Nível de carga viral alto, presença de autoanticorpos, reativação do vírus Epstein-Barre ter diabetes tipo 2 são fatores que, sobrepostos e cruzados, parecem influenciar na condição
Por Carolina Kirchner Furquim, da Agência Einstein
Uma das muitas dúvidas sobre a covid longa é sobre quem são os pacientes mais propensos a desenvolvê-la, experimentando sintomas físicos, neurológicos ou cognitivos que permanecem por meses após a infecção pelo coronavírus. Em um novo estudo publicado na revista científica Cell, uma equipe de pesquisadores acompanhou mais de 200 pacientes por cerca de três meses após o diagnóstico e encontrou quatro fatores biológicos que podem ser identificados no início da infecção por coronavírus e que pareciam se correlacionar com o aumento do risco de se ter sintomas duradouros.
Segundo os pesquisadores, as descobertas podem sugerir maneiras de prevenir ou tratar alguns casos de covid longa, incluindo a possibilidade de dar a esses pacientes medicamentos antivirais logo após o diagnóstico da infecção. Os resultados, contudo, precisariam ser verificados por mais pesquisas. “Espera-se que, se forem realmente confirmados, a medicina poderá projetar intervenções para melhorar a qualidade de vida desses pacientes”, diz o médico reumatologista Sebastião Cezar Radominski, professor dedo curso de Medicina da Universidade Federal do Paraná (UFPR) e diretor do Centro de Estudos em Terapias Inovadoras (CETI).
Que fatores são esses?
Os fatores biológicos identificados pelos pesquisadores são:
- O nível de RNA do SARS-Cov-2 no sangue no início da infecção, um indicador de carga viral;
- A presença de certos autoanticorpos (como os direcionados especialmente contra o receptor de ligação do SARS-Cov-2 na proteína spike), que são anticorpos que atacamos tecidos do corpo, como fazem em condições como lúpus e artrite reumatoide, por exemplo, segundo o especialista;
- Um terceiro fator é a reativação do vírus Epstein-Barr, que infecta a maioria das pessoas, geralmente quando são jovens, ficando depois adormecido;
- O fator final é ter diabetes tipo 2, ainda que essa seja apenas uma das várias condições médicas que supostamente aumentam o risco de covid longa.
Um dos objetivos do estudo, segundo os pesquisadores envolvidos, é dar esperança a pacientes que relatam estar cansados o tempo todo e recebem orientações generalizadas e não muito úteis para o quadro que apresentam. O grupo primário de pacientes incluiu 209 pessoas, com idades entre 18 e 89 anos, que foram infectadas com o coronavírus durante 2020 ou no início de 2021, alguns hospitalizados e outros atendidos apenas como pacientes ambulatoriais. Os pesquisadores analisaram sangue e amostras nasais no momento do diagnóstico, durante a fase aguda da infecção e também no segundo e terceiro meses seguintes.
O grupo foi pesquisado para cerca de 20 sintomas associados à covid longa. Desses, 37% relataram três ou mais sintomas de covid dois ou três meses após a infecção. Outros 24% relataram um ou dois sintomas, e 39% não relataram sintomas. Dos pacientes que relataram três ou mais sintomas, 95% tinham um ou mais dos quatro fatores biológicos identificados no estudo, quando diagnosticados com Covid-19.
O fator mais influente foi o dos autoanticorpos, que foram associados a dois terços dos casos de covid longa. Uma teoria é que pacientes com níveis mais altos de autoanticorpos têm níveis mais baixos de anticorpos protetores contra o coronavírus, possivelmente tornando-os mais vulneráveis a seguir por um caminho que leva a uma doença de longa duração. Cada um dos outros três fatores apareceu em cerca de um terço dos casos, e houve sobreposição considerável, com vários fatores identificados no mesmo paciente.
Uma conclusão foi ade que pacientes com altas cargas virais no início, geralmente desenvolviam covid por muito tempo, sugerindo que a administração de antivirais logo após o diagnóstico pode ajudar a prevenir sintomas a longo prazo ao eliminar rapidamente o vírus. O fato de alguns pacientes terem reativado o vírus Epstein-Barr também fez sentido, segundo os pesquisadores, uma vez que outras doenças também despertam esse vírus, e sua reativação foi associada a condições como a síndrome da fadiga crônica, à qual alguns casos de covid longa se assemelham.
A descoberta é especialmente importante ao se considerar a chance de dar antivirais ou imunoterapia a pacientes com Epstein-Barr reativado. “Dores por todo o corpo, como uma fibromialgia e outras manifestações musculoesqueléticas, além de insônia e até mesmo fibrose pulmonar, que já é um componente descrito em doenças como artrite reumatoide e esclerodermia, também têm sido vistas. Já falamos, inclusive, em fibrose da covid”, coloca Radominski, atualmente envolvido em um trabalho norte-americano sobre fibrose pulmonar derivada da Covid-19.
De modo geral, a pesquisa mostrou que os quatro fatores biológicos, cruzados e sobrepostos, sugerem que pode haver maneiras de prevenir a covid longa desde o início, gerenciando os sintomas desde quando são acionados pela primeira vez.
Uma das limitações do estudo, contudo, diz respeito ao pouco tempo de acompanhamento, uma vez que alguns pacientes, depois disso, podem melhorar espontaneamente com o tempo. “É importante ressaltar que ainda não há dados suficientes para alguns sintomas específicos. Sabemos, por exemplo, que a covid longa tem repercussões vasculares como a trombose, neurológicas e outras da otorrinolaringologia, que podem durar até seis meses. Alguns sintomas permanecem e outros vão cedendo, por isso mais estudos são fundamentais”, finaliza Radominski.