ASCO 2025: os grandes avanços que estão transformando o cuidado com o câncer


De inteligência artificial e terapias personalizadas a abordagens humanizadas e prevenção, o maior congresso de oncologia do mundo destacou inovações que prometem revolucionar diagnósticos, tratamentos e qualidade de vida dos pacientes

A edição de 2025 do maior encontro mundial da oncologia clínica, promovido pela Sociedade Americana de Oncologia Clínica (ASCO), reforçou sua posição como referência na discussão de condutas que prometem transformar o cuidado oncológico. Realizado entre 30 de maio a 3 de junho em Chicago, o congresso reuniu 44 mil especialistas de todo o mundo – 40% deles de fora dos Eua – e trouxe avanços expressivos não apenas em terapias e diagnóstico, mas também em abordagens que ampliam o olhar para além do tumor, com foco nas necessidades individuais dos pacientes.

“Entre os destaques deste ano, estiveram os estudos voltados à detecção precoce de biomarcadores de resistência, que têm o potencial de antecipar mudanças no curso da doença e orientar condutas clínicas mais eficazes. A personalização dos tratamentos segue como eixo central, acompanhada por dados promissores sobre novas alternativas terapêuticas e estratégias para condições pré-cancerosas”, comenta Carlos Gil Ferreira, diretor médico da Oncoclínicas&Co e presidente do Instituto Oncoclínicas.

Além das inovações clínicas, a ASCO 2025 dedicou atenção especial ao impacto social e econômico do câncer. Discussões sobre toxicidade financeira e a necessidade de condutas mais sustentáveis para os sistemas de saúde ganharam protagonismo, ressaltando a importância de considerar o custo do tratamento como parte integrante da jornada oncológica. Linhas de cuidado integradas, com ênfase no controle de peso e na prática de atividade física durante e após a terapia, também foram valorizadas, com evidências que apontam melhorias significativas na qualidade de vida e nos desfechos clínicos.

Inteligência Artificial e o futuro da oncologia

A aplicação da inteligência artificial (IA) no diagnóstico e tratamento do câncer foi um dos grandes destaques da ASCO 2025, reforçando o protagonismo crescente dessas tecnologias na transformação da prática oncológica. Em uma das sessões educacionais mais concorridas do congresso, especialistas de diversas partes do mundo debateram como os sistemas de IA já estão sendo integrados à rotina clínica, com foco em decisões terapêuticas mais precisas e personalizadas. Para Carlos Gil, estamos diante de uma verdadeira revolução na oncologia com a introdução de ferramentas baseadas em inteligência artificial. “Não se trata mais de uma tecnologia experimental, mas de sistemas que já estão sendo implementados em grandes centros oncológicos mundiais e que começam a transformar a prática clínica”, afirma.

O congresso também deu visibilidade a pesquisas brasileiras que demonstram o impacto concreto dessas ferramentas. Um dos destaques foi o estudo do oncologista Pedro Henrique Souza, da Oncoclínicas Rio de Janeiro, que analisou o uso de IA para detectar lesões cervicais de alto grau — alterações precursoras do câncer de colo do útero — com resultados promissores. “A IA pode expandir significativamente a capacidade dos profissionais de saúde, especialmente em áreas com recursos limitados”, destaca Carlos Gil.

Apesar do entusiasmo, o especialista reforça que a implementação da IA na oncologia exige responsabilidade, validação rigorosa e inclusão. “Precisamos garantir que essas ferramentas sejam validadas clinicamente, que não perpetuem vieses existentes nos dados de treinamento e que sejam acessíveis tanto a centros de excelência quanto a hospitais com menos recursos. A implementação responsável da IA em oncologia deve ser uma prioridade para gestores de saúde e formuladores de política”, alerta.

Tecnologia é aliada para câncer de mama

Outro trabalho apontou um aumento de 22% na precisão diagnóstica do câncer de mama HER2-baixo, graças ao uso de uma plataforma digital assistida por IA, o que pode ampliar o acesso a terapias alvo e ser considerado um avanço que beneficia milhares de mulheres com câncer de mama em países como o Brasil.

