Estudo mostra que questões ambientais impactam também a saúde perinatal; calor extremo está associado a maior risco de desidratação e dilatação dos vasos
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
As temperaturas mais altas causadas pelas mudanças climáticas já são percebidas dia após dia no mundo todo. O ano de 2023 foi considerado o mais quente da história e espera-se que as temperaturas continuem alcançando níveis cada vez mais altos. Estar exposto ao calor extremo pode causar alterações no organismo que trazem riscos à saúde, especialmente para crianças, idosos e pessoas com a saúde fragilizada.
Agora, um novo estudo realizado nos Estados Unidos mostraque o impacto das ondas de calor também está associado ao aumento de partos prematuros no país. Os pesquisadores acompanharam registros de nascimentos das 50 principais áreas metropolitanas do país ao longo de 25 anos e cruzaram os dados com registros de temperatura no período em uma janela de sete e quatro dias antes do parto. A onda de calor foi definida como os dias em que a temperatura registrada ficou 2,5% mais quente do que nos 25 anos que antecederam o estudo.
Foram considerados partos prematuros aqueles realizados no intervalo entre 28 semanas e 36 semanas e seis dias de gestação. Nascimentos antes da 28a semana gestacional foram classificados como prematuros extremos — mais frequentemente associados a infecções intrauterinas e anomalias congênitas do que a questões ambientais.
O estudo avaliou mais de 53 milhões de nascimentos — o que corresponde a mais da metade dos nascimentos nos EUA no período considerado no estudo, de 1993 a 2017. Os autores constataram que a ocorrência de partos prematuros cresceu após picos de calor, sugerindo que o aumento da frequência e intensidade das ondas de calor também tem implicações para a saúde perinatal.
Cada aumento de 1°C acima da temperatura média foi associado ao aumento de 1% na taxa de nascimentos prematuros. Os resultados apontam ainda que o impacto do calor na prematuridade tem sido mais comum nos últimos anos e que esse efeito foi mais evidente em populações com piores condições socioeconômicas.
“Ainda não sabemos o impacto desses resultados na população do planeta todo. O que temos, por enquanto, são estudos envolvendo países de clima mais frio que apresentam maior taxa de prematuridade em períodos mais quentes. Isso precisaria ser avaliado também em nações tropicais, como o Brasil”, pondera o ginecologista Rômulo Negrini, coordenador-médico de Obstetrícia do Hospital Israelita Albert Einstein. “De qualquer forma parece que temos uma pista sobre a influência climática na gestação. Isso explicaria, em parte, por que os métodos de detecção e prevenção de prematuridade evoluem dia a dia e as taxas de nascimentos pré-termo continuam em ascensão.”
A ciência ainda não sabe exatamente o que explicaria o impacto do calor na antecipação do parto. Mas, segundo Negrini, existem dois mecanismos prováveis: a desidratação causada pela transpiração da gestante poderia reduzir o fluxo sanguíneo placentário e alterar consequentemente a ação hormonal local em prol das contrações. Outra possibilidade é que o estresse oxidativo que o calor causa no organismo da mulher leva a uma resposta inflamatória com consequente produção de substâncias que elevam a quantidade de receptores ativos de ocitocina no útero – que é justamente a substância responsável pelas contrações que auxiliam o parto.
Perigo para todos
O calor extremo está associado a riscos importantes de saúde para toda a população, não somente para as gestantes. Segundo o médico do Einstein, isso acontece, principalmente, por conta da desidratação e da dilatação dos vasos. Com as altas temperaturas, explica Negrini, o organismo precisa dilatar as veias da superfície para que mais sangue passe por ali e perca calor para o ambiente, mantendo a temperatura interna do organismo dentro da normalidade.
“Só que para manter o fluxo nessas veias dilatadas, o coração precisa trabalhar mais, e isso pode desencadear arritmias e até infarto. A desidratação, por exemplo, pode alterar os íons do organismo e favorecer arritmias e outros distúrbios, inclusive cerebrais, como convulsões. Todavia, pessoas mais jovens sofrem menos com esses problemas e, em geral, as grávidas são mais jovens”, explica o ginecologista.
Negrini ressalta que o risco do calor extremo nas gestantes, além da prematuridade, está relacionado à queda de pressão arterial pela vasodilatação exacerbada, pois a própria gravidez promove essa dilatação e ainda se soma ao efeito do calor. “Isso pode resultar em risco de desmaios e menor fluxo de sangue ao feto, comprometendo seu desenvolvimento. Por isso é imprescindível que a gestante se mantenha bem hidratada”, alerta.
Segundo o médico, no Brasil não existem dados sobre calor e parto prematuro, especialmente porque o país passa o ano todo predominantemente sob temperaturas mais altas. “O que temos de fato são taxas crescentes de prematuridade, mas ainda é precipitado associar isso ao aumento da temperatura global. No entanto, creio que esse seja um ponto importante a ser analisado”, sugere.