Pesquisa feita pela UFMG analisou o comportamento sedentário da população brasileira diante das telas entre 2016 e 2021
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Não há dúvidas de que as pessoas estão passando mais tempo em frente às telas, seja por necessidade, por trabalho ou por lazer. O problema é que cada vez mais, as horas que deveriam ser gastas em atividades de lazer estão sendo usadas em frente ao computador, celular ou tablet. A constatação é de uma pesquisa realizada pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG) e que foi publicada no American Journal of Health Promotion.
O estudo foi conduzido pelo Programa de Pós-Graduação em Saúde Pública da UFMG e teve como base os dados da pesquisa Vigitel (Sistema de Vigilância de Fatores de Risco e Proteção para Doenças Crônicas por Inquérito Telefônico), do Ministério da Saúde, referentes aos anos 2016 e 2021. Ao todo, foram analisadas mais de 265 mil entrevistas feitas no período com adultos com mais de 18 anos.
Segundo os resultados, o tempo de lazer gasto no grupo chamado CCT (celular, computador ou tablete) aumentou em média de 1,7 para 2 horas por dia no período analisado. Outro dado que chamou a atenção foi o aumento da frequência de adultos gastando 3 ou mais horas de lazer por dia em CCT, saltando de 19,9% para 25,5%.
De acordo com a pesquisa, esse uso prolongado intenso das telas nas horas de lazer foi relevante em todos os grupos sociodemográficos e mais comum entre as pessoas jovens, de 18 a 34 anos. A pesquisa mostrou ainda que o tempo médio assistindo TV manteve-se estável (de 2,3 para 2,2 horas por dia).
Segundo a pesquisadora Pollyana Costa Cardoso, responsável pelo estudo, o tempo de tela é uma das principais expressões do comportamento sedentário e, portanto, está associado a diversos desfechos adversos à saúde, especialmente relacionados às Doenças Crônicas Não Transmissíveis (DCNT), como o desenvolvimento de doenças cardiovasculares e diabetes tipo 2. Ela ressalta, entretanto, que comportamento sedentário é diferente de inatividade física.
“Comportamento sedentário é aquele enquanto estamos acordados com baixo gasto energético, quanto ficamos sentados ou deitados. Envolve diferentes tipos de atividades: assistir TV, usar celular, computador ou tablet, jogar videogame. Quando a gente entende esse conceito a gente também entende por que o tempo de tela é o principal indicador de comportamento sedentário”, destacou Pollyana.
Não existe ainda uma determinação do número de horas que seria considerado uso excessivo ou prolongado de telas baseado em alguma diretriz ou recomendação global. A definição desse tempo ainda está em discussão pela comunidade científica. Mas, segundo Pollyana, existem estudos que têm endossado e fortalecido achados de que a partir de 3 horas já temos um impacto importante nos desfechos desfavoráveis de saúde – por isso, esse foi o tempo usado como base no estudo.
Pollyana explicou ainda que existem quatro domínios de atividades que podem ser realizadas com o uso telas: lazer, trabalho, domicílio ou deslocamento – sendo que o estudo avaliou apenas o do lazer. “Avaliamos o tempo de tela no lazer, que é o tempo que a pessoa tem a possibilidade de escolher mudar o comportamento e decide ficar na tela. Além disso, o comportamento sedentário é tema central na agenda mundial de saúde pública”, explicou a pesquisadora, ao ressaltar que esse tipo de análise pode servir de apoio na elaboração e desenvolvimento de políticas de saúde pública para a redução do sedentarismo.
A pesquisadora afirmou também que tem percebido há algum tempo mudanças nos padrões de estilo de vida das pessoas envolvendo mudanças nos padrões de urbanização, de transporte, de forma de uso da tecnologia. Tudo isso, explica Pollyana, acabou aumentando o nosso comportamento sedentário.
“A gente mudou a forma de nos relacionar, de nos entreter, de nos informar. O uso das telas está cada vez mais forte, mais presente. Quando constatamos o aumento do uso de telas, com exposição prolongada, nós supomos que além dessa mudança no estilo de vida, a pandemia também potencializou essa mudança”, disse, ao ressaltar que o estudo incluiu análise de dois anos durante a pandemia e o impacto específico da pandemia será respondido em um outro estudo, prestes a ser publicado.
Para Pollyana, o resultado é preocupante porque o comportamento sedentário é considerado um dos maiores fatores de risco para as doenças crônicas não transmissíveis e ela reforça que esse é um comportamento potencialmente incentivado pelo menor acesso a outras opções de atividades de lazer.
“Os nossos números estão semelhantes aos de países de alta renda e essas semelhanças sugerem que esses comportamentos estão se espalhando de forma acelerada, inclusive de renda média, como é o caso do Brasil”, disse. “Tem outros impactos à saúde como um todo e por isso é tão importante estudos como esse para monitorar e apoiar sistemas de vigilância de saúde no país”, finalizou.