A pesquisa revelou que, com o suporte de uma plataforma de IA, os médicos conseguiram reduzir drasticamente a taxa de erros, principalmente em casos anteriormente classificados como HER2-nulos — um diagnóstico que limita o acesso das pacientes a terapias-alvo modernas. Com a IA, a precisão na categorização dos casos saltou de 66,7% para 88,5%, e a sensibilidade do diagnóstico subiu de 76% para 90%. Os resultados indicam que a ferramenta pode ajudar a tornar mais acessíveis tratamentos como os conjugados anticorpo-droga (ADCs), que têm se mostrado eficazes para pacientes com baixa expressão de HER2.

Segundo o oncologista Daniel Gimenes, da Oncoclínicas, o impacto para a prática clínica brasileira pode ser significativo. Ele destaca que a IA não substitui o olhar do especialista, mas aprimora sua capacidade diagnóstica, principalmente diante de desafios técnicos como a leitura visual de lâminas com baixa expressão proteica. “Esse é apenas o começo. A IA em oncologia não veio para substituir médicos, mas para nos tornar mais precisos e eficientes. Para nossas pacientes brasileiras, isso significa diagnósticos mais acurados e acesso a tratamentos mais personalizados.”, afirma o médico.

DNA tumoral circulante representa avanço relevante no controle de pacientes 

Uma revolução silenciosa está transformando a oncologia mundial. A partir da análise de fragmentos microscópicos de DNA tumoral que circulam no sangue — o chamado ctDNA —, médicos passam a ter a possibilidade de tomar decisões terapêuticas com base apenas em exames de sangue, antecipando a progressão da doença em meses. “Essa metodologia promete transformar a forma como fazemos diagnósticos, além de permitir uma classificação muito mais precisa dos pacientes. Sem dúvida, é uma ferramenta que vem para revolucionar a prática clínica”, afirma Carlos Barrios, oncologista da Oncoclínicas. Segundo ele, alguns trabalhos já apontam para a aplicação prática do ctDNA, como o estudo Serena 6, em câncer de mama, que foi destaque na sessão plenária.

E os avanços vão muito além do câncer de mama. No estudo NIAGARA, a tecnologia demonstrou ser valiosa também para pacientes com câncer de bexiga músculo-invasivo. A pesquisa demonstrou que 57% dos pacientes tinham ctDNA detectável no início do tratamento, caindo para 22% após a quimioterapia neoadjuvante e apenas 9% após a cirurgia. Mais importante: pacientes com ctDNA negativo após a cirurgia tiveram prognóstico significativamente melhor, permitindo identificar quem realmente se beneficia de tratamentos adicionais.

Outro dado de grande impacto veio do estudo DB09, que avaliou o uso de um ADC — o deruxtecano — em pacientes com câncer de mama HER2 positivo. Carlos Barrios considera este um dos estudos mais impactantes, capaz de mudar a prática atual. “O resultado foi extremamente expressivo: a duração do controle da doença saltou de 26 para 40 meses, um ganho absolutamente relevante. É importante destacar que isso não se aplica a todos os pacientes, mas, sem dúvida, representa um avanço enorme, que pode até mesmo levar à cura de um grupo significativo de pacientes com doença metastática HER2 positiva. Ainda vamos acompanhar nas análises futuras desse estudo, mas é animador”, conclui Barrios.

Cuidado centrado no idoso melhora entendimento do prognóstico e fortalece decisões compartilhadas

Um estudo brasileiro trouxe evidências promissoras sobre como intervenções personalizadas podem melhorar significativamente a compreensão do prognóstico entre pacientes idosos com câncer metastático. A pesquisa, liderada por Cristiane Bergerot, psico-oncologista e líder nacional da especialidade equipe multidisciplinar da Oncoclínicas, avaliou o impacto do modelo GAIN-S, uma abordagem guiada por avaliação geriátrica, em pacientes com 65 anos ou mais atendidos em diversos estados do país. Em apenas 12 semanas, os participantes da intervenção demonstraram avanços notáveis na forma como compreendem e lidam com a evolução da doença e a expectativa de vida.

