CAR-T: entenda o tratamento contra o câncerque usa células de defesa do próprio paciente


O método terapêutico é uma espécie de imunoterapia; tecnologia cria uma droga que ‘ensina’ o sistema imunológico a combater a doença.

Por Patrícia Figueiredo e Thais Szego, da Agência Einstein

Células CAR-T. Essas são responsáveis por uma terapia inovadora no combate ao câncer, que está sendo encarada por muitos especialistas como uma nova era na oncologia. A sigla CAR é proveniente da expressão em inglês “chimeric antigen receptor“, receptor quimérico (o que significa que houve a combinação de elementos diversos) de antígeno, em português. O “T” faz referência ao linfócito T, uma das principais células do sistema imunológico. Elas são unidas em laboratório, dando origem às CAR-T e, depois, são devolvidas ao corpo do paciente. Assim, o próprio organismo se transforma em um tratamento contra o câncer.

Segundo os especialistas, os efeitos colaterais tendem a ser mais controláveis, desde que haja equipes multiprofissionais bem treinadas. Além disso, como essas células modificadas permanecem ativas por muito tempo, elas agem a longo prazo e têm potencial para curar a doença.

O novo método terapêutico, que é um gênero de imunoterapia, é indicado para alguns tipos específicos de câncer sanguíneo, como a leucemia linfoblástica aguda (conhecida como LLA) de células B, os linfomas não Hodgkin e o mieloma múltiplo. Ele deve ser utilizado em pacientes refratários, ou seja, que não responderam bem a outros tratamentos.

“Estamos muito confiantes, pois é uma terapia que demonstra ser bastante promissora. Acredito que, após passar por todas as etapas necessárias, poderá vir a mudar o tratamento de alguns tipos de câncer”, destaca Gustavo Mendes, diretor de Regulatório, Controle de Qualidade e Estudos Clínicos do Instituto Butantan.

“O uso dessas células transformadas têm mostrado importantes resultados no combate de leucemias e linfomas refratários e é uma opção transformadora que vem ao encontro de uma grande necessidade não atendida”, afirma Lenio Alvarenga, diretor médico da Novartis no Brasil, empresa fabricante do Kymriah, nome comercial do tisagenlecleucel, primeiro produto desse tipo liberado pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o que ocorreu em 22 de fevereiro do ano passado. A aprovação do preço do medicamento pela Câmara de Regulação do Mercado de Medicamentos (CMED) veio mais tarde, em 05 de outubro do mesmo ano, e foi a última etapa para permitir a sua comercialização por aqui. Ele teve suas primeiras aplicações no país em janeiro de 2023.

Tratamento pouco acessível

Apesar de já estar disponível, o Kymriah ainda é inacessível para a maioria dos brasileiros: a droga está à venda no fabricante por mais de R$ 1,7 milhão sem o ICMS, que varia de estado para estado. O custo do tratamento completo, considerando as visitas ao hospital e a administração do tratamento, pode facilmente ultrapassar os R$ 2,5 milhões, estima Nelson Hamerschlak, coordenador do Programa de Hematologia e Transplantes de Medula Óssea do Hospital Israelita Albert Einstein.

Para tentar contornar o alto custo da imunoterapia, pesquisas que buscam viabilizar a produção nacional de drogas similares já estão em andamento em entidades públicas, como o Instituto Butantan, a Universidade de São Paulo (USP), o Instituto Nacional do Câncer e a Universidade do Ceará, assim como entidades privadas, como o Einstein. Em todos os casos, o financiamento é público, realizado por meio do Sistema Único de Saúde (SUS) e por agências financiadoras de pesquisa.

O Einstein obteve autorização da Anvisa em julho do ano passado para dar início à aplicação em seres humanos de células CAR-T produzidas em seu próprio laboratório. O processo é realizado localmente, sem a necessidade de enviar o material genético do paciente para um centro fora do país. Essa foi a primeira vez que uma organização hospitalar brasileira realizou esse tipo de procedimento e seu objetivo é tratar pacientes com linfomas de células B e leucemias linfocíticas agudas ou crônicas B.

Além de reduzir custos, a ideia é também diminuir o intervalo entre a coleta do material genético do paciente e o início da terapia para, no máximo, 12 dias. Atualmente, o processo industrial costuma demorar de 45 a 60 dias. “A primeira paciente recebeu as células em maio deste ano e foi super bemsucedida com o desaparecimento total do linfoma”, comemora Hamerschlak que coordena um dos poucos centros de tratamento credenciados no país para aplicar o remédio. “Atualmente, fizemos uma pequena modificação no protocolo para podermos usar células congeladas e estamos aguardando a aprovação da Comissão Nacional de Ética em Pesquisa (CONEP) para continuá-la”, diz.

Já o trabalho coordenado pelo Butantan é realizado em parceria com a Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FMUSP), a Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto (FMRP-USP) e o Hemocentro de Ribeirão Preto desde julho do ano passado. A iniciativa, batizada de Programa de Terapia Celular, ainda aguarda aprovação da Anvisa, mas prevê a participação de cerca de 80 voluntários com diagnóstico de linfoma difuso de células B refratárias.

Ambas as pesquisas são focadas em pacientes refratários, como são chamados aqueles que não responderam bem a outros tratamentos. No entanto, um novo estudo conduzido pela farmacêutica Janssen em parceria com o Einstein, A.C. Camargo Cancer Center e Hospital San Raphael testa a viabilidade do uso de células CAR-T em pacientes que não são elegíveis para transplante de medula após o tratamento medicamentoso inicial ou após seguir com a manutenção.

“Atualmente estamos com 13 pacientes incluídos no programa, dois estão sendo submetidos ao recurso terapêutico com CAR-T e cinco estão passando por quimioterapia prévia ao procedimento”, conta Michelli da Silva Diniz, gerenciadora de pesquisa clínica do Hospital. “O Cartitude-5 está de vento em popa aqui no Einstein e, por ser um estudo multicêntrico e multinacional, ainda não há resultados”, afirma Hamerschlak, que também participa do projeto.

Com todas essas iniciativas é provável que o método se popularize e chegue a quem precisa. “No futuro, a minha impressão é a de que, no setor privado e na saúde suplementar, a terapia gênica em breve vai entrar na rotina de uso clínico”, diz Hamerschlak. “E com esses avanços isso precisa ocorrer também na rede pública”, acrescenta.

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