infância.
Li Li Min, neurologista e chefe do Departamento de Neurologia da Unicamp
Compulsão por comida, bebida e fumo
Comida, álcool e fumo também entram como mecanismos temporários para aliviar a tensão da ansiedade. Enquanto bebida e cigarro contam com propriedades que promovem efeitos de desinibição e bem-estar, respectivamente, comer em excesso pode ainda ser uma forma de compensar preocupações ao distrair o sistema nervoso central também com a ativação da dopamina.
Sendo assim, comidas calóricas e até visualmente mais gordurosas são as mais pedidas em momentos de ansiedade. Novamente, é um alívio temporário que, assim como a bebida em excesso traz “ressaca moral” no dia seguinte, comer da mesma forma pode gerar culpa.
“Após a realização do comportamento que passa a ser compulsivo, a pessoa experimenta um alívio dos sentimentos angustiantes associados a ele, mas depois geralmente passa intensamente pela vergonha ou arrependimento”, pondera May.
Ao notar que há um ciclo para aliviar a ansiedade por meio da boca, Santos reitera o principal sinal de alerta: “A pessoa perde o controle do objeto e passa a ser consumida ao invés de consumir. Ela não consegue não fazer. Nem mesmo o dano que causa o mal-estar do consumo em excesso a detém”.
Quando procurar ajuda?
A frequência dos excessos varia amplamente de acordo com a pessoa e o contexto do estresse em que vive, além dos fatores hereditários. Todavia, a compulsão passa a pedir por tratamento quando interfere não somente no convívio social, mas também quando há negligência em outras áreas da vida para que o foco seja o vício.
O tratamento adequado pode envolver terapia cognitivo-comportamental com profissionais em compulsões e, em alguns casos, medicação. O objetivo é desenvolver habilidades de enfrentamento mais saudáveis e promover a resiliência emocional, ao mesmo tempo em que aborda a recompensa imediata e as causas subjacentes da ansiedade.
Para Santos, manter amigos e familiares por perto é tão fundamental quanto o acompanhamento em si. “Muitas vezes a rede de apoio ajuda manter a procura do tratamento e sustentá-lo”, diz.
VIVA BEM / UOL