‘Não nos alertaram sobre efeitos colaterais de antidepressivos’: as famílias que sofreram impactos profundos


Os antidepressivos são os medicamentos mais comumente prescritos para transtornos mentais, como depressão e ansiedade.

Eles são prescritos também para uma série de outras condições, como insônia, dor, enxaqueca e transtorno do déficit de atenção com hiperatividade (TDAH).

Nos Estados Unidos, por exemplo, 13% dos adultos com 18 anos ou mais tomam algum medicamento antidepressivo, segundo dados do Centro de Controle e Prevenção de Doenças (CDC, na sigla em inglês) do país.

No Reino Unido, o percentual chega a 14,7%, segundo o último censo demográfico, de 2021.

No Brasil, a venda de antidepressivos e estabilizadores de humor está em crescimento. Dados do Conselho Federal de Farmácia mostram que a venda desses medicamentos cresceu cerca de 58% entre os anos de 2017 e 2021.

Em um documentário veiculado pela BBC no início de agosto, com título Are My Antidepressants Worth It? (“Os meus antidepressivos valem a pena?”), vários jovens e famílias relataram que não receberam conselhos ou informações adequadas sobre os possíveis efeitos colaterais de antidepressivos prescritos.

Dylan Stallan era um adolescente quando começou a receber tratamento para dismorfia corporal e depressão.

“Ele estava lutando com a maneira como se sentia sobre si mesmo, com sua aparência”, conta a mãe dele, Seonaid Stallan.

“Ele estava extremamente ansioso e ficava fisicamente doente. Ele não conseguia sair de casa.”

Aos 16 anos, Dylan recebeu a prescrição médica de um tipo de antidepressivo e, quando ele completou 18 anos, a medicação foi alterada para outro medicamento voltado para sintomas de depressão e ansiedade.

Dois meses depois que o tratamento foi alterado, Dylan cometeu suicídio.

Seonaid diz que, quando a troca de medicamentos foi feita, ninguém os alertou sobre possíveis efeitos colaterais.

Ela estava presente na consulta com seu filho e diz à BBC que eles não foram informados de que, antes de melhorar, o jovem poderia se sentir pior com o novo medicamento.

E apesar de as diretrizes de saúde do Reino Unido dizerem que é melhor evitar o álcool ao iniciar o tratamento com o tipo de medicamento que ele tomou, e de a bula alertar isso também, a mãe diz que Dylan foi informado de que não havia problema em beber álcool enquanto tomava o novo antidepressivo.

Seonaid conta que, na noite anterior ao suicídio do filho, em 2015, ele havia bebido uma “quantidade considerável” de álcool.

Segundo a mãe, Dylan não havia expressado pensamentos suicidas antes de iniciar o novo tratamento.

A clínica particular onde Dylan foi tratado disse à BBC que ficou “profundamente triste” com a morte do jovem e expressou condolências à família.

“Embora não estejamos em posição de comentar sobre o tratamento de qualquer pessoa, nossa equipe clínica certamente ficaria feliz em se encontrar com a Sra. Stallan se ela ainda tiver alguma preocupação que gostaria de discutir”, disse a clínica, oferecendo a possibilidade de novos esclarecimentos à mãe.

A eficácia dos antidepressivos em menores de 18 anos ainda não é totalmente conhecida. Em vários países, como os Estados Unidos e o Reino Unido, apenas um ou dois desses medicamentos são prescritos nessa faixa etária.

Quando uma pessoa completa 18 anos, no entanto, pode ser prescrito qualquer antidepressivo, como foi o caso de Dylan.

Existem algumas evidências de ensaios clínicos que sugerem que o risco de suicídio em pessoas com idade entre 18 e 24 anos aumenta ao tomar esses medicamentos.

Impactos na vida sexual

Os possíveis efeitos colaterais físicos e mentais dos antidepressivos vão desde dores de cabeça e confusão mental a efeitos mais graves, como perda da função sexual e pensamentos suicidas.

Bernadka Dubicka, professora de psiquiatria infanto-juvenil da Universidade de Hull, na Inglaterra, diz que sempre que um paciente receber a indicação de tomar antidepressivos, independentemente da idade, deve ser informado sobre os efeitos colaterais.

“Os dados parecem mostrar que, até os 25 anos de idade, um em cada 50 jovens que tomam um antidepressivo pode experimentar, nas primeiras semanas [de tratamento com o remédio], um aumento de pensamentos suicidas e de automutilação”, explicou a especialista à BBC.

Seonaid acredita que, à medida que as taxas de prescrição de antidepressivos aumentam, melhorias nas pesquisas e na compreensão dos efeitos colaterais podem salvar vidas.

A BBC conversou com mais de cem pessoas que usaram ou estão usando antidepressivos. Todas relataram algum tipo de efeito colateral.

Para alguns, os antidepressivos tiveram um impacto profundo e negativo na vida sexual.

Connor — nome fictício de um homem que falou conosco e preferiu omitir sua identidade — descreveu à BBC o impacto que os medicamentos tiveram em seu corpo.

Ele começou a tomar um antidepressivo aos 30 anos e, agora, sofre do que é conhecido como PSSD (Disfunção Sexual Pós-Antidepressivos), ou disfunção sexual pós-ISRS.

ISRS, ou inibidor seletivo da recaptação da serotonina, é uma classe de antidepressivo que inclui a maioria dos antidepressivos usados atualmente.

Connor conta que, 24 horas após a primeira pílula, seu desejo sexual desapareceu, enquanto passou a sentir sintomas físicos extremos.

Doze meses depois de parar de tomar antidepressivos, os sintomas persistem.

“Ainda sinto dormência nos órgãos genitais”, diz ele. “Sou basicamente assexual. Não sinto atração.”

“Quando me considerava uma pessoa deprimida, tinha uma vida sexual muito saudável.”

Connor é uma das mais de 1.000 pessoas que fazem parte da PSSD Network, uma comunidade online que começou a aumentar a conscientização sobre a condição, que não é reconhecida oficialmente pelo sistema de saúde do Reino Unido, onde ele vive.

Connor diz que os antidepressivos “destruíram completamente” a vida dele.

O médico Ben Davis, especialista em medicina do sexo, afirma que dificuldades nesse campo são comuns quando se toma antidepressivos.

“Sabemos que uma em cada duas pessoas com depressão terá alguma dificuldade com o sexo”, explica Davis. “Mas também há evidências de que até oito em cada 10 pessoas experimentam dificuldades sexuais com antidepressivos”.

Para alguns, no entanto, o risco de efeitos colaterais valem o impacto positivo que os antidepressivos podem ter.

Antidepressivos ‘salvaram a minha vida’

Elliott Brown, um comediante londrino, toma antidepressivos desde os 16 anos.

Ele também teve como efeito colateral a diminuição da libido.

“Em termos de desejo sexual, fica muito maior quando eu paro [de tomar os medicamentos]”, diz ele.

“Seus parceiros em potencial podem pensar que você não os considera tão atraentes. Esse é o momento que você tem para ser honesto.”

Brown diz que, apesar dos efeitos colaterais, os benefícios que teve com os antidepressivos valeram a pena e salvaram sua vida.

“Acho que não estaria aqui sem eles”, diz o comediante.

“Acho que é mais importante querer estar aqui e estar com pessoas queridas do que fazer sexo de vez em quando ou, no meu caso, muito raramente.”

BBC BRASIL

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