Especialistas afirmam que há poucas chances de alcançar o ritmo de anos anteriores; mortes de pacientes na fila de espera cresceram 44,5%;
O Brasil realizou, entre abril e junho deste ano, menos da metade dos transplantes de órgãos e tecidos do início do ano. Com a diminuição de 61% dos procedimentos, cresceram 44,5% as mortes de pacientes cadastrados na fila de espera entre os dois períodos em todo país.
Os números levaram Associação Brasileira de Transplante (ABTO) a projetar no ano uma queda de doação e transplantes nunca vista antes – em contraste ao cenário promissor que se apresentava até então. Na conta, estão os procedimentos de coração, fígado, pâncreas, pulmão, rim, córnea e medula.
Quando comparados o primeiro semestre de 2020 e o de 2019, a diminuição do total de transplantes foi de 32%, e o aumento de mortes foi de 34%. Se o país seguir nesse ritmo, o ano pode trazer queda de 20,5% nos procedimentos, o que faria o país regredir à marca de nove anos atrás.
O número de doadores efetivos (que exames detectaram morte encefálica, a família autorizou a doação de órgãos e os órgãos são viáveis) também teve baixa relevante. Atualmente, o indicador é de 15,8 doadores por milhão de população (PMP). O número é 6,5% menor que a marca de junho de 2019 (16,9 doações PMP)
A taxa idealizada pela ABTO para o ano de para o ano é de 20 doadores PMP e esteve perto de ser alcançada no primeiro trimestre, quando país teve 18,4 doadores PMP. A Covid-19, que ganhou força do país no segundo trimestre do ano, é o motivo das quedas abruptas.
A pandemia causou descarte de órgãos infectados, aumento da negação familiar para que os entes fossem sepultados rapidamente, contraindicação para realização do procedimento nos casos em que o receptor pudesse esperar com tratamentos paliativos e até falta de logística aérea para que os órgãos viajassem para outras cidades.
Na tentativa de minimizar os riscos para os profissionais, também caiu a busca ativa de doadores. O trabalho é feito por comissões intra-hospitalares presentes em unidades com mais de 80 leitos e responsáveis por viabilizar o diagnóstico de morte encefálica e oferecer às famílias a possibilidade de doação.
E com a dedicação massiva dos leitos de UTI para doentes graves de Covid-19, vítimas de trauma não tiveram chance de evoluir para a morte cerebral, tornando-se doadores potenciais, e diminuíram também as vagas para colher os recém-transplantados.
“Isso aconteceu de forma heterogênea mas foi no Brasil inteiro. Foi uma queda inédita. Mesmo que a gente considere que o que foi feito no primeiro trimestre, é uma perda grande” , diz José Huygens Garcia, presidente da ABTO.
Outro efeito da pandemia foi a diminuição do ritmo de ingresso de pacientes na fila de espera. No primeiro semestre, o número de novos cadastros foi 28,4% menor que o mesmo período de 2019.
Segundo Huygens, houve menor procura dos serviços de saúde eletivos. Assim, menos indicações de transplantes. Mesmo com isso, a lista de espera não deixa de crescer. Ao final de junho, mais de 40.000 pessoas aguardavam um órgão ou tecido, 3000 a mais que no final de 2019.
Na tentativa de manter a realização dos transplantes com a maior segurança possível, o Ministério da Saúde emitiu em março uma nota técnica indicando os critérios para triagem clínica de coronavírus nos candidatos a doação. A realização do exame RT PCR passou a ser obrigatória, junto a outras testagens. Em São Paulo, segundo Francisco Monteiro, coordenador da Central de Transplantes Estadual, cerca de 8% dos doadores potenciais foram descartados por que estavam infectados pelo vírus, apesar da Covid-19 não ter sido a causa da morte. “A retirada dos órgãos só acontece com o diagnóstico negativo. Essa foi a primeira medida que fez com que a gente tivesse um doador que incorresse em risco mínimo para o receptor e para equipe transporte transplantadora”, afirma.
Como protocolo de morte cerebral demanda algumas horas, diz o coordenador, O tempo para o exame não causou perda de órgãos. “O órgão que é viabilizado é efetivamente transplantado”. Pacientes receptores também realizam testaagem da doença para minimizar os riscos.
FOLHA