No livro No Caminho de Swann, primeira parte do romance Em Busca do Tempo Perdido, do escritor francês Marcel Proust, o sabor de um biscoito madeleine embebido em chá desencadeia instantaneamente uma memória de infância para o protagonista.
Desde então, essa experiência que (quase) todos nós já tivemos — a associação entre memória e comida — ficou conhecida como “momento proustiano” ou “madeleine de Proust”.
Essas recordações associadas a alimentos “são formadas sem qualquer edição consciente”, explicou Susan Krauss Whitbourne, professora emérita de psicologia da Universidade de Massachusetts Amherst (EUA), à BBC Travel.
“Elas envolvem áreas muito básicas e não verbais do cérebro que podem ignorar sua consciência”, explica. “É por isso que você pode ter fortes reações emocionais quando come um alimento que desencadeia essas memórias inconscientes profundas.”
“Mesmo que você não consiga colocar essas memórias em palavras, você sabe que há ‘algo’ que a comida desencadeia nas profundezas do seu passado. A memória vai além da comida em si, às associações que você tem com aquela memória de muito tempo atrás, seja de um lugar ou pessoa.”
Mas existem alimentos que ajudam a potencializar esta relação entre comida e memória?
Segundo a psicóloga e mestre em nutrição Kimberley Wilson, existem alimentos e bebidas que podem ter um efeito surpreendentemente positivo ou negativo na memória.
Diferentes memórias
A memória é nossa capacidade de recordar informações do passado recente ou distante.
Temos três tipos de memória: imediata, de trabalho e de longo prazo.
Nossa memória imediata só pode reter informações por um curto período de tempo: você a usa para discar um número de telefone que alguém acabou de lhe dizer sem anotá-lo.
Usamos nossa memória de trabalho para pensar em ação.
Em tarefas como conversar, isso nos ajuda a lembrar o que a pessoa acabou de dizer, entender seu significado, conectá-la à conversa anterior e depois compartilhar nossos próprios pensamentos.
Com nossa memória de longo prazo, lembramos informações de dias ou anos no passado.
As memórias que estão armazenadas nela foram movidas de nossa memória imediata em um processo chamado “consolidação”.
Aquilo que comemos pode ter um impacto no funcionamento da nossa memória.
Em um estudo com adultos mais velhos com problemas de memória, 500 ml de suco de uva roxa por dia durante 12 semanas permitiram que eles aprendessem mais palavras em comparação com o grupo placebo.
Em estudos com crianças que comeram 240 gramas de mirtilos frescos, isso permitiu a elas lembrar mais palavras e recordá-las com mais precisão 2 horas depois.
Então, as uvas roxas e os mirtilos são especiais?
Mais ou menos. Ambos são fontes ricas de antocianinas, um tipo de químico vegetal chamado polifenóis, que lhes confere sua cor profunda. Esses compostos de polifenóis também são encontrados em outras frutas.
Quando metabolizados no corpo, eles melhoram a flexibilidade dos vasos sanguíneos e o fluxo sanguíneo para o cérebro. Isso, por sua vez, fornece mais nutrientes energéticos e oxigênio, melhorando nosso desempenho cognitivo.
E não são apenas as frutas.
O consumo a longo prazo de chá verde também tem sido associado a uma melhor memória de curto prazo, atenção à memória de trabalho e redução do risco de declínio cognitivo.
Também há uma boa notícia para os amantes de chocolate, porque o cacau melhora o fluxo sanguíneo cerebral, embora deva ser chocolate amargo, que contém mais de 70% de sólidos de cacau para você colher os benefícios.
A regra geral é que quanto mais saudável a dieta — rica em frutas, vegetais, grãos integrais, leguminosas e peixes oleosos — maior o centro de memória do cérebro e melhor o desempenho da memória.
Alimentos processados
Mas se chocolate, frutas vermelhas e chá verde são bons para nossas memórias, existem alimentos que não são?
Décadas de estudos em animais e um número crescente de testes em humanos mostram que uma dieta rica em alimentos processados tem um efeito prejudicial no aprendizado e na memória.
Em um estudo, 110 pessoas saudáveis que normalmente comiam uma dieta nutritiva foram convidadas a comer uma dieta rica em alimentos processados por apenas uma semana.
No cardápio, dois waffles no café da manhã em quatro dos dias e duas refeições de junk food (termo em inglês para alimentos de alto teor calórico e pobres em nutrientes) a qualquer momento da semana.
Em poucos dias, a dieta altamente processada levou a problemas de memória, de aprendizado e falta de controle do apetite.
Uma dieta rica em alimentos processados e açúcares e pobre em frutas, vegetais e fibras também está associada a um risco maior de doenças neurodegenerativas, como Alzheimer.
Pesquisas indicam que adotar pequenas medidas para tornar nossas dietas mais nutritivas — um pedaço extra de fruta no café da manhã, uma porção extra de vegetais no jantar — pode ajudar a melhorar nossas memórias de hoje e protegê-las para o futuro, conclui a psicóloga Kimberley Wilson.
*Assista à versão original desta reportagem (em inglês)na BBC Reel.