A intervenção utilizou o PAIS (Prognostic Awareness Impact Questionnaire), ferramenta sensível a mudanças emocionais e comportamentais, e obteve taxa de adesão de 93%. Os dados apontam que, além de ampliar o entendimento sobre o próprio estado clínico, a abordagem contribui para decisões terapêuticas mais alinhadas com os valores dos pacientes, reduz sofrimento e evita procedimentos desnecessários. Para Bergerot, ter clareza sobre o prognóstico é essencial em um cenário de tempo limitado. “Ter consciência do prognóstico é um componente crítico para decisões compartilhadas, alinhamento de expectativas e cuidado centrado no paciente, especialmente quando o tempo passa a ser um recurso escasso”, explica.

Pioneiro no Brasil, o estudo também destaca a viabilidade e a importância de implementar modelos de cuidado mais humanizados em uma população frequentemente negligenciada pela pesquisa oncológica: os idosos com câncer avançado. Com diversidade geográfica e cultural entre os participantes, a proposta mostrou potencial de escalabilidade e reforçou a relevância ética do planejamento antecipado de cuidados. “Quando oferecemos tempo, escuta e um cuidado estruturado, mesmo em situações clínicas complexas, o impacto pode ser surpreendente. E isso, mais do que uma descoberta científica, é um compromisso ético com quem está enfrentando uma doença avançada”, conclui a especialista

Ozempic e outros remédios para diabetes podem baixar risco de câncer 

Medicamentos da classe dos agonistas de GLP-1, como Ozempic, Wegovy e Mounjaro, amplamente usados para o controle do diabetes tipo 2 e da obesidade, podem reduzir em até 7% o risco de desenvolvimento de 14 tipos de câncer associados ao excesso de peso. O achado vem de um estudo observacional com mais de 85 mil pessoas nos Estados Unidos e será apresentado neste domingo (2) na sessão de Prevenção de Câncer da ASCO 2025. A análise também mostrou redução de 8% na mortalidade por todas as causas, com destaque para a diminuição no risco de tumores colorretais.

Segundo os autores, os benefícios foram especialmente marcantes entre as mulheres e em relação ao câncer de intestino (redução de 16%) e retal (28%). A pesquisa comparou pacientes que utilizaram agonistas de GLP-1 com aqueles que tomaram inibidores de DPP-4, outra classe de medicamentos para diabetes que não induz perda de peso. Embora os dados apontem para um possível efeito protetor dos medicamentos, especialistas ressaltam que o estudo não permite afirmar causalidade — ou seja, que a redução de risco tenha sido provocada diretamente pelo uso dos remédios.

Para os pesquisadores, os resultados são animadores, mas devem ser interpretados com cautela. Estudos futuros, incluindo ensaios clínicos randomizados e análises em pacientes não diabéticos, serão fundamentais para confirmar a hipótese de que os agonistas de GLP-1 possam ter um papel ativo na prevenção do câncer. A possibilidade de que esses medicamentos ajam também por mecanismos anti-inflamatórios e metabólicos, além da perda de peso, reforça o crescente interesse científico no tema. “No entanto, é fundamental destacar que se trata de um estudo observacional, e não de um ensaio clínico controlado. Ou seja, os dados levantam uma hipótese relevante — a de que a medicação pode reduzir o risco de desenvolvimento de tumores —, mas essa relação ainda precisa ser confirmada por estudos futuros”, avalia Mauro Donadio, oncologista da Oncoclínicas.

Câncer de pulmão: novos tratamentos mostram aumento de sobrevida em diferentes tipos da doença

A ASCO 2025 trouxe ainda novidades importantes no tratamento do câncer de pulmão, especialmente em casos avançados. Um dos principais destaques foi o estudo IMforte, que avaliou pacientes com câncer de pulmão de pequenas células — um tipo agressivo e com poucas opções de tratamento. A combinação de duas drogas, lurbinectedina e atezolizumabe, aumentou o tempo sem progressão da doença e reduziu em 27% o risco de morte.

“Para os casos de doença extensa, ou seja, mais avançada, o tratamento atual combina quimioterapia com imunoterapia, seguida por imunoterapia de manutenção enquanto houver controle da doença. Este novo estudo mostrou que a adição da lurbinectedina – ainda não aprovada no Brasil – a esse regime pode melhorar significativamente os resultados, indicando um possível novo padrão de tratamento”, explica William Nassib William Jr., líder nacional de tumores torácicos da Oncoclínicas.

