Pesquisadores da Weill Cornell Medicine, nos Estados Unidos, usaram o aprendizado de máquina para analizar dados de neuroimagem
Pessoas com Transtorno do Espectro Autista (TEA) podem ser classificadas em quatro subtipos distintos com base em sua atividade cerebral e comportamento. É o que aponta um novo estudo feito por pesquisadores da Weill Cornell Medicine, dos Estados Unidos, e publicado há alguns dias na revista científica Nature Neuroscience.
No trabalho, os cientistas utilizaram o aprendizado de máquina (machine learning) para analisar dados de neuroimagem de 299 pessoas com autismo e 907 pessoas neurotípicas — sem o diagnóstico de TEA. Eles encontraram padrões de conexões cerebrais ligadas a traços comportamentais em pessoas com autismo, como habilidade verbal, afeto social e comportamentos repetitivos ou estereotipados. Os pesquisadores mostraram que as diferenças na expressão gênica e nas interações proteína-proteína explicam as diferenças cerebrais e comportamentais.
“Como muitos diagnósticos neuropsiquiátricos, os indivíduos com transtorno do espectro autista experimentam muitos tipos diferentes de dificuldades com interação social, comunicação e comportamentos repetitivos. Os cientistas acreditam que provavelmente existem muitos tipos diferentes de TEA que podem exigir tratamentos diferentes, mas não há consenso sobre como defini-los”, disse o coautor sênior Conor Liston, professor associado de psiquiatria e neurociência no Feil Family Brain and Mind Research Institute do Weill Cornell Medicine, em comunicado. “Nosso trabalho destaca uma nova abordagem para descobrir subtipos de autismo que podem um dia levar a novas abordagens para diagnóstico e tratamento”.
Um estudo anterior publicado por Liston e seus colegas, e publicado na revista Nature Medicine em 2017, usou métodos de aprendizado de máquina semelhantes para identificar quatro subtipos biologicamente distintos de depressão, e trabalhos subsequentes mostraram que esses subgrupos respondem de maneira diferente a várias terapias de depressão.
“Se você colocar as pessoas com depressão no grupo certo, poderá atribuir a elas a melhor terapia”, afirmou a coautora Amanda Buch, pós-doutoranda associada de neurociência em psiquiatria na Weill Cornell Medicine.
Com base nesse sucesso, a equipe decidiu determinar se existem subgrupos semelhantes entre os indivíduos com autismo e se diferentes vias genéticas estão subjacentes a eles. Ela explicou que o autismo é uma condição altamente hereditária associada a centenas de genes que tem apresentação diversa e opções terapêuticas limitadas. Para investigar isso, Buch foi pioneira em novas análises para integrar dados de neuroimagem com dados de expressão gênica e proteômica (análise de conjuntos de proteínas), apresentando-os ao laboratório e permitindo testar e desenvolver hipóteses sobre como as variantes de risco interagem nos subgrupos de autismo.
“Uma das barreiras para o desenvolvimento de terapias para o autismo é que os critérios diagnósticos são amplos e, portanto, se aplicam a um grupo grande e fenotipicamente diversificado de pessoas com diferentes mecanismos biológicos subjacentes”, explicou Buch. “Para personalizar terapias para indivíduos com autismo, será importante entender e direcionar essa diversidade biológica. É difícil identificar a terapia ideal quando todos são tratados como iguais, quando cada um é único.”
Os subtipos
Novos métodos de aprendizado de máquina que podem analisar em pouco tempo milhares de genes, diferenças de atividade cerebral e múltiplas variações comportamentais. Esses avanços permitiram à equipe identificar quatro grupos clinicamente distintos de pessoas com autismo.
Dois dos grupos tinham inteligência verbal acima da média. Um grupo também apresentou déficits graves na comunicação social, mas menos comportamentos repetitivos, enquanto o outro apresentou comportamentos mais repetitivos e menos comprometimento social. As conexões entre as partes cerebrais que processam a informação visual e ajudam o cérebro a identificar as informações mais importantes foram hiperativas no subgrupo com mais comprometimento social. Essas mesmas conexões foram fracas no grupo com comportamentos mais repetitivos.
Os outros dois grupos tinham deficiências sociais graves e comportamentos repetitivos, mas tinham habilidades verbais em extremos opostos do espectro. Apesar de algumas semelhanças comportamentais, os pesquisadores descobriram padrões de conexão cerebral completamente distintos nesses dois subgrupos.
A equipe analisou a expressão gênica que explicava as conexões cerebrais atípicas presentes em cada subgrupo para entender melhor o que estava causando as diferenças e descobriu que muitos eram genes previamente ligados ao autismo. Eles também analisaram as interações de rede entre as proteínas associadas às conexões cerebrais atípicas e procuraram por proteínas que pudessem servir como um hub. A oxitocina, uma proteína previamente ligada a interações sociais positivas, era uma proteína central no subgrupo de indivíduos com maior comprometimento social, mas comportamentos repetitivos relativamente limitados. Estudos analisaram o uso de oxitocina intranasal como terapia para pessoas com autismo com resultados mistos, apontou Buch. Ela disse que seria interessante testar se a terapia com oxitocina é mais eficaz nesse subgrupo.
“Você poderia ter um tratamento que está funcionando em um subgrupo de pessoas com autismo, mas esse benefício desaparece no estudo maior porque você não está prestando atenção aos subgrupos”, explicou o coautor Logan Grosenick , professor assistente de neurociência em psiquiatria na Weill Cornell Medicine, pioneiro no uso do aprendizado de máquina para subtipagem biológica nos estudos de autismo e depressão.
A equipe confirmou seus resultados em um segundo conjunto de dados humanos, encontrando os mesmos quatro subgrupos. Como verificação final dos resultados da equipe, um levantamento imparcial mostrou que outros estudos conectaram independentemente os genes ligados ao autismo com os mesmos traços comportamentais associados aos subgrupos.
Em seguida, a equipe estudará esses subgrupos e possíveis tratamentos direcionados a subgrupos em camundongos. Colaborações com várias outras equipes de pesquisa que possuem grandes conjuntos de dados humanos também estão em andamento. A equipe também está trabalhando para refinar ainda mais suas técnicas de aprendizado de máquina.
O Globo