
Syomara Cristina Szmidziuk atua há mais de 30 anos como terapeuta ocupacional e tem experiência no tratamento em reabilitação dos membros superiores em pacientes com lesões neuromotoras. Divulgação
por Syomara Cristina Szmidziuk
Ana sempre sonhou com a maternidade. Quando seu filho, Pedro, nasceu e foi diagnosticado com uma condição neurológica rara, sua vida mudou. Deixou o emprego, adaptou sua rotina e se tornou onipresente em cada etapa do desenvolvimento. Com o tempo, Ana foi esquecendo de si mesma. Seu mundo passou a girar apenas em torno dos cuidados, e o cansaço e a solidão se tornaram companhias constantes. Ana é um exemplo fictício, mas reflete a realidade de muitas mães atípicas: mulheres que precisam ser lembradas de que, para cuidar bem, é preciso, antes de tudo, cuidar de si.
Ser mãe atípica é atravessar uma transformação profunda na forma de ver o mundo e de se relacionar com a vida. Mulheres que têm filhos com deficiências intelectuais, físicas, transtornos do espectro autista ou síndromes raras se tornam, muitas vezes, mais do que mães: tornam-se cuidadoras constantes, presentes em todas as dimensões do desenvolvimento de seus filhos.
Essa dedicação é, sem dúvida, belíssima. O envolvimento ativo da mãe faz diferença decisiva no progresso, na reabilitação e na socialização da criança. No entanto, também é comum que a mulher, diante dessa entrega integral, acabe negligenciando suas próprias necessidades enquanto ser humano.
Uma das primeiras condições para que a mãe atípica não se perca de si mesma é contar com uma rede de apoio. No entanto, sabemos que nem sempre essa rede se concretiza. Segundo um levantamento realizado pelo Instituto Baresi, cerca de 78% dos pais abandonaram as mães de crianças com deficiências e doenças raras no Brasil antes que os filhos completassem cinco anos. Essa realidade impõe às mães uma sobrecarga emocional e física que precisa ser reconhecida.
Construir uma comunidade de apoio, especialmente com outros pais e mães atípicos, torna-se um pilar de autocuidado. Nessas relações de troca, é possível reencontrar a autoestima, redescobrir, a partir do exemplo de vivências de terceiros, possibilidades de vida social, de vida afetiva, sexual e de atenção à própria saúde física e mental.

Estar presente para si mesma é o que permitirá, a longo prazo, que a mãe atípica continue estando presente para seu filho Freepik
O cuidado físico também é essencial. Muitas mães que precisam erguer, carregar ou movimentar seus filhos desenvolvem lesões musculoesqueléticas ao longo dos anos. A intervenção da terapia ocupacional, tanto para a criança quanto para a mãe, faz diferença ao orientar estratégias de proteção ao corpo e adaptação de tarefas diárias, ajudando a preservar a autonomia e prevenir complicações de saúde.
Não menos importante é o acompanhamento psicológico. A sobrecarga emocional de quem cuida é intensa e acumulativa. Estresse, ansiedade, medo do futuro e de imprevistos na vida causarem sua ausência na vida da criança, são sentimentos frequentes que merecem acolhimento e tratamento.
Conhecer seus direitos
Outro ponto fundamental é o conhecimento dos direitos das mães atípicas. Recentes decisões do Tribunal Superior do Trabalho (TST) têm reconhecido, por exemplo, o direito à redução ou flexibilização da jornada de trabalho sem redução salarial para quem tem filhos com Transtorno do Espectro Autista (TEA).
Isso possibilita às mães negociar com seus empregadores formas de trabalho que respeitem sua condição de cuidadora. Benefícios sociais como o Benefício de Prestação Continuada (BPC) também são direitos importantes, que podem aliviar o peso financeiro, anda mais da mãe em situação de abandono.
Valorizar a própria existência é, portanto, uma estratégia de sobrevivência e resistência. Estar presente para si mesma é o que permitirá, a longo prazo, que a mãe atípica continue estando presente para seu filho, com a força e a ternura que esse papel tão singular exige.