Fiocruz: jovens de 10 a 24 anos tiveram o maior aumento na taxa de autolesão e suicídio durante a última década no Brasil


Crescimento foi observado em todas as faixas etárias, porém de forma mais proeminente, no ritmo de 29% e 6% ao ano, respectivamente, entre os mais novos

A taxa de suicídios entre jovens brasileiros de 10 a 24 anos aumentou no ritmo de 6% ao ano na última década. O grupo apresentou o maior crescimento entre todas as faixas etárias – o aumento médio observado na população geral durante o período foi de 3,7% a cada 12 meses.

O mesmo foi observado na taxa de notificações por autolesões, que cresceu 29% ao ano entre os jovens, enquanto a média nacional foi de 21%. Os números são baseados em mais de um milhão de dados inseridos no Sistema de Informações sobre Mortalidade (SIM), no Sistema de Informações Hospitalares (SIH) e no Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan), todos do Ministério da Saúde, entre 2011 e 2022.

A análise é parte de um novo estudo, publicado neste mês na revista científica The Lancet Regional Health – Americas, conduzido pelo Centro de Integração de Dados e Conhecimentos para Saúde (Cidacs), da FiocruzBahia, em colaboração com pesquisadores da Universidade de Harvard, nos Estados Unidos.

“As taxas de notificação por autolesões aumentaram de forma consistente em todas as regiões do Brasil no período que analisamos. Isso também aconteceu com o registro geral de suicídios”, explica Flávia Jôse Alves, pesquisadora do Cidacs/Fiocruz e líder da investigação, em comunicado. “Estamos reforçando a necessidade de mais estratégias de prevenção ao suicídio ao trazermos estes resultados”.

O aumento das notificações de ambos os casos foi observado em todas as faixas etárias, embora de forma mais proeminente entre os mais jovens. Ainda assim, o estudo mostra que o grupo que concentra a maior proporção de ocorrências de suicídio em 2022 ainda era a faixa de 25 a 59 anos. Em relação a gênero, homens tiveram quatro vezes mais registros.

Já a maior proporção de notificações de autolesões foi encontrada na faixa etária de 10 a 24 anos. Os registros foram mais de duas vezes mais comuns entre mulheres, embora a taxa de crescimento entre homens tenha sido superior à média nacional (22%) durante a última década.

Os responsáveis pelo estudo destacam que o Brasil, e as Américas de um modo geral, tem vivido uma tendência inversa à observada em âmbito mundial. Na escala global, citam, o número de suicídios caiu 36% entre os anos 2000 e 2019. Já a região das Américas teve um crescimento de 17% no mesmo período – e o Brasil, de 43%.

Outro ponto abordado pela pesquisa foi a raça e etnia de ambas as notificações no país. Segundo os pesquisadores, embora exista um aumento em todas as classificações avaliadas (indígenas, pardos, descendentes de asiáticos, negros e brancos), a taxa de casos em 2022 era maior entre a população indígena – mais de 100 a cada 100 mil habitantes, contra uma média geral de 70 a cada 100 mil habitantes.

“Mesmo com maior número de notificações, a população indígena apresentou as menores taxas de hospitalização. Esse é um indício forte de que existem barreiras no acesso que essa população tem aos serviços de urgência e emergência. Existem diferenças entre a demanda de leitos nos hospitais e quem realmente consegue acessá-los, e isso pode resultar em atrasos nas intervenções”, pontua Jôse Alves.

A especialista aponta ainda que a pandemia da Covid-19 trouxe maiores reflexões sobre saúde mental e transtornos como ansiedade e depressão, mas que isso não se traduziu numa mudança na tendência de crescimento dos registros de suicídios no Brasil.

“Apesar de ter sido um dos países mais afetados pela pandemia, outras pesquisas já relataram que as taxas de suicídio no período se mantiveram estáveis. O principal aqui é que, independentemente da pandemia, o aumento das taxas foi persistente ao longo do tempo”, diz.

Os autores do estudo destacam que uma estratégia de prevenção importante é justamente o monitoramento dessas ocorrências para que o cenário do problema no país seja devidamente dimensionado, e assim seja possível pensar em medidas de fato efetivas para combatê-lo.

“O Brasil sai na frente nesse sentido, porque tem três diferentes bases de dados com essas informações, e elas podem ser usadas para revelar evidências que a gente pode não ver ao analisar um banco único”, cita a pesquisadora da Fiocruz em relação aos sistemas do Ministério da Saúde.

Por fim, eles apontam que trabalhos anteriores do Cidacs/Fiocruz já haviam associado esse aumento dos casos de suicídio e autolesão ao crescimento das desigualdades sociais e da pobreza e ao aumento da prevalência de transtornos mentais. Para os especialistas, o novo trabalho enfatiza a necessidade de mais políticas e intervenções públicas de saúde.

O GLOBO

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