Para desmistificar o tema, pesquisa americana acompanhou mais de 3,2 mil pacientes por cerca de 15 anos
É um mito que as mulheres perdem o interesse pelo sexo depois da meia idade, de acordo com uma pesquisa americana que acompanhou mais de 3,2 mil pacientes por cerca de 15 anos.
“Cerca de um quarto das mulheres avaliam o sexo como muito importante, independentemente da idade”, disse Holly Thomas, autora principal de um resumo apresentado durante a reunião virtual anual da American Menopause Society em setembro de 2020.
“O estudo mostrou que um número substancial de mulheres ainda valoriza muito o sexo, mesmo quando envelhece, e que isso não é anormal”, continuou Thomas, professora assistente de medicina da Universidade de Pittsburgh.
“Se as mulheres podem conversar sobre o tema com seus parceiros e garantir relações sexuais satisfatórias e agradáveis, estarão mais propensas a avaliar a atividade como muito importante à medida que envelhecem”, explicou.
“Na verdade, é muito encorajador que para um quarto das mulheres o sexo não só permanece no radar como é muito importante em suas vidas”, completou a doutora Stephanie Faubion, diretora médica da American Menopause Society, que não esteve envolvida no estudo.
“Estudos como estes fornecem informações valiosas para os profissionais de saúde que, de outra forma, poderiam descartar a queda do desejo sexual de uma mulher, tratando-a como uma parte natural do envelhecimento”, comentou.
Quebrando mitos
É verdade que estudos anteriores descobriram que as mulheres tendem a perder o interesse pelo sexo com o passar da idade. Mas os especialistas em saúde da mulher dizem isso não corresponde à realidade que encontram no cotidiano.
“Alguns dos estudos anteriores sugeriram que o sexo vai ladeira abaixo e todas as mulheres perdem o interesse pelo sexo à medida que envelhecem”, disse Thomas. “Não é o que ouço de todas as minhas pacientes.”
Segundo ela, um dos problemas é que estudos anteriores tiraram uma amostra do desejo de uma mulher em um determinado ponto de sua vida e a comparavam com amostras semelhantes das últimas décadas de vida.
“Esse tipo de estudo longitudinal só mostra médias ao longo do tempo”, disse Thomas. “Se olharmos para a média, pode parecer que todos seguem um certo caminho”.
O estudo apresentado em 2020 usou um tipo diferente de análise que permitiu aos pesquisadores rastrear o desejo de uma mulher ao longo do tempo – no caso, por 15 anos.
Como as ideias sobre o sexo mudam com o tempo?
A pesquisa, que analisou dados de um estudo nacional multicêntrico chamado SWAN, que é um estudo nacional de saúde da mulher nos EUA, encontrou três caminhos distintos no sentido da importância do sexo na vida de uma mulher.
Pouco mais de um quarto das mulheres (28%) segue o pensamento tradicional sobre o assunto: valorizaram menos o sexo na meia idade.
Mas um quarto das mulheres no estudo disse o oposto. Cerca de 27% delas disseram que o sexo ainda é muito importante ao longo dos 40, 50 e 60 anos, uma contradição impressionante da crença de que todas as mulheres perdem interesse com o avanço da idade.
“O sexo é visto de forma diferente”, comentou a doutora Faubion, que é diretora do Centro de Saúde da Mulher da Clínica Mayo. “Ele não é visto da mesma forma aos 40 do que era aos 20 anos, e nem aos 60 em comparação com 40, e aos 80 em comparação com os 60 anos”, exemplificou.
“Pode haver algumas modificações que temos que fazer, mas as pessoas em geral saudáveis e vivendo boas relações ainda são sexuais.”
As mulheres do estudo que valorizavam o sexo compartilhavam as seguintes características: tinham bom nível de escolaridade, estavam menos deprimidas e tinham experimentado relações mais prazerosas antes de entrar na meia idade.
“As mulheres que tiveram sexo mais satisfatório quando tinham 40 anos eram mais propensas a continuar a valorizar muito o sexo à medida que envelheceram”, disse Thomas.
A especialista acrescentou que fatores socioeconômicos também podem influenciar nessa percepção. Por exemplo, as mulheres mais escolarizadas podem ter rendimentos mais elevados e se sentir mais estáveis nas suas vidas, com menos stress. “Com isso, elas têm mais espaço mental para fazer do sexo uma prioridade, porque não se preocupam com outras coisas”, afirmou Thomas.
O estudo encontrou outro fator importante para o baixo ou alto interesse: raça e etnia. As mulheres negras eram mais propensas a dizer que o sexo era importante para elas durante a meia idade, enquanto as orientais, de origem chinesa e japonesa, eram mais propensas a classificar o sexo como menos valorizado na mesma fase.
“Quero enfatizar que é muito mais provável que esse achado tenha a ver com fatores socioculturais do que a quaisquer fatores biológicos”, completou a doutora. “Mulheres de diferentes grupos culturais têm atitudes diferentes, diferentes níveis de conforto em relação ao envelhecimento e do que acham ‘normal’ para uma mulher continuar valorizando ao longo da vida”.
Quais fatores afetam o interesse sexual de uma mulher?
