Especialista alerta: “Em hospitais que tratam câncer, a biossegurança não pode ser simbólica — precisa ser real, diária e liderada”
Enquanto o mês de outubro mobiliza campanhas de conscientização sobre o câncer de mama, a atenção aos pacientes vai além dos exames e diagnósticos. Nos bastidores dos hospitais, uma outra barreira, muitas vezes invisível, pode ser decisiva para a recuperação de quem enfrenta a doença: a limpeza hospitalar.
Segundo dados da Organização Mundial da Saúde (OMS), 15% dos pacientes internados em países em desenvolvimento contraem algum tipo de infecção hospitalar. No Brasil, o número ultrapassa 1 milhão de casos por ano, resultando em milhares de mortes evitáveis — muitas delas em pacientes imunocomprometidos, como os em tratamento oncológico.
“Falamos tanto de cuidado durante o Outubro Rosa, mas a segurança de um paciente com câncer começa pelo básico: um ambiente limpo, seguro, controlado. Para quem tem a imunidade fragilizada, uma falha na limpeza não é detalhe é ameaça direta à vida”, alerta Thalita Bragança, enfermeira do trabalho e especialista em liderança de alta performance e desenvolvimento humano.
Em 2023, mais de 34 mil infecções de corrente sanguínea foram registradas apenas em UTIs brasileiras, segundo a SOBRASP (Sociedade Brasileira de Profissionais em Controle de Infecção). Isso demonstra como a limpeza, muitas vezes invisível, tem papel vital na contenção de surtos e na interrupção da cadeia de contaminação dentro de hospitais.
“Limpeza hospitalar não é estética, é estratégia de saúde pública. E como toda estratégia, depende de liderança. Não basta ter protocolo na parede, é preciso transformar biossegurança em cultura diária, especialmente em alas de oncologia, UTIs e centros cirúrgicos”, pontua Thalita.
Trabalhadores expostos, pacientes em risco
Além do impacto direto na segurança dos pacientes, a precarização das condições de trabalho das equipes de limpeza hospitalar também chama atenção. Um estudo da Fiocruz revelou que 38% dos profissionais de higienização hospitalar já sofreram acidentes com materiais perfurocortantes. A maioria atua em contato direto com material biológico, resíduos infectantes e superfícies contaminadas — muitas vezes, sem EPIs adequados.
“Não existe biossegurança real com equipes desprotegidas. Trabalhar sem EPI é trabalhar com medo e medo gera estresse, ansiedade, queda de desempenho. Isso afeta o profissional, a equipe e, no fim, o paciente. Equipamento de proteção não é gasto é respeito, reforça Thalita.
Descarte incorreto ainda é realidade no país
Outro fator negligenciado é o descarte inadequado de resíduos hospitalares, que amplia o risco de contaminação para além das unidades de saúde. Segundo dados da ABRELPE, mais de 30% dos resíduos de serviços de saúde foram descartados de forma incorreta em 2021, contaminando o solo, o ar, os lençóis freáticos — e afetando principalmente catadores, comunidades vulneráveis e o meio ambiente.
“Não é apenas um problema técnico. É uma questão ética. O descarte incorreto é uma ameaça silenciosa à saúde pública. Quem lidera um hospital e ignora isso está assumindo o risco de gerar surtos evitáveis”, diz Thalita.
Cultura de biossegurança começa na liderança
A Anvisa, por meio da RDC 222/2018, estabelece diretrizes rigorosas para limpeza, desinfecção, uso de EPIs e gerenciamento de resíduos em serviços de saúde. Mas, na prática, o cumprimento dessas regras ainda falha por um motivo comum: falta de liderança presente, treinada e comprometida.
“A biossegurança não depende só de técnica. Depende de comportamento. É o líder que garante que o protocolo saia do papel, que o treinamento seja constante, que o profissional da limpeza se sinta parte da missão de salvar vidas. E isso vale ainda mais em hospitais que tratam pacientes vulneráveis, como os do Outubro Rosa”, afirma a especialista.
Da invisibilidade ao protagonismo
Thalita destaca que os hospitais com os melhores indicadores de controle de infecção são justamente aqueles que integram a equipe de limpeza às decisões estratégicas: com treinamentos, reuniões de risco, feedbacks e reconhecimento profissional.
“Limpeza não é apoio. É núcleo de cuidado. E quem protege vidas todos os dias, em silêncio, merece respeito, visibilidade e liderança comprometida. O Outubro Rosa fala de prevenção e um hospital limpo é, talvez, a forma mais invisível e poderosa de prevenir complicações sérias em pacientes com câncer”, conclui.