Técnica em que se injeta a bebida pelo reto com a promessa de limpar o intestino não tem comprovação científica nem indicação segura de uso
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein

Uma prática perigosa vem ganhando força nas redes sociais (e fora delas): o enema de café, procedimento em que se injeta a bebida pelo reto com a finalidade de “limpar” o intestino. Com mais de 44 mil publicações marcadas com a hashtag #enema no Instagram, a técnica é divulgada em vídeos e perfis que prometem emagrecimento, melhora da digestão, redução de inflamações, alívio da dor, melhora do humor e até cura do câncer. Mas cuidado: não há evidências científicas que sustentem essas alegações, e os riscos à saúde são reais.
“Na verdade, é até difícil encontrar informação relevante sobre o tema, pois as evidências científicas são raras e de baixo nível científico”, explica a oncologista clínica Ana Paula Garcia Cardoso, do Einstein Hospital Israelita. A prática não é novidade: ela faz parte da chamada “Terapia de Gerson”, criada na década de 1930 pelo médico alemão Max Gerson, que migrou para os Estados Unidos. Ele defendia uma dieta vegetariana associada a suplementação vitamínica e enemas, incluindo o de café, com a ideia de limpar o fígado e fortalecer o sistema imunológico.
“É uma teoria empírica, baseada em observação, sem nenhuma comprovação científica, reprodutibilidade ou consistência”, afirma Cardoso. A ideia de “desintoxicar” o corpo e prevenir doenças graves, como o câncer, persiste até hoje, sobretudo nas redes sociais. “Relatos pessoais e promessas simplificadas iludem as pessoas e costumam viralizar”, alerta a médica.
Quais os riscos?
Não existem estudos que comprovem os benefícios do enema de café para limpeza intestinal ou desintoxicação do organismo. Por outro lado, os riscos podem ser graves. Entre os efeitos imediatos estão cólica, dor, urgência para evacuar, diarreia e sangramentos, além de queimaduras retais e desidratação. O uso frequente ou inadequado também pode provocar inflamação da mucosa intestinal, alterações eletrolíticas, palpitações e ansiedade devido à absorção de cafeína.
Em casos mais graves, pode haver perfuração intestinal e infecções generalizadas. Indivíduos com doença inflamatória intestinal, hemorroidas, fissuras, imunossupressão ou que passaram por cirurgias no cólon ou reto são ainda mais suscetíveis a riscos. “Esse tipo de prática induz as pessoas a acreditarem que existe um tratamento alternativo simples e natural capaz de curar doenças graves, o que não é verdade. O enema de café não tem nenhuma indicação médica reconhecida para prevenção ou tratamento de qualquer doença”, enfatiza a especialista.
Em setembro do ano passado, o Conselho Regional de Medicina de São Paulo (Cremesp) publicou um alerta nas redes sociais sobre os riscos do enema de café, chamando a prática de “charlatanismo” e ressaltando que o procedimento não possui comprovações científicas.
Intestino saudável
Para quem deseja melhorar a digestão e a saúde intestinal, o ideal é procurar um médico especialista. Além disso, faz bem adotar hábitos como ingerir mais alimentos fontes de fibras; reduzir o consumo de carne vermelha e gorduras de origem animal; beber a quantidade ideal de água para você e praticar atividade física.
Também é prudente manter-se alerta ao que se vê nas redes sociais. Desconfie de curas “naturais” e promessas milagrosas. Na dúvida, fale com seu médico. “Uma mentira repetida inúmeras vezes não vira verdade. Nas redes, ela ganha seguidores, mas muitos seguidores não são evidência de que uma teoria ou tratamento funciona. Infelizmente, isso perpetua a fantasia e pode custar vidas”, alerta a oncologista.


