“Novas pandemias poderão ocorrer em breve e precisamos estar preparados”, diz diretor do Butantan


José Tadeu Arantes | Agência FAPESP – A probabilidade que o mundo venha a enfrentar novas pandemias no curto ou médio prazo é muito alta. E precisamos estar preparados para isso. O alerta foi feito pelo médico infectologista Esper Kallás, diretor do Instituto Butantan, na 2ª Conferência FAPESP 2023, que tratou do tema “Vírus, pandemia e vacinas”.

A afirmação foi feita pelo infectologista Esper Kallás durante a 2ª Conferência FAPESP 2023, que tratou do tema “Vírus, pandemia e vacinas”. Ele falou da “Missão 100 Dias”, que objetiva produzir novas vacinas em pouco mais de três meses(foto: Renato Rodrigues/Instituto Butantan)

Estar preparado é combater a “pandemia da desinformação”, fabricada pelos negacionistas da ciência, e, de forma rápida e eficiente, estabelecer iniciativas como a chamada “Missão 100 Dias”, que consiste em detectar o agente infeccioso, criar uma forma de tratamento e desenvolver a respectiva vacina em pouco mais de três meses. Kallás detalhou o quanto o Butantan já avançou nesse sentido.

“O primeiro passo, fundamental para qualquer país, é ter um sistema de vigilância capaz de detectar qualquer anomalia. Para isso, ele deve definir as síndromes clínicas; rastrear os eventuais patógenos; pesquisar novos agentes; e estabelecer tendências epidemiológicas”, explicou. E acrescentou que o Butantan já possui uma estrutura, o Centro de Vigilância Viral e Avaliação Sorológica (CeVIVAS), capaz de fazer diagnóstico molecular e classificação genômica de SARS-CoV-2, influenza e dengue.

O segundo passo, segundo o epidemiologista, é criar uma forma de tratamento. E a maneira mais rápida, além de rastrear os produtos já disponíveis na prateleira, é por meio de anticorpos monoclonais ou pool de anticorpos com ação anti-infecciosa. Nesse caso, o Butantan possui duas plataformas: uma, que data da época da criação do instituto, é a produção de soros hiperimunes extraídos de plasma de animais imunizados; a outra, bastante desenvolvida durante a pandemia de COVID-19, é a identificação e o desenvolvimento de anticorpos monoclonais neutralizantes.

O último passo é a produção de vacinas. “O papel do Brasil no desenvolvimento de vacinas contra a COVID-19 é inquestionável. Os quatro produtos utilizados no país, todos eles foram feitos ou só aqui ou também aqui. Junto com alguns poucos países do mundo, foram pesquisadores brasileiros que deram as principais contribuições para trazer essas vacinas para o dia a dia. Nós vivenciamos isso intensamente nesses últimos anos”, enfatizou o infectologista.

Kallás detalhou as diferentes plataformas disponíveis para a produção de vacinas, seus prós e contras: RNA mensageiro, DNA, agente inteiro inativado ou atenuado, vetores virais, subunidades proteicas, moléculas carreadoras de proteínas e vacinas produzidas em ovos. E afirmou que o alvo principal, no momento, é a influenza, por ser esta a principal ameaça pandêmica no horizonte.

Fatores de risco

O infectologista mencionou um conjunto de fatores gerais que contribuem para o risco de novas pandemias: o aumento da população mundial e da mobilidade; o crescimento do número de pessoas vivendo na fronteira da civilização com a vida selvagem; o avanço do número de pessoas com comorbidades e imunodeficiências primárias; a maior ocorrência de desastres causados pela ação humana. E, por último, mas certamente o fator mais importante: as mudanças climáticas.

“A população mundial ultrapassou, em 2022, o patamar de 8 bilhões de pessoas, com a previsão de que alcance um pico de 10,4 bilhões por volta de 2080, antes que a curva de crescimento comece a cair. Isso, por si só, aumenta o número de pessoas que podem ser suscetíveis a um agente infeccioso. Com o aumento de mobilidade proporcionado pelas viagens aéreas, é possível chegar a qualquer lugar do mundo em menos de 24 horas – o que, para um agente transmissível, constitui uma grande vantagem, porque ele vai conseguir estar presente em diferentes lugares em intervalo de tempo muito curto”, disse Kallás.

