Pais e filhos adultos: como fortalecer o vínculo e curar feridas emocionais antigas


Psicóloga explica caminhos possíveis para resgatar relações familiares fragilizadas e como pequenas ações podem ser o ponto de partida

Para 24,4% dos brasileiros, a família é o principal fator que justifica a percepção positiva de bem-estar, à frente de aspectos como saúde (23,3%) e finanças (20,3%), de acordo com uma pesquisa realizada pelo Instituto Informa. Ainda assim, muitos pais e filhos adultos enfrentam desafios profundos nessa conexão, especialmente quando há feridas emocionais antigas que nunca foram curadas.

Em relações familiares fragilizadas, é comum a presença de mágoas silenciosas, ressentimentos acumulados e uma sensação de distância emocional que parece crescer com o tempo. “Os filhos podem se sentir sufocados por expectativas não atendidas, enquanto os pais carregam o sentimento de que foram deixados de lado”, afirma Aline Silva, psicóloga da plataforma de saúde mental Telavita. “Em muitos casos, o afastamento é uma forma de proteger a si mesmo, mas ele também reforça as barreiras entre os dois lados”, complementa.

A especialista reforça que reconstruir um vínculo é um processo emocionalmente exigente, justamente porque requer uma revisão dos papéis familiares e um esforço mútuo de compreensão. “Muitas vezes, o que machuca hoje não é o que está sendo dito, mas o que foi vivido no passado e não foi elaborado. Um pai que tenta controlar o filho, por exemplo, pode estar agindo por amor, mas reativa nele uma sensação de invasão ou desvalorização que vem da infância”, explica Aline. É nesse ponto que a terapia se mostra essencial para organizar emoções, identificar padrões e ressignificar memórias que ainda ferem.

Nesse processo, curar uma ferida emocional, no contexto das relações familiares, não significa apagar o passado, mas aprender a olhar para ele com mais clareza e compaixão. “Quando um pai reconhece que foi ausente e um filho percebe que o silêncio não é desamor, mas proteção emocional, já há um movimento de cura”, diz a psicóloga. E embora essa jornada possa demandar tempo, ela é possível, mesmo após anos de distanciamento. “Muitas reconciliações começam com algo simples, como um gesto de atenção ou uma mensagem num dia especial”.

É preciso considerar que a cultura brasileira, que valoriza a convivência familiar e a interdependência, também impõe desafios para aqueles que, apesar de não terem uma questão parental latente, optaram por se afastar, construir a própria vida em outra direção ou até romper o contato. Nessas situações, o julgamento social e a culpa podem pesar mais do que um conflito em si, fazendo com que essa dinâmica, marcada por cobranças sutis e sentimentos ambíguos, leve a questionamentos constantes das próprias escolhas.

“Filhos podem sentir culpa por se afastarem ou por não corresponderem às expectativas sociais de cuidado e gratidão. Pais, por outro lado, não percebem que muitas vezes foi seu comportamento no passado que estimulou o distanciamento do outro. Por isso, o diálogo honesto é essencial, e exige espaço para que sentimentos reais, inclusive os difíceis, possam ser ditos. É preciso aprender a conversar não só sobre o que é bonito, mas também sobre o que é necessário”, reforça Aline.

Para quem deseja dar os primeiros passos rumo à reconexão, a recomendação é começar com gestos simples e conversas a partir da própria vivência, evitando acusações. Escrever uma carta, mesmo que não seja entregue, relembrar bons momentos ou propor um encontro informal pode ajudar a abrir caminhos. “Relacionamentos familiares não precisam ser perfeitos para serem significativos, eles precisam ser possíveis, e isso começa quando há disposição para escutar, se vulnerabilizar e continuar tentando”, ressalta a psicóloga. E, quando os conflitos parecem intransponíveis, buscar apoio terapêutico é um gesto de cuidado com a relação.

Além dessas iniciativas, Aline reforça que pequenas atitudes no dia a dia também contribuem para fortalecer o vínculo entre pais e filhos: demonstrar interesse genuíno pela rotina do outro, enviar uma mensagem sem motivo especial, ouvir com atenção e reconhecer pequenos avanços na relação são formas simples, mas poderosas, de reconstruir a confiança e o afeto. “Dinâmicas simbólicas, como montar um álbum de fotos juntos, assistir a um filme sobre relações familiares ou até criar pequenos rituais de convivência, como um almoço mensal, podem reaproximar corações de maneira leve e gradual. Afinal, muitas vezes, o reencontro se constrói nos detalhes, e é neles que a conexão emocional pode, aos poucos, ganhar um novo significado”, finaliza a psicóloga.

 

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