Pesquisadores dos EUA mostram que chance é maior para quem faz procedimento com frequência; médicas alertam para a importância de evitar substâncias tóxicas, como formol, que é proibido no Brasil.
Por Patrícia Figueiredo, da Agência Einstein
Uma pesquisa realizada nos Estados Unidos mostrou que mulheres que usam produtos químicos para alisamento capilar apresentaram um risco ligeiramente maior de desenvolver câncer de útero do que aquelas que não alisam o cabelo.
O estudo, publicado no periódico Journal of the National Cancer Institute, não comprovou uma relação de causalidade, ou seja, não concluiu que os produtos provocam câncer, mas mostrou que eles podem levar a um risco aumentado para a doença.
Os pesquisadores do Instituto Nacional de Ciências da Saúde Ambiental (NIEHS, na sigla em inglês) acompanharam um grupo de 34 mil mulheres por um período de mais de 10 anos. No entanto, a pesquisa não avaliou se o risco é diferente de acordo com a substância usada no alisamento.
No Brasil, o câncer de útero é o sétimo mais comum entre mulheres, segundo dados do Instituto Nacional de Câncer (Inca) para 2022. Diferente do câncer do colo do útero, o uterino atinge o corpo do útero, e é mais comum após o início da menopausa.
“Trata-se de um tipo de câncer que ocorre dentro do corpo do útero, e costuma ser diagnosticado mais precocemente do que o câncer do colo do útero. Ele é curável em até 90% dos casos, quando diagnosticado nos estágios iniciais”, explica Vanessa Alvarenga, ginecologista especializada em cirurgia no Hospital Israelita Albert Einstein.
Para a especialista, o estudo realizado nos Estados Unidos, que foi o primeiro a estabelecer uma associação entre o uso de produtos alisantes e o câncer uterino, acende um sinal de alerta para as mulheres que fazem procedimentos de alisamento com muita frequência.
“O artigo destaca que o fator de risco aumenta muito em pacientes que relataram ter feito alisamento mais de quatro vezes nos últimos meses. Então, se a paciente faz alisamento, é importante tentar fazer com intervalos maiores, se possível, porque o estudo mostra que o risco está completamente relacionado à frequência”, diz Alvarenga.
O aumento no risco entre as mulheres que fizeram alisamentos com menos frequência não foi considerado significativo pelos pesquisadores, o que reforça a preocupação com o intervalo em que são feitos esses procedimentos.
Já entre as mulheres participantes do estudo que não fizeram nenhum tipo de alisamento nos 12 meses anteriores à pesquisa, o risco de desenvolver câncer uterino antes dos 70 anos de idade foi de cerca de 1,64%. Já entre as mulheres que realizaram o procedimento mais de quatro vezes nos 12 meses anteriores, o risco foi consideravelmente maior, com mais de 4% de incidência.
Embora seja menos comum do que outros tipos, os casos de câncer uterino têm aumentado em vários países nos últimos anos. No Brasil, dados do DataSUS mostram que os diagnósticos de “neoplasia maligna do corpo do útero” subiram 140% entre 2013 e 2021. Em 2020, houve uma leve queda em relação a 2019, que pode estar relacionada à redução dos atendimentos de oncologia durante a pandemia de Covid-19. No entanto, em 2021, o número voltou a subir, e chegou a 7.168 diagnósticos em todo o país.
Nos Estados Unidos, também houve aumento de casos nos últimos anos. O crescimento foi mais acentuado entre mulheres negras e de origem latina, o que pode reforçar a possível relação entre a doença e o uso de produtos para alisar o cabelo. Dados do Instituto Nacional do Câncer (National Cancer Institute, em inglês) do país, publicados em maio de 2022, mostram que a mortalidade por câncer uterino é duas vezes maior em mulheres negras, em comparação com outros grupos. No estudo do NIEHS, 60% das participantes que reportaram fazer alisamento no cabelo eram negras.
“Os efeitos adversos à saúde associados ao uso do alisador podem ser mais importantes para mulheres negras devido à maior prevalência e frequência de uso desses produtos, à idade mais jovem de início do uso e às formulações químicas mais agressivas do que as mais usadas por outros grupos”, afirmam os pesquisadores no estudo.
A ideia da pesquisa foi baseada em um dos principais fatores de risco para o câncer uterino: o desequilíbrio hormonal, principalmente de estrogênio e progesterona. Uma das hipóteses que os pesquisadores buscam investigar é a de que produtos químicos que alteram ações hormonais, como é o caso de algumas substâncias usadas nos cabelos, poderiam levar a um risco maior deste tipo de câncer.