A análise indicou que pacientes que receberam a combinação de lurbinectedina e atezolizumabe apresentaram sobrevida livre de progressão mediana de 5,4 meses, comparado com apenas 2,1 meses no grupo que recebeu somente atezolizumabe. Além disso, a sobrevida global mediana foi de 13,2 meses versus 10,6 meses, uma redução de 27% no risco de morte. “Ver uma redução de quase 50% no risco de progressão da doença é algo que pode impactar significativamente a qualidade de vida dos pacientes”, enfatiza o especialista.

Outro avanço veio com a nova geração de imunoterapias, como o tarlatamabe, já aprovado no Brasil com base em dados preliminares. Agora, o estudo comparativo com a quimioterapia tradicional reforça o potencial do medicamento. Também ganharam destaque os anticorpos droga-conjugados (ADCs), que funcionam como “mísseis guiados” contra o câncer. Eles mostraram boas respostas, especialmente em pacientes com alterações genéticas como a mutação no gene EGFR, comum no Brasil e na Ásia.

Além disso, medicamentos orais para mutações raras nos genes EGFR e HER2, como o zipalertinibe e o sevabertinibe, também se mostraram promissores. Apesar de muitos desses tratamentos ainda não estarem disponíveis no Brasil, William William considera que os avanços indicam um futuro mais personalizado para o tratamento do câncer de pulmão, com opções cada vez mais específicas e eficazes para diferentes perfis de pacientes.

Imunoterapia no pós-operatório abre novo horizonte para câncer de cabeça e pescoço

Um estudo francês de fase 3, chamado NIVOPOSTOP (GORTEC 2018-01), apresentado na sessão plenária da ASCO 2025, mostra que a imunoterapia com nivolumabe no pós-operatório reduz significativamente o risco de recidiva em pacientes com câncer de cabeça e pescoço localmente avançado e de alto risco. A pesquisa, que envolveu 680 pacientes, comparou o tratamento padrão — radioterapia com cisplatina — com o mesmo protocolo acrescido do imunoterápico. O grupo que recebeu nivolumabe teve uma melhora estatisticamente significativa na sobrevida livre de doença, desfecho primário do estudo.

Isso sinaliza o potencial impacto dessa estratégia na prática clínica. Pela primeira vez, temos uma opção terapêutica que realmente melhora os desfechos nesse contexto, onde outras tentativas falharam. “Com os resultados destacados na plenária da ASCO, o NIVOPOSTOP pode acelerar a incorporação da imunoterapia adjuvante nas diretrizes clínicas, marcando um marco importante para uma população de pacientes que há muito tempo esperava por avanços significativos”, sintetiza Aline Lauda, líder nacional da especialidade de cabeça e pescoço da Oncoclínicas.

Já o professor Jean Bourhis, diretor médico do GORTEC e investigador principal do estudo, destacou que “esta é a primeira vez em décadas que uma terapia demonstra superioridade em relação ao tratamento padrão com quimiorradioterapia à base de cisplatina em pacientes de alto risco com carcinoma espinocelular de cabeça e pescoço localmente avançado”.

O câncer de cabeça e pescoço com alto risco de recidiva é um grande desafio, pois muitos pacientes recaem mesmo após cirurgia e tratamento padrão. “Até hoje, nenhuma abordagem adjuvante tinha conseguido modificar de forma consistente esse cenário. Esse estudo abre a possibilidade real de aumentar a taxa de cura, algo que tem enorme valor para esses pacientes”, aponta Aline Lauda.

Câncer de mama avança rumo a menos quimioterapia e mais precisão

O câncer de mama voltou à sessão plenária do ASCO 2025 com dados que podem mudar a prática clínica. O estudo SERENA-6 mostrou que um simples exame de sangue é capaz de identificar precocemente a mutação ESR1, permitindo trocar o tratamento antes da progressão. “É uma mudança de paradigma. Pela primeira vez, conseguimos orientar a decisão médica com base na chamada biópsia líquida, antes mesmo da progressão visível do câncer, com base apenas na detecção molecular precoce da resistência”, destaca Gustavo Bretas, oncologista da Oncoclínicas.

