Pesquisa dos Estados Unidos mostra que quatro biomarcadores presentes no sangue refletem maior sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Monitorar algumas substâncias específicas no sangue de pessoas com fibrilação atrial, um tipo de batimento cardíaco irregular, pode ajudar a identificar quem está em risco aumentado de sofrer um AVC (Acidente Vascular Cerebral), mesmo que essa pessoa já tome medicamentos para afinar o sangue e evitar o risco de um evento cardiovascular, sugere uma pesquisa apresentada no mês passado durante uma conferência de Epidemiologia, Prevenção, Estilo de Vida e Saúde Cardiometabólica da Associação Americana do Coração, nos Estados Unidos.
De acordo com a pesquisa, quatro biomarcadores presentes no sangue de pacientes com fibrilação atrial que refletem maior sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação podem estar associados ao aumento do risco de AVC. Dessa forma, monitorar esses marcadores em exames de sangue de rotina poderia ser mais uma ferramenta para identificar quais pacientes estão em risco e se beneficiariam com um tratamento preventivo adicional.
A fibrilação atrial é a arritmia cardíaca mais comum na prática clínica e a sua incidência aumenta com a idade. Estima-se que 2% da população adulta tenha fibrilação atrial e esse número pode chegar a 12% nas pessoas com mais de 80 anos. De acordo com o cardiologista Humberto Graner, do Hospital Israelita Albert Einstein em Goiânia, a fibrilação atrial é caracterizada pelo batimento acelerado e irregular dos átrios cardíacos, o que pode levar à ineficiência no bombeamento do sangue.
O risco do AVC existe porque as duas câmaras superiores do coração desses pacientes (os átrios) ficam tremendo, em vez de se contraírem totalmente, o que acaba interferindo na capacidade de o coração bombear o sangue de forma adequada para as câmaras inferiores do órgão. O problema é que o sangue que não foi bombeado de maneira correta pode se acumular e formar coágulos. Estes, por sua vez, podem escapar e migrar pela corrente sanguínea, causando um AVC isquêmico – aquele que acontece quando os vasos que irrigam o cérebro entopem, interrompendo a circulação sanguínea na área.
“É justamente por essa razão que a maioria das pessoas com fibrilação atrial, sobretudo os mais idosos ou que possuam outras comorbidades, precisa tomar anticoagulantes por toda a vida, com o objetivo de prevenir esses eventos tromboembólicos”, explica o médico.
De acordo com o cardiologista, a fibrilação atrial pode ser controlada, mas frequentemente é considerada uma condição crônica. “Existem estratégias para o manejo, que incluem o controle do ritmo ou da frequência cardíaca e, em alguns casos, procedimentos como ablação por cateter podem restaurar o ritmo normal do coração de forma sustentável, o que alguns podem considerar uma ‘cura’. No entanto, mesmo após a ablação, alguns pacientes talvez precisem continuar a terapia com anticoagulantes para prevenir o AVC, especialmente se tiverem outros fatores de risco”, alerta.
Nem sempre usar os anticoagulantes continuamente é o suficiente para evitar que a pessoa sofra um AVC. Foi por isso que os cientistas decidiram investigar se havia outra forma de identificar o risco aumentado e tentar evitar que o evento aconteça, já que o AVC é uma das principais causas de internações, morte e incapacidade permanente em todo o mundo.
“Os anticoagulantes reduzem o risco de AVC entre 60 e 70% em pacientes com fibrilação atrial. Não existe um anticoagulante perfeito, que nos previna 100% de um AVC. Por isso existe a preocupação com esse risco residual. Ou seja, mesmo os pacientes que fazem uso adequado da medicação e realizam um acompanhamento clínico regular com o cardiologista podem ter um AVC isquêmico decorrente de um trombo que teve origem no coração”, diz Graner.
O que mostra o estudo
Na pesquisa, os cientistas avaliaram 713 adultos com mais de 45 anos (média de 76 anos) que tinham fibrilação atrial e usavam anticoagulantes orais no início do estudo, mas sem histórico de AVC. Nove biomarcadores sanguíneos foram medidos. Os resultados apontaram que 9% (67) dos participantes tiveram um AVC isquêmico pela primeira vez ao longo de 12 anos de acompanhamento e houve associações positivas de quatro biomarcadores envolvidos na sobrecarga cardíaca, inflamação e coagulação.
De acordo com os pesquisadores, os coágulos sanguíneos parecem se formar mais facilmente em pessoas com níveis mais elevados desses biomarcadores, por isso identificá-las seria o primeiro passo para compreender o que mais pode ser necessário fazer, como o uso de outros medicamentos e até procedimentos.
Graner ressalta que, apesar do tratamento, o risco de AVC não é completamente eliminado e ele pode acontecer em pacientes com fibrilação atrial que usam corretamente os medicamentos prescritos, por exemplo, que tenham interações medicamentosas que reduzem a eficácia do anticoagulante ou até mesmo pela presença de outros fatores de risco vascular. “Além disso, há casos de AVC que ocorrem apesar da anticoagulação adequada, o que pode ser atribuído a mecanismos não completamente entendidos ou a limitações nos próprios anticoagulantes, o que chamamos de risco residual”, diz.
Segundo Graner, os biomarcadores testados na pesquisa não estão ligados ao AVC especificamente e, por isso, não costumam ser utilizados na prática clínica nesse sentido. Mas ele ressalta que alguns biomarcadores sanguíneos têm sido mais estudados e foram associados ao maior risco de AVC, como níveis elevados de D-dímero, troponina e peptídeo natriurético tipo B.
“O objetivo do estudo foi exatamente tentar encontrar algum marcador que, no contexto do paciente com fibrilação atrial e em uso de anticoagulantes, possa identificar aqueles com maior risco de AVC. A ideia é descobrir o que pode contribuir com esse risco persistente. Os custos e a complexidade dos testes variam, mas em geral são acessíveis”, afirma o cardiologista.
Apesar disso, o uso desses testes na prática clínica ainda é limitado, sobretudo porque a ciência ainda não sabe o que é preciso fazer caso algum dos biomarcadores esteja em níveis elevados. “Ainda não há nenhuma estratégia específica para lidar com essa informação. Devemos aumentar a dose do anticoagulante? Se aumentarmos a dose, o que acontece com o risco de sangramento? Haveria outro tratamento para diminuir o risco residual de ter um AVC, mesmo tratando certinho? Ainda não temos respostas para essas informações”, finaliza.