Novas pesquisas apontam que o risco de a mulher perder a vida não se encerra no pós-parto imediato e, por isso, os cuidados com a puérpera devem ser prolongados
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Por muito tempo se imaginou que o trabalho de parto e o nascimento fossem os momentos de maior risco para a mulher na gravidez. Mas novas pesquisas estão levantando algumas questões sobre essa suposição ao mostrar que os riscos de mortalidade materna continuam existindo por cerca de um ano inteiro após o parto, o que reforça a necessidade de um acompanhamento prolongado no pós-parto não apenas do bebê, mas da mãe também.
A Organização Mundial da Saúde (OMS) considera mortalidade materna os casos de mulheres que perdem a vida durante o período de gravidez ou em até 42 dias após o término da gestação. As principais causas são as complicações obstétricas que estão relacionadas ao período de gestação e ao puerpério, entre elas, a hipertensão (pré-eclâmpsia e eclampsia); hemorragia pós-parto; sepse/infecção; complicações do abortamento e disfunções em geral. A mortalidade materna tardia ainda é um debate recente, por isso, o foco ainda se concentra na realização de um pré-natal cuidadoso e acompanhamento da mulher somente nos primeiros dias após o parto.
O assunto voltou a ser destaque após a divulgação de um levantamento do CDC (Centro de Controle e de Prevenção de Doenças) dos Estados Unidos que aprofundou a análise das mortes maternas até um ano após o parto. O estudo constatou que para
cada mulher que morre no período considerado morte materna (na gestação ou até 42 dias após o parto), outras 50 a 70 continuam com problemas tardios de saúde que podem ser fatais ou se tornarem crônicos até o primeiro ano de vida do bebê, especialmente hipertensão, diabetes e problemas de saúde mental.
O levantamento do CDC teve como base informações fornecidas por 36 estados e são referentes a 1.018 mortes relacionadas à gravidez entre os anos de 2017 e 2019. Os dados mostram que 22% das mortes aconteceram durante a gravidez; 25% no dia do parto ou até uma semana após o nascimento; 23% acontecem de 7 a 42 dias após o parto e 30% dessas mortes aconteceram no pós-parto tardio, ou seja, 43 dias a um ano depois do nascimento da criança. Esse dado engloba um período que até então não era foco de pesquisas sobre mortalidade materna.
O CDC mostra também o risco de mortalidade materna tardia é 3,5 vezes maior em mulheres negras em comparação com as brancas e que os casos de suicídio e morte por uso de drogas ilícitas também aparecem como fator complicador nesse período, embora as doenças cardiovasculares tenham sido a principal causa de morte dessas mulheres.
Quarto período
De acordo com o pediatra Linus Pauling Fascina, gerente-médico do Departamento Materno Infantil do Hospital Israelita Albert Einstein, essa é uma preocupação que tem sido debatida na comunidade científica e os dados mostrados pelo CDC reforçam a necessidade de um acompanhamento mais próximo da mulher no período que os especialistas têm chamado de “quatro período” da gravidez (até um ano após o parto), com atenção especial àquelas mais vulneráveis, com histórico de problemas cardiovasculares, diabetes e de saúde mental.
“É preciso ampliar o período de acompanhamento das mães e, mais do que isso, é preciso iniciar esse monitoramento com o obstetra nos primeiros 15 dias depois do nascimento ou até antes, se a mulher apresentar sintomas. Tradicionalmente essa consulta costuma acontecer entre quatro e seis semanas depois do parto”, afirmou.
O levantamento aponta que cerca de 70% das mortes acontecem até 42 dias após o parto. Mas outros 30% se manifestam tardiamente e, segundo Fascina, ainda não costumam ser associados como uma possível complicação do período gestacional. E, segundo o CDC, estima-se que 80% dessas mortes maternas seriam evitáveis caso a mulher tivesse um acompanhamento rigoroso após o parto.
“Quando falamos em mortalidade materna, pensamos basicamente nos riscos associados ao período imediato do parto. Por muito tempo acreditamos que o fim da gestação interrompia os riscos. Mas o que temos visto é que a gestação pode ser um gatilho tardio para outras complicações. A mortalidade materna se estende por um período muito além do que estamos acostumados a monitorar”, disse.
Uma das explicações para a mortalidade materna tardia, além das doenças cardiovasculares, são os problemas de saúde mental – que por muito tempo foram deixados em segundo plano. Segundo Fascina, a saúde mental dessa mulher precisa ser monitorada e tratada.
Problema de saúde pública
A mortalidade materna no Brasil ainda é um problema crônico de saúde pública. A taxa de morte de mulheres na gestação ou em decorrência do parto mais do que dobrou durante a pandemia de Covid-19, saltando de 55 casos por 100 mil nascidos em 2019 para 113 casos por 100 mil nascidos em 2021, segundo os dados mais atuais do Observatório Obstétrico Brasileiro, com base nas informações do Ministério da Saúde.
Os índices atuais distanciaram ainda mais o Brasil de atingir o compromisso de redução de mortalidade materna firmado com a Organização das Nações Unidas (ONU) por meio dos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável (ODS). A meta firmada é a de reduzir a mortalidade materna para até 30 casos a cada 100 mil nascidos vivos até 2030. Os dados de 2022 ainda não estão consolidados, mas apresentam uma tendência de queda em comparação com 2021. No entanto, ainda estão longe do objetivo.
“Quando essa mãe morre, não podemos pensar que foi um caso em 100 mil. Esse caso representa 100% para aquela família, que fica destruída com a morte da mãe. Nós temos que trazer esse número para zero, mesmo com a OMS pedindo para que ele fique abaixo de 30 por 100 mil. São mortes por doenças evitáveis, preveníveis e tratáveis”, afirmou Fascina. “Precisamos zelar pelos primeiros mil dias de vida da mãe e do bebê”, completou o pediatra.