No subtipo HER2 positivo, o estudo DESTINY-Breast 09 apontou que a combinação de trastuzumabe deruxtecana com pertuzumabe pode substituir a quimioterapia com mais eficácia e menos toxicidade. “Estamos tratando o câncer de forma mais inteligente, mirando diretamente nas células doentes e poupando o restante do corpo”, afirma Daniel Gimenes, também oncologista da Oncoclínicas.

Para o triplo negativo, o estudo ASCENT-04 revelou que a combinação de sacituzumabe govitecana com pembrolizumabe supera a quimioterapia, com mais tempo de controle e menos efeitos adversos. “Esse estudo é um marco porque mostra que já podemos abrir mão da quimioterapia convencional em alguns casos de câncer triplo negativo, trazendo uma abordagem mais eficaz”, reforça Bretas.

Desigualdade racial e câncer: mulheres negras têm maior mortalidade

Um estudo apresentado na ASCO 2025 destacou o impacto da desigualdade racial nos desfechos do câncer, especialmente no câncer de colo do útero, onde mulheres negras apresentam 1,5 vez mais chances de morrer em comparação com mulheres brancas, segundo dados do Ministério da Saúde. A oncologista brasileira Abna Vieira, da Oncoclínicas, que lidera essa discussão no Brasil, enfatiza que “considerando que o Brasil é um país extremamente diverso, com 56% da população negra, é fundamental que a gente assuma o protagonismo nesse diálogo”. A pesquisa reforça que essa disparidade está associada não só a fatores biológicos, mas também ao acesso desigual à prevenção, diagnóstico e tratamento, agravados pelo racismo estrutural presente no sistema de saúde.

No cenário internacional, uma análise publicada na revista Breast Cancer Research and Treatment mostrou que, apesar da maior incidência de câncer de mama entre mulheres brancas, as mulheres negras são diagnosticadas em estágios mais avançados e enfrentam uma taxa de mortalidade 3,83 vezes maior. Abna destaca que “mesmo em cenários onde há avanços tecnológicos significativos, como terapias-alvo, barreiras sociais e o racismo estrutural seguem impactando a sobrevida”. Além disso, aproximadamente 60% das pacientes negras com câncer de colo do útero recebem o diagnóstico tardiamente, o que compromete a eficácia do tratamento.

No Brasil, o INCA aponta que o câncer de colo do útero é a quarta causa de morte por câncer em mulheres, especialmente nas regiões Norte e Nordeste, onde há maior população negra e parda. “É fundamental que, enquanto sociedade, principalmente em um país tão diverso quanto o Brasil, a gente traga esse debate para a linha de frente, tanto na assistência quanto nas políticas públicas e na pesquisa clínica”, aponta a médica.

“Soma-se a isso o menor acesso a terapias de alta complexidade, barreiras econômicas, geográficas e institucionais que dificultam o tratamento, e, sobretudo, o impacto do racismo estrutural presente nos sistemas de saúde”, complementa Abna Viera.

Câncer renal avançado e CAR-T: novo salto clínico para tratamento de tumores sólidos

Uma das grandes novidades apresentadas na ASCO 2025 no tratamento do câncer renal avançado vem da terapia celular CAR-T, tradicionalmente utilizada em tumores hematológicos, mas ainda pouco explorada em tumores sólidos. O estudo de fase 1 TRAVERSE avaliou a terapia ALLO-316, uma abordagem alogênica “off-the-shelf” que utiliza células CAR-T provenientes de doadores saudáveis para atacar tumores que expressam o marcador CD70, característico do carcinoma de células claras do rim (ccRCC). Esse método elimina a necessidade de coletar células do próprio paciente, tornando o tratamento mais rápido e padronizado.