A enorme pressão demográfica e a facilidade de locomoção fazem com que os humanos invadam, cada vez mais, os hábitats selvagens. E o contato direto com os animais que vivem nessas áreas, seja pela alimentação, seja pela interação com excrementos e outros meios, coloca a humanidade à mercê de agentes patogênicos para os quais ainda não desenvolveu defesas. “Só os morcegos possuem mais de 40 mil tipos de vírus capazes de infectar os mamíferos”, informou o infectologista.

Por outro lado, a extensão do tempo de vida e o aumento das chances de sobrevivência a doenças, que constituem uma grande vitória da ciência e da medicina, possibilitam que os percentuais de pessoas com comorbidades ou imunodeficiências primárias cresçam progressivamente na população. “Esses grupos estão mais sujeitos a se infectar, abrigar mutações dos agentes infecciosos e transmiti-los para outras pessoas. No caso da COVID-19, suspeita-se que algumas das variantes ocorreram porque o vírus continuou se multiplicando por períodos muito longos em pacientes imunodeficientes, que não eram capazes de erradicá-los”, afirmou Kallás.

Tudo isso compõe um quadro favorável à ocorrência de novas pandemias. Quadro esse extremamente agravado por desastres causados pela ação humana (como as tragédias de Mariana e Brumadinho, ocorridas, respectivamente, em 2015 e 2019, com enorme impacto social e ambiental) e, mais ainda, pela crise climática.

“Situações climáticas extremas criam diversas condições de impacto na saúde humana. O extremo calor pode causar por si só problemas de saúde, mas a mudança do clima também tende a facilitar a disseminação de doenças de transmissão respiratória, hídrica ou alimentar. E a disseminação de vetores em regiões onde eles normalmente não estariam presentes. É o caso do atual surto de dengue em Santa Catarina”, exemplifica Kallás, lembrando que o vetor da doença, o mosquito Aedes aegypti, não ocorria antes no Sul do país em função da baixa temperatura.

Nesse contexto de fatores gerais propícios a uma possível nova pandemia, a Organização Mundial de Saúde (OMS) listou os seguintes agentes ou doenças como causadores prioritários: COVID-19; febre hemorrágica da Crimeia-Congo; ebola e vírus de Marburg; febre de Lassa; Mers-CoV e SARS; nipah e outras doenças henipavirais; febre do Vale de Rift; zika. E acrescenta uma “doença X”, provocada por algum fator ainda imponderável.

Kallás é professor titular do Departamento de Moléstias Infecciosas e Parasitárias da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (FM-USP), foi diretor do Centro de Pesquisas Clínicas do Hospital das Clínicas da FM-USP e, durante a pandemia de COVID-19, atuou na linha de frente do atendimento clínico, integrou o Centro de Contingência do Estado de São Paulo e participou como investigador principal da fase 3 do desenvolvimento da CoronaVac.

Na sessão de perguntas e respostas que se seguiu à conferência, ele lembrou que as medidas de contenção adotadas durante a pandemia de COVID-19 no Estado de São Paulo impediram que o sistema de saúde entrasse em colapso, como aconteceu, por exemplo, na cidade de Nova York, nos Estados Unidos.

A 2ª Conferência FAPESP 2023, “Vírus, pandemia e vacinas”, teve a participação do professor Marco Antonio Zago, presidente da FAPESP, e dos professores Marcio de Castro Silva Filho e Carlos Américo Pacheco, respectivamente diretor científico e diretor-presidente do Conselho Técnico-Administrativo da instituição. Também estiveram presentes Andrew Simpson, que coordenou o Projeto Genoma FAPESP, e Walter Colli, ex-diretor do Instituto Butantan.

Zago falou que a criação de um laboratório com nível de biossegurança 4, destinado à manipulação de microrganismos de extrema periculosidade, é algo a ser estudado. “Não é um projeto da FAPESP. Mas pode vir a ser um projeto do Estado de São Paulo. O Estado pode resolver investir nisso”, acenou.

A 2ª Conferência FAPESP 2023, “Vírus, pandemia e vacinas”, pode ser assistida na íntegra em: www.youtube.com/watch?v=4i2k9WuaGMY.

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