Antidepressivos: fim do tratamento causa sintomas em 15% dos pacientes


Estudo alemão inspira cuidado ao planejar interrupção do tratamento com a droga, afirmam psiquiatras

Os medicamentos para depressão têm ajudado a enfrentar esse transtorno mental cada vez mais prevalente, mas o momento de parar o tratamento com o remédio precisa ser planejado com cuidado, indica um novo estudo.

Um trabalho que reuniu dados sobre mais de 20 mil pacientes acompanhados após deixarem de tomar antidepressivos indica que 15% deles voltaram a apresentar sintomas como consequência da interrupção, sendo que em 3% dos casos foram sintomas graves.

Publicado na semana passada na revista britânica Lancet Psychiatry, o trabalho liderado por cientistas alemães foi uma meta-análise, ou seja, uma espécie de compilado estatístico que reuniu outros 79 estudos de acompanhamento clínico.

A preocupação com o que a medicina chama de “síndrome de retirada” (por descontinuar uma droga) tem uma história relativamente nova na psiquiatria e no tratamento da depressão. Por isso os cientistas, liderados por Jonathan Henssler, da Universidade de Colônia, decidiram avaliar quão preocupante ela era.

A dificuldade em avaliar isso é que apesar de uma parcela grande de pacientes (31%) relatar os sintomas de retirada, os cientistas sabem que em alguns casos eles ocorrem por sugestão psicológica.

Assim como pacientes que tomam placebo em ensaios clínicos podem apresentar sintomas de melhora, se eles deixam de ingerir as pílulas falsas eles podem sentir piora. Cientistas chamam isso de “efeito nocebo”, em comparação ao efeito placebo.

Ao analisar estudos clínicos de antidepressivos, os cientistas concluíram que dos casos em que havia recaída após a retirada da droga, apenas metade poderiam ser diretamente atribuídos à descontinuidade do tratamento.

“Considerando efeitos não-específicos, como se evidencia nos grupos recebendo placebo, a incidência de sintomas de descontinuação dos antidepressivos é de cerca de 15%, afetando uma a cada seis ou sete pessoas que interrompem sua medicação”, escreveram Henssler e seus coautores.

Alarmistas ou complacentes?

Segundo o psiquiatra Christian Kieling, professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) e membro da comissão de depressão no grupo Lancet, o estudo alemão deve ajudar a assentar um debate na comunidade médica que já vem ocorrendo há alguns anos.

Alguns psiquiatras defendem que a síndrome de retirada dos antidepressivos não é um problema relevante e consideram que seus colegas são “alarmistas”. Estes, em contraposição, acusam seus críticos de serem “complacentes” e afirmam até mesmo que antidepressivos podem causar dependência.

Segundo Kieling, o artigo dos alemães sugere que a voz da razão parece residir no meio do caminho.

— Nós temos que adotar uma posição balanceada e reconhecer primeiro que os antidepressivos podem melhorar muito a qualidade de vida de muitas pessoas e podem salvar vidas, porque a gente sabe que a depressão está associada até a situações de risco suicídio — afirma. — Por outro lado, é preciso reconhecer que esses medicamentos também podem ter alguns efeitos colaterais, tanto no momento de entrada de tratamento quanto no momento da retirada.

Esses efeitos, no lado mais ameno do espectro, incluem ocorrência leve de insônia, irritabilidade e dor de cabeça. No lado mais severo, além da ideação suicida podem acontecer ataques de pânico e episódios de desânimo profundo.

O fato de que 15% dos pacientes manifestam sintomas leves após a retirada do medicamento e 3% manifestam sintomas severos indica que o problema não é desprezível, mas é manejável.

Segundo Fernando Fernandes, professor do Instituto de Psiquiatria do Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (IPq-HC-FMUSP), o estudo na Lancet Psychiatry é um sinal também de que é preciso ficar atento para pacientes que abandonam a medicação antes do período prescrito pelo médico. Esse é um fenômeno relativamente comum não só em depressão, mas em outras doenças que requerem tratamento prolongado.

— Um dos fatores que levam os pacientes a descontinuar o tratamento precocemente são os próprios efeitos colaterais da medicação. Os antidepressivos modernos são muito mais bem tolerados que os antigos, mas toda medicação tem efeitos colaterais, e a partir do momento que o paciente obtém uma melhora muitas vezes ele questiona um pouco a necessidade de continuar tomando remédio a despeito das orientações médicas — explica.

Uma prescrição de fármacos para pacientes diagnosticados com depressão tipicamente dura entre seis e nove meses, mas o período precisa ser discutido caso a caso, e pode ser estendido para uso mais prolongado, diz Fernandes.

O estudo, apesar de representar um avanço no entendimento da dinâmica de funcionamento da droga, ainda tem uma limitação. Os cientistas reconhecem que nos casos de recaída é difícil separar quais sintomas se devem a um retorno da depressão em si e quais são recorrentes da síndrome de retirada, portanto mais transitórios. Como é comum que exista uma depressão “residual” ou “reemergente” após o fim do tratamento, psiquiatras costumam manter a prescrição por períodos mais longos em pacientes que já apresentaram recaídas.

Subtipos

Um detalhamento do estudo de Henssler que pode ajudar médicos é que, independentemente do grau de eficácia, existem alguns subtipos de antidepressivos que parecem apresentar maior risco de síndrome de retirada do que outros.

A maioria das drogas modernas para depressão age aumentando a disponibilidade de serotonina, uma molécula neurotransmissora associada ao controle do humor, na interface de comunicação entre os neurônios, as células cerebrais.

Cada fármaco antidepressivo, porém, atinge esse objetivo de maneira ligeiramente diferente, com ciclos de funcionamento às vezes distintos. Os alemães afirmam que os princípios ativos desvenlafaxina, venlafaxina e imipramina são aqueles que parecem ser mais associados tanto à severidade quanto à frequência de efeitos de retirada.

Muitos psiquiatras já têm experiência clínica com algumas dessas drogas e sabem que algumas delas requerem um processo de “desmame” mais gradual. A recomendação, em todos os casos, é que a interrupção ou fim da prescrição seja sempre acompanhada e resulte de uma boa relação entre médico e paciente.

“A interpretação dos nossos resultados precisa considerar a patologia residual ou reemergente, mas nossas descobertas podem informar clínicos e pacientes sobre a provável extensão dos sintomas de retirada dos antidepressivos sem causar um alarmismo desnecessário”, escrevem Henssler e seus coautores.

Deu em Jornal O Globo

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