Entre os 39 pacientes tratados, muitos já com múltiplas terapias anteriores, 20% apresentaram resposta positiva, sendo que essa taxa subiu para 33% em tumores com alta expressão de CD70. Além da eficácia inicial, o tratamento demonstrou perfil de segurança manejável, com poucos efeitos colaterais graves e ausência de doença do enxerto contra o hospedeiro (GvHD), um risco comum em terapias com células alogênicas. Denis Jardim, líder nacional da especialidade de tumores urológicos da Oncoclínicas, comenta que “Esses dados são animadores porque mostram que é possível levar uma terapia celular com células de doadores para tratar tumores sólidos, com segurança e sinais de eficácia, mesmo em pacientes que já tentaram várias outras opções de tratamento. Contudo, ainda são necessários mais estudos.”

Com a fase 1b concluída e o ALLO-316 recebendo a designação RMAT pela FDA, a terapia acelera seu desenvolvimento, consolidando-se como uma nova fronteira na imunoterapia para tumores sólidos. Jardim reforça que “Estamos diante de uma nova fronteira em imunoterapia. O sucesso das CAR-Ts em tumores hematológicos nos mostrou o caminho, e agora, com estudos como o ALLO-316, começamos a trilhar essa rota também nos tumores sólidos.” Esse avanço abre perspectivas promissoras para o tratamento do câncer renal de alto risco, com potencial para mudanças significativas na prática clínica.

Novo tratamento aumenta a sobrevida de pacientes com câncer gástrico avançado

O estudo internacional de fase 3 DESTINY-Gastric04 trouxe um avanço significativo para o tratamento do câncer gástrico avançado HER2-positivo. Ele comprovou que o uso do trastuzumabe deruxtecana em segunda linha prolonga a sobrevida média dos pacientes em 3,3 meses em comparação com o padrão anterior, que combina paclitaxel e ramucirumabe. Além do aumento da sobrevida global, o novo tratamento mostrou melhor controle da doença e maior taxa de resposta objetiva, sinalizando uma melhora importante no prognóstico para essa população.

O estudo incluiu 494 pacientes com progressão após terapia inicial e revelou que 91,9% dos pacientes tratados com trastuzumabe deruxtecana tiveram estabilização ou redução do tumor, frente a 75,9% no grupo controle. A redução do risco de morte foi de 30% para quem recebeu o novo medicamento, que atua como um “cavalo de Troia”, liberando quimioterápico diretamente nas células tumorais HER2-positivas. Apesar dos efeitos colaterais comuns, como fadiga e náuseas, o perfil de segurança foi considerado aceitável diante dos benefícios clínicos evidentes.

O oncologista brasileiro Fábio Franke, líder nacional de pesquisa clínica da Oncoclínicas e coautor do estudo, destaca a importância do resultado e da participação nacional na pesquisa: “Esses resultados consolidam o trastuzumabe deruxtecana como o novo padrão ouro de tratamento em segunda linha para pacientes com câncer gástrico metastático HER2-positivo.” Ele também ressalta que “Participar da condução e publicação desse estudo mostra a força da pesquisa clínica nacional e o impacto direto que isso pode ter na vida de pacientes aqui no Brasil.” Novos estudos já avaliam o medicamento em primeira linha, indicando que a oncologia continua a avançar rapidamente.

Exercício físico reduz recidiva do câncer de intestino

Um estudo de fase 3 apresentado na ASCO 2025 e publicado no New England Journal of Medicine comprovou que a prática regular de exercícios físicos estruturados após a quimioterapia reduz significativamente o risco de recidiva em pacientes com câncer colorretal estágio III de alto risco. Entre os 889 pacientes acompanhados por quase oito anos, aqueles que participaram de um programa supervisionado de atividade física tiveram uma taxa de sobrevida livre de doença de 80,3% após cinco anos, contra 73,9% do grupo que recebeu apenas orientações gerais. A redução do risco de morte foi de 37%, e o risco de recidiva ou novo câncer caiu 28% no grupo ativo.

A oncologista Aline Chaves Andrade, da Oncoclínicas, destaca que “é um marco” ver um estudo tão robusto valorizando uma abordagem que vai além dos medicamentos, reforçando que “durante muito tempo, o foco esteve apenas nos medicamentos. Agora, a ciência mostra que, após o tratamento, a responsabilidade é compartilhada: cabe à medicina oferecer os melhores protocolos, mas também cabe ao paciente se envolver ativamente no cuidado com o corpo e a saúde.” A atividade física recomendada incluía principalmente caminhadas rápidas, com cerca de 150 minutos semanais de exercício moderado.

