Esclerose múltipla: Butantan identifica alvo para novo tratamento a partir de veneno de cascavel


O composto crotoxina, presente na toxina da cobra, evitou o desenvolvimento da doença em 40% das amostras tratadas de animais

O veneno da cascavel, cobra venenosa mais conhecida pelo chocalho em sua calda, é uma nova possibilidade no tratamento contra a esclerose múltipla (EM), doença em que o sistema imunológico extermina os nervos. É o que mostraram pesquisadores do Instituto Butantan em um novo estudo publicado na revista científica Brain, Behavior, and Immunity.

A crotoxina, presente no veneno do animal — estudado pelo Butantan há 20 anos — evitou o desenvolvimento da doença em 40% das amostras tratadas de animais. Foi descoberto, então, que o neurotransmissor acetilcolina estava por trás disso. Aqueles que não ficaram doentes apresentaram níveis aumentados de genes para receptores onde a acetilcolina atua, enquanto o outro grupo teve estes genes suprimidos.

“A acetilcolina é um neuromodulador do sistema nervoso central. Nós vimos que alguns receptores nessa via estavam diminuídos nos modelos animais que tiveram a doença, e aumentados naqueles tratados com crotoxina. Dados da literatura já mostravam uma diminuição de acetilcolina em pacientes com esclerose múltipla”, afirma a diretora do Laboratório de Dor e Sinalização do Butantan, Gisele Picolo, responsável pela pesquisa.

Em seguida, a equipe de cientistas utilizou um fármaco já comercializado contra Alzheimer, o qual a degradação da acetilcolina, pois a proteína encontrada no veneno é neurotóxica e não pode ser utilizada em tratamentos clínicos. O mesmo conseguiu aumentar o tempo de ação do neurotransmissor, o que ampliou a sua ação no sistema nervoso central.

Outro caminho encontrado pelos pesquisadores foi testar a crotoxina envolvida em uma nanoestrutura de sílica, desenvolvida pelo grupo do pesquisador Osvaldo Brazil Sant’Anna, para que a toxicidade fosse reduzida. Aplicado em dosagem única e mais alta, o tratamento conseguiu diminuir a intensidade da dor, preveniu a atrofia e a perda da função muscular nos animais.

A esclerose múltipla provoca um comprometimento motor generalizado, que também leva a um processo de dor crônica, pelas reações causadas por ela que afetam diretamente a bainha de mielina (a capa protetora dos axônios, prolongamentos de neurônios que conduzem os impulsos elétricos do sistema nervoso). Por isso, o próximo passo dos cientistas é descobrir se estes tratamentos conseguem minimizar estes danos chamados de desmielinização.

Veneno também age contra pressão alta

Pesquisadores da Unifesp e do instituto Butantan, com o apoio da Fapesp, encontraram no veneno da jararaca-de-barriga-preta, do Sul do Brasil, e da surucucu, presente em florestas da América do Sul, peptídeos (fragmentos de proteína) com possível ação anti-hipertensiva que podem dar origem a medicamentos contra condição e com menos efeitos colaterais.

Batizado de Bc-7a, identificado no veneno da jararaca-de-barriga-preta, também conhecida como Cotiara, apesar de fazer parte de uma proteína que causa hemorragia nas presas da serpente, sua função está mais próxima a de inibir a enzima conversora da angiotensina (ACE) e, com isso, reduzir a pressão arterial.

Por mais que já existam medicamentos que realizem a função de inibir a enzima, pesquisadores buscam novos tratamentos para reduzir os efeitos colaterais do tratamento, como tosse seca, tonturas e excesso de potássio no sangue.

No estudo da peçonha da surucucu, o que mais chamou a atenção dos pesquisadores foi o fragmento nomeado Lm-10a, assim como o encontrado na outra cobra, ele é um fragmento de toxina hemorrágica, com potencial de inibir a enzima conversora de angiotensina e, consequentemente, ter um possível efeito anti-hipertensivo.

A partir das análises, os pesquisadores sugerem que tanto Lm-10a, da surucucu, quanto Bc-7a, da cotiara, são frutos de processos de fragmentação que ocorrem durante a maturação do veneno, ainda nas glândulas de peçonha das serpentes.

JORNAL O GLOBO

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