Depois que as notificações foram desativadas, frequência com que os participantes checavam o telefone passou de 53 para 98 vezes por dia
Diversos estudos já ligaram o excesso de celulares à maior incidência de casos de depressão, ansiedade e estresse crônico. Por isso, para diminuir esse uso prejudicial, muitas pessoas adotam a estratégia de desligar as notificações – aquelas chamadas na tela, geralmente acompanhadas de um som, que sinalizam o recebimento de uma mensagem. No entanto, pesquisadores da Penn State University, nos Estados Unidos, descobriram que o efeito, na realidade, pode ser o contrário do esperado, ao menos a curto prazo.
A partir da análise de dados coletados sobre o tempo de tela de 138 usuários de telefones, foi constatado que todos os participantes da pesquisa passaram a utilizar mais os dispositivos quando eles foram colocados no modo silencioso. Em média, eles “checavam” os telefones 53 vezes ao dia quando os alertas estavam ativados, frequência que passou para 98 vezes após a intervenção.
“Imagine, na aula, o professor manda os alunos desligarem o celular, e achamos que agora todo mundo está prestando atenção nele. Mas, nossa pesquisa mostra que é o oposto, pois eles estão preocupados pensando em todas as coisas que estão perdendo, então pode ser ainda mais perturbador”, exemplifica um dos autores do estudo S. Shyam Sundar, professor de efeitos da mídia da Escola de Comunicação da universidade.
No estudo, os pesquisadores conduziram ainda testes de personalidade para avaliar participantes que se enquadravam no conceito de Fear of Missing Out (FOMO), que representa uma maior ansiedade provocada pela noção de estar “de fora” de acontecimentos importantes.
Os resultados da pesquisa mostraram que aqueles com níveis altos de Fomo checavam o celular cerca de 50 vezes durante o dia com os alertas ligados – frequência que mais que dobrou, para 120 vezes, quando as notificações foram silenciadas.
A doutora pelo Laboratório de Psicologia Experimental, Neurociências e Comportamento da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (LPNeC/UFRGS) Ana Carolina Peuker, fundadora da startup de saúde mental BeeTouch, explica de que maneira as notificações atuam para criar esse comportamento que prende a atenção do usuário.
— Nós sabemos que esses aparelhos são desenvolvidos justamente para aumentar a nossa atenção, a nossa disposição em utilizá-los. E o mecanismo é como se fosse na dependência química mesmo. Nós temos no cérebro um centro de recompensa que é responsável por reforçar comportamentos importantes para a nossa sobrevivência. Só que esse centro é ativado também com estímulos que representam uma novidade, como com os alertas dos aparelhos — afirma a especialista.
Ela pondera, no entanto, que o aumento no uso dos celulares como uma reação imediata da ausência de notificações – conclusão observada no estudo americano – é algo esperado dentro da psicologia, mas que não quer dizer que esse efeito será permanente.
— Existe uma teoria de que quando se extingue um determinado comportamento, há uma tendência natural para o aumento dessa resposta. Então, no momento que as notificações são desativadas, espera-se que aquela reação que estava condicionada à notificação, ou seja, o hábito de checar o celular, aumente. Mas, com o tempo, a tendência é para um enfraquecimento dessa resposta condicional, então seria importante avaliar essa intervenção por mais tempo — pontua a psicóloga.
Ela acredita, portanto, que a longo prazo o uso pode diminuir com as notificações desligadas. Porém, acrescenta que para usuários muito dependentes do celular, a extinção do hábito de uma hora para outra pode não ser a estratégia ideal.
Por isso, orienta que uma alternativa é entender quais notificações de fato precisam estar ativadas e customizá-las para que os alertas passem a acontecer com menos frequência, e não sejam completamente desativados. Essa é também uma recomendação dos pesquisadores responsáveis pelo estudo, que afirmam ainda ser importante considerar os níveis de Fomo na hora de traçar essa personalização.
Para os casos mais exacerbados, Ana Carolina explica que, como os dispositivos atuam no centro de recompensa do cérebro, uma forma de diminuir o uso dos aparelhos mais eficaz é trocar essa fonte de prazer por outras mais saudáveis.
— A resposta é sempre a ampliação do repertório comportamental. Se eu tenho apenas uma fonte de prazer, isso me torna mais suscetível a essa dependência. Então uma boa estratégia é investir em outras áreas, como relações sociais, esportes, lazer, que tragam essa sensação positiva, mas que não sejam ligadas à questão da hiperconectividade — diz a psicóloga.