Para Aline, o estudo representa um novo paradigma no tratamento do câncer: “Esse é o momento de repensar os hábitos. Exercício não é mais só um conselho de bem-estar. É parte ativa da estratégia para evitar que o tumor volte.” Ela ressalta que é fundamental levar essas evidências para o consultório médico com a mesma importância das terapias medicamentosas, porque “o cuidado com o paciente continua depois da última dose de quimioterapia.” Além do exercício, temas como alimentação saudável também ganham espaço na estratégia integrada contra o câncer.

Lacunas na orientação direcionada a atividades físicas na América Latina 

Um estudo latino-americano revelou que quase metade dos pacientes com câncer não recebe orientação sobre a prática de exercícios, fundamental para o sucesso do tratamento. “Ela ajuda a reduzir os efeitos colaterais dos tratamentos, melhora a qualidade de vida e até a sobrevida. Mas, na prática clínica, ainda existe um grande distanciamento entre essa recomendação e o que realmente é feito nos serviços, especialmente nos públicos”, afirma Paulo Bergerot, oncologista da Oncoclínicas e um dos autores do levantamento, que contou com 454 médicos de 21 países.

Os dados mostram que profissionais da rede pública são significativamente menos propensos a avaliar os hábitos de atividade física dos pacientes (53% contra 82% na rede privada), a encaminhá-los para programas específicos (36% contra 72%) e a oferecer orientações sobre o tema (12% contra 56%). “Há uma percepção equivocada de que o paciente com câncer deve ficar em repouso. Isso não é mais verdade. O exercício pode e deve ser adaptado à condição de cada pessoa, inclusive durante a quimioterapia ou radioterapia”, alerta o médico. As principais barreiras são a falta de locais adequados (86%), os efeitos colaterais dos tratamentos (66%) e a falta de capacitação dos profissionais (63%).

Apesar de a rede privada demonstrar maior adesão às práticas, o cenário também está longe do ideal. “Mesmo com mais recursos, os programas de atividade física ainda não são amplamente integrados de forma sistemática no cuidado oncológico”, ressalta o oncologista. Para ele, os dados reforçam a urgência de investimentos em capacitação, parcerias com centros de reabilitação e melhoria da infraestrutura. “Integrar o exercício à rotina do cuidado oncológico não é um luxo, é uma necessidade baseada em evidência. Não estamos falando de algo complementar, e sim de uma estratégia que melhora desfechos clínicos, reduz complicações e contribui para a dignidade do paciente”, resume Paulo Bergerot.

ASCO Voices 2025 destacou espiritualidade, decisões compartilhadas e diversidade no cuidado oncológico

A sessão ASCO Voices, parte do encontro anual da Sociedade Americana de Oncologia, apresentou histórias pessoais que ampliam o conceito de cuidado em oncologia, valorizando a escuta e a empatia. Segundo Cristiane Bergerot, “quando falamos sobre espiritualidade, identidade de gênero, decisões compartilhadas ou o impacto do câncer na juventude, estamos reconhecendo que cuidar também é ouvir. O tratamento oncológico não é apenas técnico – ele é, acima de tudo, relacional”.

Entre os temas abordados, estão o papel da espiritualidade no cuidado oncológico, as diferentes expectativas entre pacientes e médicos na escolha do tratamento, o reconhecimento do câncer de mama em homens, e o protagonismo do paciente na jornada contra a doença. Para Clarissa Mathias, oncologista da Oncoclínicas, “trazer esse tema para um congresso científico é um marco — é entender que o cuidado integral inclui acolher as crenças, os valores e as dimensões subjetivas do paciente. Isso não enfraquece a medicina, pelo contrário: a fortalece com compaixão”.

A integração da espiritualidade ao tratamento oncológico também reflete uma mudança de paradigma na medicina moderna, que busca cuidar do paciente como um todo. Clarissa complementa: “O exercício da espiritualidade traz conforto, entendimento e desperta sobre o significado do momento que se está vivendo, inclusive da própria doença. É um pilar do cuidado verdadeiramente humanizado.

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