Estudo global aponta 14 fatores de risco para demência; veja quais são


Nova lista de cientistas inclui dois novos problemas — déficit de visão e colesterol alto — entre outros já conhecidos; quase metade dos casos desse transtorno de memória, raciocínio e linguagem são evitáveis

Cerca de 45% dos casos de demência (o declínio de funções cerebrais como memória, raciocínio e linguagem) poderiam ser prevenidos se a população conseguisse eliminar um grupo de 14 fatores de risco, aponta um novo estudo.

O trabalho, que analisou a prevalência global dessa enfermidade mostra o quão associada ela está com outros problemas médicos ou comportamentos nocivos. Com a demência englobando uma série de problemas distintos, que incluem o Alzheimer e a demência fronto-temporal, mas também casos decorrentes de trauma cerebral e outros, a nova pesquisa mostra como a população pode evitar esses problemas de modo mais geral.

Além de avaliar com mais precisão o peso que fatores como déficit educacional, perda auditiva e isolamento social têm na ocorrência desses males cognitivos, os pesquisadores incluíram no mapa dois outros elementos: o colesterol alto e a perda visual. O trabalho está descrito em artigo na revista médica The Lancet.

Cada um dos fatores de risco emerge em fases distintas da vida e contribui um pouco mais para elevar a probabilidade de a demência ocorrer em algum momento. Vários dos problemas que elevam a propensão a doenças cardiovasculares valem também para a demência: obesidade, tabagismo, sedentarismo, álcool em excesso, poluição e diabetes. Um outro transtorno mental, a depressão, eleva também o risco de problemas cognitivos.

O resultado do trabalho, que buscou um consenso entre especialistas para entender correlação demência com elementos diversos, implica que quase metade dos casos da doença podem ser evitados, em teoria. O restante deles (55%) se devem a causas ainda pouco conhecidas ou a fatores genéticos.

“Essas descobertas dão esperança”, escreveram os cientistas, liderados pela psiquiatra Gill Livingston, do University College de Londres. “Embora mudar seja difícil e algumas correlações possam ser apenas parcialmente causais, nossa nova síntese de evidências mostra como os indivíduos podem reduzir seu risco de demência e como intervenções em políticas públicas podem melhorar a prevenção.”

Apesar de as demências terem uma prevalência maior tipicamente em países ricos com proporção maior de idosos, há grande preocupação com as nações em desenvolvimento. À medida que algumas delas se desenvolvem mais, a população está vivendo mais e se tornando mais propensa ao Alzheimer o outras formas de declínio cognitivo.

O trabalho da comissão identificou que os países mais pobres fazem um trabalho de prevenção pior e têm uma parcela maior de casos “evitáveis” em meio à prevalência geral de demências. Segundo a psiquiatra Cleusa Ferri, professora da Universidade Federal de São Paulo e coautora do estudo, isso é válido também para o Brasil.

— Na versão anterior do trabalho da comissão do Lancet para demência, de 2020, o estudo ainda não incluía os dois fatores de risco novos (colesterol e perda visual), mas já era possível ver isso nos outros 12 fatores — conta a cientista. — Enquanto mundialmente esses fatores explicavam 40% dos casos, no Brasil, eles explicavam 48%.

Ferri integra um grupo que está aconselhando o Ministério da Saúde agora em políticas para o setor e diz que deve rever esses números com os dados novos do Lancet e fazer um recorte para a população brasileira. É possível que mais da metade das ocorrências de demência no país venham a se revelar como evitáveis.

No novo estudo do Lancet, os pesquisadores listam não só os fatores de risco, mas as medidas de políticas públicas que ajudam a contribuir para reduzir a prevalência de demências na população. A lista inclui desde combate ao alcoolismo e ao tabagismo, passando por programas de estímulo a atividades físicas e intelectuais, e culmina com um apelo para melhora da educação básica: o fator que pesa durante a vida toda na probabilidade de problemas cognitivos emergirem num indivíduo.

Alguns outros fatores emergem tipicamente em outras fases da vida, como o sedentarismo, que costuma afetar mais os adultos, e o isolamento social, que afeta mais a atividade dos idosos.

“Abordagens de prevenção devem tentar diminuir os níveis de fatores de risco precocemente (ou seja, quanto mais cedo, melhor) e mantê-los baixos ao longo da vida”, escrevem Livignston e colegas. “Embora atacar fatores de risco num estágio inicial da vida seja desejável, também há benefícios em abordar o risco ao longo da vida; nunca é muito cedo ou muito tarde para reduzir o risco de demência.”

Cérebro e coração

A maioria dos problemas que elevam a probabilidade de demências pode ser agregada em dois grupos.

O primeiro deles é o que tem sobreposição com problemas cardiovasculares, como colesterol e obesidade, o que reforça o ditado popular entre médicos de que “o que é bom para o coração, é bom para o cérebro”.

O outro grupo engloba problemas como perda visual e auditiva (total ou parcial), isolamento social e baixa escolaridade. Esses elementos podem atrapalhar a capacidade da pessoa de absorver informação e processar estímulo cognitivo, ou seja, de “exercitar” o cérebro.

“Todas as crianças devem receber educação, e uma educação de longa duração é benéfica”, afirma o estudo. “É importante a pessoa estar ativa cognitivamente, fisicamente e socialmente enquanto é adulta e idosa, e há novas evidências mostrando que atividade cognitiva no meio da vida faz diferença mesmo para pessoas com baixa escolaridade.”

Segundo Ferri, da Unifesp, uma medida importante de políticas públicas para melhorar a prevenção das demências é educar o público para as causas e sintomas do problema. Atingir uma taxa confiável de diagnósticos é importante, ela diz.

— São mais conhecidos das pessoas os fatores de risco para doenças cardiovasculares, infarto, diabetes e hipertensão do que para demência — diz a psiquiatra. — Existe muito subdiagnóstico no Brasil, em parte por causa da falta de treinamento de profissionais da saúde, mas em parte é por causa da falta de conhecimento da população sobre o que é demência.

JORNAL O GLOBO

 

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