A maioria das mulheres (48%) caiu em um terceiro caminho: eles valorizaram uma vida sexual saudável quando entraram na menopausa, mas gradualmente perderam o interesse ao longo de seus 50 ou 60 anos.
Há uma série de fatores emocionais, físicos e psicológicos que podem afetar a forma como uma mulher vê o sexo, dizem especialistas. A maioria pode ser dividida em quatro categorias:
- Condições médicas
À medida que as mulheres entram na perimenopausa entre os 40 e os 50 anos, elas começam a sofrer alterações hormonais que podem tornar o sexo menos satisfatório ou até mesmo doloroso.
A queda de estrogênio faz com que a vulva e os tecidos da vagina se tornem mais finos, mais secos e mais fáceis de se ferir, sofrer contusões ou ficar irritados. A excitação pode ficar mais difícil. Ondas de calor e outros sinais da menopausa podem afetar o humor e a qualidade do sono, levando à fadiga, ansiedade, irritabilidade, confusão mental e depressão.
Muitas condições médicas podem surgir ou piorar durante a meia idade que também podem afetar a libido.
“Por exemplo: a pessoa tem doenças como artrite do quadril, que causam dor durante o sexo? Ou artrite na mão, que pode tornar difícil fazer sexo? Ou diabetes, que afeta as sensações? Ou mesmo uma doença cardíaca?”, elencou Faubion.
“Mas há modificações sobre as quais falamos o tempo todo para ajudar as pessoas a permanecerem sexuais, mesmo as pessoas com tetraplegia, por exemplo. Há maneiras de manter a sexualidade, apesar da deficiência”.
- Considerações mentais e emocionais
O componente psicológico do sexo pode ter uma grande influência nos níveis de desejo sexual de uma mulher. Um histórico de abuso sexual ou físico, problemas de vício em substâncias e depressão, ansiedade e estresse são fatores importantes nessa categoria.
“Eu sempre ressalto o impacto da ansiedade e do estresse no sexo”, disse Faubion. “Pense no mecanismo de luta ou fuga: na ansiedade, sua adrenalina está bombando, como nos tempos em que nós vivíamos nas cavernas e um leão nos perseguia. Você vai se deitar sobre o gramado e fazer o sexo com o leão ali na porta? A resposta é não. E é assim que as mulheres estão com ansiedade o tempo todo: a ansiedade é um fator muitíssimo importante para determinar se as mulheres são ou se manterão sexuais”.
Embora o estudo não tenha analisado especificamente a ansiedade, os resultados mostraram que as mulheres com mais sintomas depressivos eram muito menos propensas a classificar o sexo como prioridade. Além do impacto emocional, a libido reduzida é um efeito colateral de muitos antidepressivos receitados para tratar a depressão.
- Componente do casal
As mulheres na meia idade também podem enfrentar mudanças dramáticas e perturbadoras em suas vidas amorosas, afetando o interesse pelo sexo.
“Você perdeu um parceiro por causa de divórcio ou morte? O parceiro está desenvolvendo problemas de saúde que tornam o sexo mais difícil ou inconveniente? Ele está envolvido em outros aspectos de sua vida, como sua carreira, cuidar de netos ou dos filhos adultos? Isso torna difícil priorizar o sexo”, analisou Thomas.
Mesmo dentro do casal, o relacionamento pode ter altos e baixos que afetam a forma como uma mulher lida com a intimidade. “Você gosta do seu parceiro?”, Faubion perguntou. “Sua comunicação é boa? Até mesmo a logística pode atrapalhar: vocês estão no mesmo lugar ao mesmo tempo?”, questionou.
- Costumes sociais
A sociedade também afeta como uma mulher se sente sobre o sexo. Os valores religiosos, culturais e familiares sobre o tema podem desempenhar um papel importante no conforto e na satisfação sexual. “Ouvimos muito aquilo que a sociedade nos ensina sobre o envelhecimento das mulheres. Assim, para algumas, ser sexual é algo ruim. As mulheres não devem gostar de sexo e ponto”, explicou a médica.
“Eu atendi muitas mulheres na minha clínica na faixa etária de 60 a 65 anos que nunca receberam educação sexual, seus parceiros nunca receberam educação sexual, e elas nem querer saber nada sobre o tema”, contou.
O que pode ser feito?
É claro que, se uma mulher não se importa com a falta de sexo, então não há razão para procurar um médico, como disseram as doutoras Faubion e Thomas. Mas as duas contaram que estudos anteriores mostraram que cerca de 10% a 15% das mulheres que têm um menor interesse em sexo ficam preocupadas com isso e gostariam de encontrar uma solução.
Há maneiras que os médicos podem ajudar, incluindo medicamentos e terapias, mas primeiro uma mulher deve se comunicar e falar com seu médico.
“Pesquisas anteriores mostraram que as mulheres muitas vezes hesitam em contar para seus médicos, talvez porque se sintam envergonhadas ou porque veem isso como parte do envelhecimento normal que não vale a pena ser abordado”, disse Thomas.
A doutora Faubion adicionou: “A conclusão é: as mulheres devem falar com um profissional se tiverem preocupações sobre sua saúde sexual. É uma parte importante da vida e há soluções para as mulheres que sofrem com isso”.
CNN BRASIL