A pesquisa, no entanto, mostrou que não houve risco maior entre mulheres que fizeram uso de tintura ou de produtos químicos para enrolar o cabelo: só os produtos para alisamento ou relaxamento capilar tiveram resultados diferentes.
Alisamento capilar
Embora seja o primeiro estudo a estabelecer uma conexão entre alisamento e câncer uterino, a pesquisa não detalhou quais produtos usados no cabelo podem trazer riscos. Para a ginecologista, este deve ser o próximo passo dos cientistas nas próximas pesquisas sobre o assunto.
“Para estabelecer uma relação de causalidade, ou seja, para saber se o alisamento foi o que causou o câncer, teria que fazer um estudo randomizado, expor as pacientes a diferentes substâncias e aí avaliar quem desenvolveu a doença. Esse desenho deste estudo atual é mais fácil para descobrir se é um fator de risco. Então, a gente pode dizer que o alisamento é, sim, um fator de risco, mas não sabemos se ele é um agente causador, nem quais substâncias são as mais perigosas”, explica Alvarenga.
Apesar da importância da pesquisa realizada nos Estados Unidos, outros estudos ainda devem confirmar os achados e avançar na tentativa de entender os riscos dos alisamentos capilares. É o que afirma a médica Fabiane Mulinari Brenner, coordenadora do departamento de cabelo e unhas da Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD).
“Esse estudo é um alerta inicial, e talvez para pacientes que têm mais fator de risco a gente sugira reduzir os procedimentos. Sempre que a gente vê esses estudos de risco, eles servem como um alerta, mas precisamos ter novas pesquisas no futuro para demonstrar esse mesmo resultado”, avalia a dermatologista.
Embora a pesquisa não tenha detalhado quais são as substâncias usadas nos alisamentos, os cientistas já sabem que algumas delas não devem ser utilizadas no cabelo sob nenhuma hipótese. É o caso do formol, que teve o uso proibido no Brasil em 2008. Ainda que banido pela Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), o formol ainda é usado, ilegalmente, em alguns salões de beleza.
“O formol está proibido para uso em alisantes desde 2008, mas a gente sabe que em alguns salões a gente ainda vê o uso do formol, de maneira irregular, são alisamentos que são ‘batizados’ com formol. A gente tem esse agravante no Brasil, porque no mundo inteiro o formol não é mais usado para alisamentos, mas aqui ele ainda aparece de forma indevida”, diz Brenner.
De acordo com a médica, o uso de formol já foi associado a um maior risco de tumores nas vias aéreas, pela inalação da substância, e também pode causar irritações na pele.
A ginecologista lembra que, muitas vezes, os produtos usados por cabeleireiros que fazem alisamentos não são comunicados à clientela – e assim muitas mulheres podem acabar expostas aos produtos que oferecem mais risco.
“O que gera muita ansiedade é que, hoje em dia, a gente usa produtos químicos nos cabelos, mas não sabemos quais são os ingredientes. No geral, não fica muito claro para a cliente qual é a formulação que foi usada”, explica Alvarenga.
Prevenção e tratamento
O câncer uterino, também conhecido como câncer do corpo do útero, se origina no endométrio, que é o revestimento interno do órgão. Embora possa atingir mulheres de qualquer idade, ele é muito mais comum após a menopausa, quando ocorre em 75% dos casos.
Diferente do câncer do colo do útero, que pode ser causado pelo Papilomavírus Humano (HPV), o câncer uterino é geralmente ligado a um desequilíbrio hormonal. Por conta disso, um dos principais fatores de risco para esta doença é o uso de estrogênio para reposição hormonal após a entrada na menopausa. Quando essa reposição é feita sem acompanhamento médico, ela pode gerar um desequilíbrio hormonal.
“A obesidade, a diabetes e a hipertensão também são consideradas fatores de risco para o câncer uterino, especialmente quando ocorrem na época em que a mulher está entrando na menopausa. Por isso é importante, para a prevenção, evitar essas condições e adotar um estilo de vida mais saudável”, explica Alvarenga.
O principal sintoma deste tipo de câncer é a ocorrência de sangramentos vaginais em mulheres que já se encontram na menopausa. O diagnóstico é feito, geralmente, por meio de exames de imagem ou de biópsia do endométrio.
O tratamento, na maioria dos casos, consiste em uma cirurgia chamada histerectomia, que consiste na retirada de útero, ovários e trompas. Em alguns casos, sessões de radioterapia ou quimioterapia podem ser indicadas para complementar o tratamento.