Laura foi diagnosticada com leucemia linfoide aguda – o tipo mais comum de câncer na infância e que tem altas chances de cura quando descoberto precocemente
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Era segunda-feira, 6 de março deste ano, quando a pequena Laura Petry Piotto, de 7 anos, acordou se queixando de dores nas pernas para a mãe, Daniela GerentPetry Piotto, de 45 anos. Como o final de semana havia sido bastante agitado, com direito a passeio no shopping e festa de aniversário num buffet infantil, Daniela – que é médica pediatra e reumatologista – suspeitou se tratar apenas uma dor muscular, reflexo do final de semana. Fez uma massagem nas pernas da filha e foi trabalhar.
O que Daniela ainda não sabia era que as dores nas pernas de Laura indicavam que a menina estava com leucemia linfoide aguda (LLA) – o tipo de câncer mais comum em crianças e que foi descoberto em apenas três dias, graças à rápida atuação da mãe. Segundo o hematologista Nelson Hamerschlak, do Hospital Israelita Albert Einstein, a LLA pode se manifestar com dores ósseas, cansaço, palidez, manchas rochas pelo corpo, febre e infecções.
“No entanto, frente a estes sintomas, temos que pensar inicialmente em doenças não malignas que são muito mais comuns em crianças e costuma acontecer com um ou mais destes sintomas. A leucemia é uma doença rara, ocorre em 1 para cada 100 mil crianças”, ponderou o médico.
Daniela reconhece que o fato de ser médica a ajudou a suspeitar mais rapidamente dos sintomas da filha para buscar ajuda e chegar ao diagnóstico precoce. “Quando eu confirmei o diagnóstico de leucemia, perdi o chão. Chorei sem parar. Por isso, hoje falo que a Laura tem uma missão, que é a de chamar a atenção de outras famílias para esse sintoma”.
Como tudo aconteceu
Segundo Daniela, os primeiros sinais – ainda bastante inespecíficos – começaram no sábado, 4 de março, quando Laura teve uma diarreia. Como as duas haviam comido fora no dia anterior, Daniela pensou que seria apenas um desarranjo. No domingo, a menina estava normal, foi a uma festa de aniversário, brincou no pula-pula, correu, estava ativa. Na segunda pela manhã, surgiu a queixa da dor nas pernas.
No dia seguinte, na terça, Laura foi à escola normalmente, mas estava mais quietinha, não quis brincar com as amigas. Passou a tarde em casa, a maior parte do tempo sentada no sofá. Quando a mãe chegou do trabalho, nem correu para abraçá-la (uma reação rotineira na vida da família). A queixa agora era de frio e dor na região da mandíbula, perto do ouvido. Daniela mediu a febre, mas a temperatura da filha estava normal; avaliou a garganta e o ouvido de Laura e também não identificou nada. Um hematoma entre a coxa e o quadril da filha chamou a atenção, mas a criança disse que havia trombado em uma mesa na escola.
O sinal de alerta na madrugada
Foi durante a madrugada de quarta-feira que Daniela percebeu um sinal de alerta importante: Laura acordou por volta das 4h da manhã e chamou pela mãe, dizendo que estava novamente com muita dor nas pernas e não conseguia colocar os pés no chão.
“Eu, como médica reumatologista infantil, estou acostumada a lidar com casos de dor em crianças. E despertar de madrugada se queixando de dor não é normal. Muitas pessoas confundem e acham que é a dor do crescimento, mas crescer não dói”, contou.
Segundo Daniela, a chamada “dor de crescimento” geralmente acontece nas pernas e nos braços, de forma difusa, com duração variável, e dura de poucos minutos a algumas horas. Ela não impede a criança de brincar e andar e ocorre mais frequentemente no final do dia ou início da noite. Já a dor óssea, mais comum na leucemia, pode acontecer em qualquer parte do corpo, pernas, braços, mandíbula, costelas. É uma dor tão importante que desperta a criança na madrugada.
“Qualquer dor que muda o comportamento da criança deve ser investigada. Os pais conhecem seus filhos e devem seguir o feeling quando suspeitarem de algo”, disse.
Naquela noite, Daniela disse que deu um analgésico para Laura, fez uma nova massagem e a filha voltou a dormir. No dia seguinte, a menina não foi à escola. Não tinha dor nas pernas, mas também não estava ativa como normalmente. O desânimo da filha voltou a chamar a atenção de Daniela, que decidiu ir até um laboratório realizar uma série de exames, entre eles o de Covid-19, de influenza e de dengue, além de solicitar um hemograma.
“A gente sempre pensa primeiro em quadros virais, que são muito comuns na infância e causam sintomas parecidos. Eu jurava que era alguma doença causada por vírus, mas os exames vieram negativos. Ainda faltava o hemograma, mas eu não queria acreditar que pudesse ser leucemia. Era minha filha”, conta.
Presença de blastos
Assim que recebeu os resultados do hemograma, Daniela se desesperou: os leucócitos (células de defesa do sangue) estavam bem aumentados, as plaquetas estavam caindo e havia 35% de blastos na corrente sanguínea. Blastos são células imaturas, originadas na medula óssea, que se multiplicam rapidamente e não devem estar circulando no sangue periférico. A presença de blastos levanta fortemente a suspeita de leucemia, que deve ser confirmada com a realização de outros exames.
“Assim que vi o resultado do hemograma liguei para uma amiga e chorei. Só de ver os blastos aumentados eu já imaginei que era leucemia, embora isso não estivesse escrito formalmente no resultado. Receber esse diagnóstico foi muito punk como mãe e como médica. Eu sabia como seriam difíceis os próximos dois anos”, disse.
Internacionais e primeiro ciclo de quimio
Na quinta-feira, dia 9 de março, Laura já estava no hospital, desta vez para confirmar o diagnóstico de leucemia linfoide aguda (LLA) e iniciar imediatamente o tratamento com o primeiro ciclo de quimioterapia. Ao todo, foram 13 dias internada e uma mudança drástica na rotina: por causa da queda da imunidade induzida pelo tratamento, Laura teve de se afastar das aulas presenciais e não pode ter contato com muitas pessoas para evitar risco de infecções.
“Ter que se afastar da escola foi muito impactante para ela. Eu sou uma grande defensora de criança na escola, mas, nesse caso, infelizmente ela vai ter que estudar em casa. Pelo menos até o meio do ano, quando serão definidos os rumos do tratamento”, disse a mãe.
Daniela contou que Laura sabia que estava com leucemia, mas não que era um tipo de câncer. Descobriu no próprio hospital, lendo um livreto destinado às crianças com informações básicas sobre a doença e o tratamento.
“A primeira coisa que ela me disse foi: ‘mamãe, estou com câncer? Meu cabelo vai cair?’ e colocou a mãozinha na cabeça. Aquela cena me partiu o coração”, lembra a mãe. Ela explicou para a filha que leucemia é um tipo de câncer comum em crianças e que o tratamento provavelmente faria o cabelo cair, mas que logo nasceriam novos fios ainda mais lindos.
Segundo Daniela, os primeiros dois meses de tratamento são intensos. Laura está no primeiro deles, mas já apresentou melhoras no hemograma após o primeiro ciclo de quimio (não há mais blastos circulantes). O tratamento completo deve durar pelo menos dois anos. Apesar das angústias e medos, Daniela diz que está bastante confiante – o diagnóstico de Laura foi bastante precoce e as chances de cura ultrapassam os 90%. Ela ressalta, no entanto, a mensagem de que os pais devem ficar bastante atentos às dores e ao comportamento dos seus filhos.