Testes de laboratório realizados em pesquisa do Instituto de Física de São Carlos (IFSC) da USP mostraram que membranas de células tumorais de fígado têm mais facilidade de captar nanopartículas em comparação com células saudáveis. A importância da descoberta se deve ao fato de as nanopartículas serem usadas em medicamentos que levam até as células doentes substâncias para o tratamento de câncer e outras doenças, os nanofármacos. Assim, o estudo ajudará a aperfeiçoar a eficiência desses medicamentos. A pesquisa foi realizada pelo Grupo de Nanomedicina e Nanotoxicologia (GNano) do IFSC.
Nanofármacos são sistemas muito pequenos contendo nanopartículas e uma molécula ativa (fármaco) para o tratamento de uma determinada doença, como o câncer.
“A combinação desses sistemas pode aumentar a eficiência terapêutica se comparado ao fármaco sozinho”, explica Juliana Cancino Bernardi, pesquisadora sênior do GNano, que participou do trabalho. “Podemos aumentar ainda mais essa eficiência se direcionarmos esses nanofármacos apenas no alvo que queremos tratar, por exemplo, direcioná-los às células tumorais.”
O objetivo do estudo foi entender as diferenças do reconhecimento de células saudáveis e cancerosas quando um nanofármaco se encontra próximo delas. “Assim, poderemos utilizar essas diferenças na projeção da superfície desses nanofármacos para atuarem exclusivamente nas células cancerosas, aumentando assim sua eficiência terapêutica.”.
Esse direcionamento pode ser realizado através do recobrimento ou revestimento desses nanofármacos com membranas das células do tumor que se pretende tratar. “Nesse caso, haverá um microambiente igual entre o nanofármaco e o tumor, facilitando sua entrada nas células tumorais para que a terapia seja realizada”, relata Juliana.
De acordo com a pesquisadora do IFSC, o maior desafio atualmente é aumentar essa eficiência em termos de absorção dos fármacos oncológicos pelos tumores.
“Muitos tipos de tumores apresentam resistência à entrada de fármacos sozinhos”, destaca. “Quando desenvolvemos esses nanofármacos com membranas da própria célula que será tratada, ‘burlamos’ esse mecanismo de resistência, aumentando assim a eficiência terapêutica.”
Captando nanopartículas
Para a pesquisa, foram usadas células saudáveis e cancerosas do fígado. “Os estudos foram realizados in vitro, isto é, através da investigação dessas interações em culturas celulares”, descreve Juliana. “Porém, para uma investigação mais detalhada, utilizamos uma outra técnica chamada de monocamadas de Langmuir onde isolávamos as membranas dessas células e organizávamos estas em uma interface para observar as interações entre moléculas da membrana (lipídeos, proteínas e anticorpos) e nanofármacos.”
Os cientistas observaram que as membranas das células tumorais têm mais facilidade de captar nanopartículas, em comparação com células saudáveis. “Esse efeito deve-se à presença de biomoléculas que são expressas em maior quantidade na superfície das células tumorais”, ressalta a pesquisadora. “O que fizemos foi isolar a membrana da célula tumoral de fígado, isto é, com todas essas biomoléculas, e ao conduzir o experimento pudemos observar a maior interação dela com uma nanopartícula. Diferente da célula saudável, que não apresenta essas biomoléculas que facilitam essa maior interação com os nanofármacos.”
Juliana acredita que o procedimento poderá ter uma eficiência terapêutica bastante relevante em termos científicos. “Basicamente o nanofármaco funciona como uma ‘falsa’ célula que é introduzida no paciente, por exemplo, através de injeção, sendo imediatamente absorvida pelas células cancerosas presentes no tumor”, aponta. “Sessões de terapia fototérmica, com uso de laser no local, complementarão a destruição do tumor sem danos para as células saudáveis pois a interação do nanofármaco é maior em células cancerosas.”
Os resultados da pesquisa abrem portas para o desenvolvimento de nanofármacos à base de membranas celulares para a terapia de vários tipos de doenças, especialmente o câncer, enfatiza a pesquisadora. “Falamos aqui de uma medicina personalizada, com um tratamento personalizado”. O estudo é descrito no artigo Difference in lipid cell composition and shaped-based gold nanoparticles induce distinguish pathways in Langmuir monolayers response, publicado na edição on-line da revista científica Materials Today Commnications, no último dia 20 de novembro.
“Esta pesquisa ilustra perfeitamente a expertise do grupo, que atua em temas na interface entre nanotecnologia e medicina, manipulando nanopartículas para diagnóstico e terapia”, destaca o professor Valtencir Zucolotto, coordenador do GNano. “Esse estudo, em particular, pode ser muito útil para o design de nanofármacos, uma área de pesquisa relativamente recente e de grande relevância.” Além de Juliana e do professor Zucolotto, participaram do trabalho os pesquisadores do GNano Paula Lins, Valéria Marangoni e Henrique Faria.
(Com informações de Rui Sintra, da Assessoria de Comunicação do IFSC) Mais informações: e-mail jcancinobernardi@gmail.com, com Juliana Cancino Bernardi.
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