Embora não se saiba qual a causa específica da doença de Alzheimer, a ciência pode revelar novos caminhos para aprofundar o entendimento acerca desse transtorno neurodegenerativo. Foi o que pesquisadores da UFRN descobriram em um estudo que desvendou características do gene BIN1, segundo fator de risco mais importante para a doença. A pesquisa, publicada na revista Molecular Psychiatry, do grupo Nature, explorou interações desse componente com o corpo humano e, como resultado, estimulou possíveis caminhos para o tratamento da patologia em estágios iniciais.
Coordenado pelo professor Marcos Costa, com a participação de Claudio Queiroz e Ana Raquel Farias, todos do Instituto do Cérebro da Universidade Federal do Rio Grande do Norte (ICe/UFRN), o estudo teve a colaboração de pesquisadores do Institut Pasteur de Lille, na França, e da Universidade de Boston. O trabalho tem como foco destacar a função do gene BIN1 na regulação da atividade elétrica e, indiretamente, na expressão de genes neuronais.
A pesquisa revela que BIN1 tem um papel importante no cérebro, regulando o funcionamento de neurônios excitatórios humanos que apresentam um aumento da excitabilidade na doença de Alzheimer. Além disso, BIN1 atua indiretamente na expressão de genes associados às sinapses, regiões responsáveis pela comunicação entre neurônios ou de um neurônio para outras células.
Segundo Marcos Costa, a expressão do BIN1 está reduzida nos neurônios excitatórios de pacientes com Alzheimer, o que pode contribuir para as alterações funcionais no cérebro de pessoas afetadas. A partir dessa conjectura, é possível entender melhor como um dos principais fatores de risco genético do Alzheimer pode influenciar para o início e progressão da doença.
Para entender esse processo, os cientistas utilizaram células-tronco de pluripotência induzida humanas (iPSC, do termo em inglês), células essas capazes de gerar todos os demais tipos celulares do corpo humano. Com as iPSCs, os pesquisadores geraram “mini-cérebros”, expressando níveis normais e reduzidos de BIN1. Assim, chegaram à revelação de que a menor expressão desse gene estava associada a alterações da atividade elétrica e da conexão sináptica entre neurônios excitatórios – alterações similares às encontradas em pacientes com a doença de Alzheimer.
Os pesquisadores utilizaram os neurônios gerados a partir das iPSCs humanas para estudar quais mecanismos moleculares poderiam ser responsáveis por essas alterações e identificaram que o BIN1 se ligava a um canal de cálcio específico, regulando sua função em neurônios. A partir disso, esse canal foi bloqueado farmacologicamente, revertendo as alterações e revelando um novo processo patológico na doença de Alzheimer.
“Os resultados indicam que ao menos parte das alterações neuronais associadas com níveis reduzidos de BIN1 em neurônios pode ser revertida com o uso de bloqueadores de canais de cálcio. Muitas destas substâncias já são comumente utilizadas para o tratamento de hipertensão arterial e poderiam, portanto, ser uma alternativa interessante para o tratamento de estágios iniciais da doença de Alzheimer”, explica Marcos Costa.
O cientista afirma, ainda, que ensaios clínicos mais amplos são necessários para confirmar essa hipótese, mas a pesquisa dá um passo a mais rumo à descobertas aprofundadas sobre uma das doenças neurodegenerativas mais comuns no mundo. “Dados obtidos em um grupo de indivíduos na China já demonstraram que pessoas tratadas com bloqueadores do canal de cálcio têm uma probabilidade reduzida de desenvolver a doença de Alzheimer”, reforça.
O estudo, que é uma colaboração entre a UFRN, a França e os Estados Unidos, foi publicado com acesso aberto.