Estudo feito com cerca de 88 mil pessoas mostrou que o risco de problemas cardiovasculares foi 25% maior entre aqueles que foram dormir meia noite ou mais
Por Fernanda Bassette, da Agência Einstein
Será que existe um horário para dormir que seja melhor para a nossa saúde? Uma pesquisa realizada no Reino Unido sugere que sim: ir para a cama entre 22h e 23h parece proteger a saúde do coração e reduzir o risco de doenças cardiovasculares. Embora os pesquisadores afirmem que o estudo não apresenta uma relação de causa e efeito, eles atribuem os resultados ao ciclo circadiano (o nosso relógio biológico, mecanismo pelo qual o corpo regula o dia e a noite) e ressaltam que o tempo de sono é um potencial fator de risco cardíaco, independente de outros fatores.
Para chegar a essa conclusão os pesquisadores acompanharam cerca de 88 mil voluntários, com idade média de 61 anos, por quase seis anos. As informações sobre o timing do sono foram coletadas por meio de um aparelho de pulso durante sete dias, além de eles responderem questionários sobre estilo de vida, saúde e condições demográficas. Além disso, no período, os pesquisadores analisaram os dados de diagnóstico de doenças cardiovasculares: infarto, AVC, insuficiência cardíaca, entre outros. Os resultados foram publicados no European Heart Journal Digital.
Durante o seguimento, 3,6% dos participantes desenvolveram alguma doença cardiovascular. Os pesquisadores ajustaram dados como idade, sexo, duração do sono, irregularidade do sono (horários variados para dormir e acordar), se a pessoa era diurna ou noturna (com base no autorrelato), tabagismo, índice de massa corporal, diabetes, pressão arterial e níveis de colesterol.
Os resultados mostraram que o risco de problemas cardiovasculares foi 25% maior entre aqueles que foram dormir meia noite ou mais e 24% maior naqueles que foram dormir antes das 22h, em comparação com os que foram para a cama entre 22h e 22h59 – que apresentaram risco de 12%. Embora vários estudos investiguem a duração do sono e as doenças cardiovasculares, a relação entre o timing do sono (horário em que ele ocorre) ainda é pouco explorada e esse estudo avaliou o início do sono e a hora de acordar objetivamente, em vez dessa informação ser autorrelatada.
“Já é bem estabelecido que a privação do sono aumenta o risco de doenças cardiovasculares, metabólicas e de saúde mental. Mas o que esse trabalho traz de novo é que ele acompanhou a população na vida real analisando o padrão de sono e vigília e comparou com uma marcação objetiva, que é timing do sono, o horário que ele acontece”, afirmou Leonardo Goulart, neurologista especialista em medicina do sono do Hospital Israelita Albert Einstein.
Segundo Goulart, é difícil falar em hora ideal para dormir porque as pessoas variam no funcionamento do ciclo circadiano, do relógio biológico. Funciona assim: para algumas pessoas, o cérebro vai mandar o horário do sono mais tarde e a vigília mais tarde – esses são os vespertinos. Para outras, o relógio biológico vai preparar o corpo para o sono e para a vigília mais cedo – esses são os matutinos. Os intermediários são aqueles cujo timing do sono (a hora que o sono ocorre) está entre o matutino e vespertino. “Mas há um grupo de pessoas que são matutinas, mas por causa dos seus hábitos [rotinas e escolhas profissionais e pessoais], vai dormindo cada vez mais tarde e acabam ficando privados do sono, pois não conseguem dormir até mais tarde”, diz.
Essas pessoas que vão atrasando a chegada do sono e se tornando cada vez mais vespertinos, podem desenvolver problemas de saúde mental e cardiovasculares. “O timing do sono varia de acordo com a manifestação genética de cada pessoa. Se a pessoa planejar seu estilo de vida de acordo com o seu perfil [vespertino ou matutino] naturalmente, está tudo bem. O problema ocorre quando o desalinhamento entre o horário biológico e o desejado para cumprir funções sociais/ocupacionais gera uma privação do sono de longo prazo”, afirmou Goulart, que ressaltou que a recomendação é a pessoa ter sempre uma vida equilibrada e respeitar a sua biologia naturalmente e a quantidade de sono que o corpo está pedindo.
“O sono é insubstituível. Não dá para repor sono com remédio, com alimentação saudável ou dormindo o dia inteiro no final de semana. O dano celular causado pela privação do sono, que causa o aumento da atividade inflamatória, por exemplo, já foi. O importante é respeitar o horário de dormir de cada um”, finalizou.