Mulheres entre 35 e 54 anos são as maiores vítimas; médicos apontam que os hábitos de vida e a demora para buscar o auxílio influenciam o agravamento de casos
Por Thais Szegö, da Agência Einstein
No Brasil, a doença isquêmica do coração é a principal causa de morte entre as mulheres na faixa etária de 35 a 54 anos. É o que revela o Posicionamento sobre Doença Isquêmica do Coração – A Mulher no Centro do Cuidado, um documento da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) com dados referentes a 2023. A doença, segundo os especialistas, está relacionada à demora para procurar o atendimento médico e a um estilo de vida ruim. Apesar de ser a principal causa de morte, a taxa de mortalidade tem caído nos últimos 20 anos no país. De acordo com o levantamento, em mulheres, a incidência foi de 58,7 para 52,3% e, entre os homens, de 52,5 para 46,6%.
A doença isquêmica do coração acontece quando placas de gordura se acumulam nas artérias do órgão, prejudicando a chegada do sangue aos tecidos e fazendo com que faltem oxigênio e nutrientes nessas regiões do corpo. “Há poucas décadas era bastante raro vermos uma paciente apresentar angina (dor no peito provocada por deficiência transitória de fluxo em dada região do coração) ou infarto (quando o fluxo sanguíneo não é restaurado e ocorre a necrose ou a morte das células cardíacas) antes da menopausa, fase em que, na teoria, o coração está mais protegido pelos hormônios femininos”, explica a cardiologista Sofia Lagudis, do Hospital Israelita Albert Einstein.
As evidências indicam que mudanças no estilo de vida estão por trás do aumento dessas condições entre as mulheres. “Atualmente, elas têm um estilo de vida muito pior, o que leva ao agravamento de fatores de risco, como hipertensão arterial, obesidade, questões alimentares, colesterol elevado, tabagismo e pré-diabetes ou diabetes, e faz com que os eventos cardíacos estejam acontecendo mesmo antes da menopausa”, explica a médica.
Somam-se a isso fatores que podem agravar os males do coração: estresse extremo, transtorno de ansiedade, depressão, doenças autoimunes, artrite reumatoide, menopausa precoce, diabetes gestacional, uso de contraceptivos orais, síndrome dos ovários policísticos e efeitos do tratamento do câncer de mama.
Sobrecarga e a falta de autocuidado
A falta de autocuidado é um ponto que merece destaque quando se relacionam doenças isquêmicas do coração às mulheres. “O acúmulo de funções e o excesso de preocupações com a família tendem a fazer com que elas se coloquem em segundo plano quando o assunto é saúde”, diz a cardiologista Maria Cristina Izar, professora adjunta livre docente da disciplina de cardiologia da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp) e presidente da Sociedade de Cardiologia do Estado de São Paulo (Socesp).
“Embora sejam mais predispostas às doenças cardiovasculares, elas são menos submetidas a procedimentos para identificar obstruções nas artérias ou processos cirúrgicos para o seu tratamento”, acrescenta a médica, que ainda destaca que pesquisas descritas no posicionamento da SBC mostram que menos de 50% delas tomam remédio quando ele é prescrito pelo profissional de saúde.
Outra questão apontada pelas especialistas ouvidas pela Agência Einstein é que, muitas vezes, as mulheres sofrem mais complicações das doenças isquêmicas do coração porque são mais resistentes à dor e demoram para procurar ajuda. “Existem estudos que mostram que elas adiam a busca por auxílio médico quando sentem mal-estar e esse atraso pode causar o agravamento do quadro”, afirma a cardiologista do Einstein.
E, quando são atendidas, correm mais risco de não receberem o diagnóstico adequado, já que frequentemente apresentam sintomas que não são considerados típicos desse tipo de problema (dor no peito em aperto, que pode irradiar para braços, pescoço, costas e queixo). No caso delas, são mais frequentes palpitação, falta de ar ou dores em outras partes do corpo.
Detalhes anatômicos do coração feminino também contribuem para a maior mortalidade entre as mulheres. Isso porque suas artérias são mais finas e tortuosas do que as dos homens. Ou seja, uma placa de gordura do mesmo tamanho causará danos maiores em relação a um possível entupimento.
Além disso, a médica Sofia Lagudis explica que as doenças cardiovasculares nas mulheres não têm necessariamente a mesma causa. Uma angina ou um infarto, por exemplo, nem sempre são derivados de uma obstrução por placa de gordura. Em uma significativa parte dos casos, ele decorre de outros mecanismos que coletivamente são chamados de Minoca, sigla da expressão em inglês myocardial infarction withnonobstructive coronary arteries (infarto do miocárdio com artérias coronárias não obstrutivas, na tradução livre para o português).
“A dissecção de coronária (a ruptura do vaso), por exemplo, é uma causa de infarto que acontece principalmente nas puérperas e, se um médico não considerar essa possibilidade em uma jovem que não apresente os fatores de risco clássicos, como hipertensão, diabete e tabagismo, ele não irá diagnosticar e tratar a paciente de maneira adequada”, adverte Lagudis.
“Outro achado preocupante de estudos sobre o assunto é a significativa mortalidade feminina durante a cirurgia de revascularização do miocárdio, indicada quando há artérias obstruídas para criar um novo caminho para o sangue chegar ao coração, o que pode ser explicado pelo menor calibre de suas artérias”, acrescenta a docente da Unifesp. “Conforme as estatísticas, as pacientes submetidas ao procedimento apresentam mais complicações pós-operatórias, em comparação com os homens, sendo que as mais jovens, abaixo dos 50 anos, têm três vezes mais risco de morrer”, complementa.
Formas de prevenção
A receita para evitar que as doenças isquêmicas do coração continuem aumentando o número de vítimas é simples e vale igualmente para homens e mulheres: praticar atividade física, manter uma alimentação balanceada, não fumar e controlar os parâmetros de pressão arterial, colesterol e diabetes com exames regulares e acompanhamento médico. Combater a ansiedade exagerada e a depressão também é fundamental, segundo especialistas ouvidos pela Agência Einstein.
Como as mulheres são mais suscetíveis ao quadro, é vital que fiquem duplamente atentas aos sinais físicos e emocionais que possam deflagrar essas condições e não pensem duas vezes antes de procurar ajuda. A rapidez nesses casos pode fazer toda a diferença para evitar complicações e até a morte.
A atenção dos médicos em relação aos problemas cardíacos relacionados a elas também é importante. “As mulheres estão muito sub-representadas nos estudos clínicos que levam ao melhor conhecimento da doença cardiovascular, a suas ferramentas diagnósticas e ao melhor tratamento. Pesquisas desenhadas para a população feminina são muito necessárias e urgentes”, conclui a cardiologista do Einstein.