Pesquisa realizada pela Fiocruz ouviu 17 mulheres que vivenciaram esse tipo de violência; depressão e ansiedade são alguns dos impactos emocionais
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
A divulgação de imagens íntimas sem autorização afeta a saúde mental das mulheres. Depressão, ansiedade, dificuldades de se relacionar socialmente, problemas de autoestima, ideação suicida foram apenas alguns dos impactos relatados por mulheres que tiveram suas imagens vazadas, segundo uma pesquisa realizada pelo Grupo de Violência, Gênero e Saúde da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) de Minas Gerais. No Brasil, divulgar imagens de sexo, nudez ou pornografia sem o consentimento da pessoa é crime.
O estudo, realizado por meio do Programa de Pós-Graduação em Saúde Coletiva, avaliou os danos à saúde das mulheres que sofreram esse tipo de violência e também como são os cuidados necessários nessas situações. A pesquisa, de caráter qualitativo, foi conduzida pela socióloga e pesquisadora Laís Barbosa Patrocínio, que ouviu 17 mulheres de 18 a 62 anos que vivenciaram a violência, de todas as regiões do Brasil, e 10 profissionais da saúde envolvidos nesse tipo de atendimento. Os depoimentos foram colhidos no segundo semestre de 2020.
Às mulheres entrevistadas, Laís pediu que narrassem como foram produzidas e divulgadas as imagens íntimas, o modo como isso as afetou e se elas buscaram apoio. As entrevistas foram feitas por vídeo, com duração de cerca de 60 minutos cada. Houve situações em que a mulher participou da produção do conteúdo, em outras a mulher não sabia. As motivações da exposição também foram diversas.
Segundo Laís, as imagens divulgadas sem autorização não necessariamente envolviam nudez ou manifestações da sexualidade – mas expunham as mulheres de forma que provocou algum constrangimento ou consequência negativa na vida delas. A pesquisadora diz ainda que prints ou áudios de conversas de teor mais íntimo, retirados do seu contexto original, também fazem parte dos conteúdos vazados e que causam impacto na saúde mental.
“O formato da mídia não interessa. O que eu discuto nesse trabalho é a divulgação não autorizada da intimidade. A forma como a mulher vai ser exposta é muito conceitual. As vezes a imagem de um sutiã é o suficiente para ela ser massacrada”, explica. “Em um dos casos estudados, a mídia que vazou foi a foto das costas de uma das mulheres. Ela estudava em uma escola de elite e foi convidada a mudar de escola. Houve casos de exposição de momentos de uma mulher sob efeito de álcool ou durante uma discussão com o parceiro”, completa.
Danos à saúde mental
Ainda segundo a pesquisa, os danos gerados para a saúde mental das mulheres depois de serem expostas foram diversos, incluindo desde um abalo na autoestima até tentativas de tirar a própria vida. Das entrevistadas, pelo menos oito delas relataram ter procurado ajuda psicológica ou psiquiátrica após o evento. Para quem já tinha alguma pré-disposição emocional, a exposição da intimidade agravou ou desenvolveu.
“É o caso de distúrbios alimentares e estados depressivos; quem já tinha predisposições desenvolveu ou piorou. Outra consequência importante é o sentimento de culpa relatado pelas vítimas, que interfere no processo de busca de ajuda”, diz Laís.
De acordo com a pesquisadora, três fatores potencializaram essas práticas nos últimos anos: o acesso à internet portátil com os smartphones (antes tínhamos acesso à internet, mas ele era mais limitado); a produção dessas mídias com mais frequência (Laís ressalta que esse não é um problema, mas sim a divulgação não autorizada das imagens); e o uso cada vez maior das redes sociais (que possibilitam uma divulgação dos conteúdos de forma muito mais rápida).
Para a psicóloga Ana Lúcia Martins, coordenadora do Serviço de Psicologia do Hospital Israelita Albert Einstein, você tornar público um conteúdo íntimo de uma pessoa é um tipo de agressão e violência. “Existe um descompasso entre o que é culturalmente apregoado e o que é de fato aceito. Olhando os resultados da pesquisa, temos desde reações emocionais esperadas até a pessoa pensar em tirar a própria vida. Muito provavelmente porque algum aspecto que ali foi revelado é algo que a pessoa não consegue suportar na sua comunidade”, diz.
Ana Lúcia ressalta que a vida íntima é privada. E, mesmo que a imagem tenha sido feita com o consentimento da mulher, a divulgação também teria que ter a sua aprovação. “A gente entende essa situação como algo traumático do ponto de vista emocional. Eu imagino que muitos desses vazamentos são de imagens que foram produzidas de comum acordo entre os dois. Mas isso não incluía a divulgação. Aí entramos num aspecto de quebra de confiança e de sentimento de culpa da mulher por ter se permitido e por ter confiado”, diz a psicóloga.
“Qualquer dor emocional que não pode ser compartilhada e não pode ser dita, ela vai gerando um adoecimento e vamos vendo aumento de depressão e ansiedade. Ainda há muito julgamento moral e é preciso falar muito sobre isso”, finaliza Ana Lúcia.